* Lendo no artigo publicado no jornal Estado de Minas, O ENEM E A SEDUÇÃO DA LEITURA, assinado pelo Professor Jayme Neves, o desconforto de um mestre ao examinar algumas redações de alunos que participaram das provas do Enem. Admirado, registra: ... Uma coletânea de asneiras, de probreza de idéias, de barbarismos, de solecismos imagináveis e inimagináveis. Como estancar o riso diante de tantos despautérios e estrambolices?
Enquanto aprofundava na matéria, surgia na minha