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Artigos-->Sofísmas de Distração de Gabriel García Márquez -- 18/05/2001 - 15:21 (Bruno Freitas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
[Ao maestro García Márquez: Não é segredo de ninguém que sua obra literária, está impregnada de sua profissão de jornalista. O senhor mesmo disse várias vezes. Supondo que sendo está razão pela qual nos tenha agraciado com um relato (de um náufrago), uma crônica (de uma morte anunciada) e uma notícia (de um seqüestro). Por este caminho, podemos esperar uma entrevista? Com quem?]





Em síntese, sua pergunta concreta é se os leitores podem esperar de mim, um livro que seja uma entrevista – assim como publiquei uma crônica, um relato e uma notícia-. Minha resposta concreta é que não. Entretanto, o espírito de sua carta me faz pensar que teria muitas outras perguntas, e não as fez. Pois bem, dou-as como feitas. E acrescento, para que possamos continuar desde o princípio, que escrevi nove romances, trinta e oito contos, mais de duas mil notas para imprensa, e quem sabe quantas reportagens, crônicas e roteiros de cinema. Tudo, dia após dia, com a ponta de meus dedos em mais de sessenta anos de solidão, pelo simples prazer de contar um conto. Em resumo, minha vocação, e aptitude são de narrador nato. Como os contadores de estórias dos povoados não podem viver sem contar algo. Real ou inventado, isto não importa. A realidade para nós mesmos, não é somente o que sucedeu, e sim também sobre tudo, esta outra realidade que existe solitária e que hei de contar. Entretanto, quanto mais escrevo, menos consigo distinguir os gêneros do jornalismo.



Enumerei de memória – e nem todos de comunicação, que já são demasiados – e conscientemente omiti a entrevista como gênero, por que sempre tenho-a aparte, como aqueles castiçais das avós que custam uma fortuna e são o luxo da casa, mas nunca se sabe aonde colocar-los. Entretanto, é impossível não reconhecer que a entrevista – não como gênero, e sim como método – é a fada madrinha que abastece todos nós. Mas, a entrevista, não me parece como um gênero em si, como também não me parece que seja um roteiro cinematográfico. Outra coisa me preocupa, das entrevistas, é sua má reputação de mulher fácil. Qualquer um crê poder fazer uma entrevista, e são estes que transformam este gênero num matadouro público, onde fazem suas primeiras quatro perguntas, munidos de seus gravadores, e que se acham jornalistas diplomados. O entrevistado aproveitará sempre a oportunidade de dizer o que bem quiser, e – o pior de tudo – embaixo da responsabilidade do entrevistador. O qual, por sua parte, tem que ser muito esperto para saber quando estão lhe dizendo a verdade. É um jogo de gato e rato, hoje consagrado em sua etapa primária de entrevistas diretas, que serve para incitar os novatos, que como pior mérito em serem jornalistas, é que não se assustam facilmente, ou quase nunca, e vão para guerra armados de metralhadoras magnetofônicas sem ao menos perguntarem-se até aonde, e até quem chegaram suas balas.



Meu problema original como jornalista foi o mesmo de escritor: qual dentre todos os gêneros eu apreciava mais, e terminei por escolher a reportagem, que me parece o mais natural e útil do jornalismo. O gênero que pode chegar a ser, não somente igual à vida, ainda que: melhor que a vida. Pode ser igual a um conto, ou a um romance, ou novela, com uma única diferença – sagrada e inesquecível – de que o romance, a novela e o conto admitem a fantasia sem limites, mas a reportagem tem que retratar a verdade até a última vírgula, ainda que ninguém sabia dos fatos, e tampouco acredite.



Não existe como ensinar a primeira vista, a diferença entre reportagem, conto ou romance. E mesmo se procurássemos nos dicionários, descobriríamos, que são os que menos sabem. É um problema de métodos: todos os gêneros mencionados têm seus portos de abastecimento nos livros e documentos, cheios de investigações, e declarações de testemunhas, e na criatividade torrencial da vida cotidiana. E sobre tudo nas entrevistas feitas não para serem publicadas dentro dos formatos convencionais do gênero, se não como viveiros de criação e de vida de todos os outros gêneros. Dito isso, haveria de reconhecer que a entrevista é o gênero mestre, por que nela está a fonte da qual se nutrem todos os outros gêneros.



Isto poderia ser uma demonstração, não só de que as definições dos gêneros no jornalismo podem ser confusas ou aproximadas, mas de que a finalidade de todos, são que o leitor conheça a fundo, até os pormenores do ocorrido. Todos os gêneros compartilham entre si, a missão de comunicar, e o problema essencial dos comunicadores não é sequer que nossa mensagem seja verdade, e sim sua credibilidade. Mencionaste os títulos de três gêneros trabalhados por mim, e é fácil saber-los. Vamos revisitá-los, ainda somente que seja para confirmar o embate técnico e semântico que nos têm confundido.



Comecemos em pesquisar que “Crônica de uma morte anunciada” seria mais uma reportagem do que crônica, já que é a reconstituição de um assassinato público de um amigo de infância, pelas mãos dos irmãos de uma antiga namorada, que fora devolvida à sua casa em plena lua de mel, por um esposo indignado com seu desfloramento. No sumário consta que ela acusou meu amigo de ser o autor de sua desonra, e seus irmãos mataram-no com facadas a luz do dia, em plena praça pública. Esperei trinta anos, um atrás do outro, para escrever o drama – do qual fui testemunha – por que minha mãe suplicou-me que não o fizesse em consideração às duas famílias inimigas. Quando por fim, deu-me permissão, eu tinha o tema tão presente na memória que nem sequer tive de refrescá-lo, e nem mesmo apelei a nenhum outro testemunho. Não é a rigor uma crônica – como eu mal coloquei no título – se não um episódio histórico, protegido da curiosidade popular, pelo anonimato dos lugares, das identidades, e das mudanças nos nomes dos protagonistas, mas com uma fidelidade absoluta de suas circunstâncias e dos fatos. De modo que seria ilegítimo reconhecer-lo como uma reportagem formal, mas sim como um modelo válido do gênero.



Notícia de um seqüestro é uma reconstituição completa de uma notícia espantosa que esteve viva e dinâmica na Colômbia, durante duzentos e sessenta e dois dias, através dos seqüestros contínuos de dez pessoas importantes com uma finalidade única: impedir que a Assembléia Constituinte aprovasse a extradição de colombianos aos Estados Unidos. Sua classificação estrutural seria válida como uma reportagem pura, por que todos os dados são verídicos e comprovados. Mas também o título pode sustentar-se, por que é uma notícia isolada, vasta e completa, desde suas primeiras origens até suas conseqüências.



Relato de um náufrago - que ficou dez dias a deriva sem o que comer, nem o que beber, e que foi aclamado como herói pela população - está mais para uma crônica, por que é a transcrição organizada de uma experiência pessoal, contada em primeira pessoa, pelo único que vivenciou. Na realidade, é uma enorme entrevista, minuciosa, e completa, que fiz sabendo que não seria publicada, mas cozinhada, recortada, e copiada em outra folha: uma reportagem. Não tive que forçar nada, por que fui como se fosse passear numa pradaria de flores, com a possibilidade suprema de escolher as melhores. E isto digo em homenagem à inteligência, ao heroísmo, e à integridade do protagonista, que com justiça, foi o náufrago mais querido do país.



Não usamos gravadores, por que os melhores que existiam naquele tempo, eram enormes e pesados como uma máquina de costura, e o fio magnético se enrolava como cabelos de anjos. Ainda hoje, sabemos que são ótimos para recordar, mas que nunca pode-se descuidar do rosto do entrevistado, que pode dizer muito mais que sua voz. Tive que tomar nota num caderno de escola, e isso me obrigou a não perder nenhuma palavra, nem o ângulo da entrevista, e a aprofundar-me a cada passo. Graças a esses cuidados, tropeçamos na causa do desastre, que até aquele momento, não havia sido discutida: a sobrecarga de equipamentos de eletrodomésticos, mal acomodados no navio de guerra. Que foi isso, senão uma entrevista cansativa, que desenrolou-se por mais de vinte horas de interrogatório, para averiguação da verdade? Entretanto, conheci a verdade, melhor que o leitor, num conto em primeira pessoa: um relato fascinante.



Creio enfim, que o jornalismo merece não somente uma nova gramática, mas também uma nova pedagogia, e uma nova ética no ofício, visto assim como é, sem reconhecimento oficial: um gênero literário maior de idade, como a poesia, o teatro, e tantos outros.







Este artigo foi encontrado na internet no endereço: http://www.revistacambio.com/





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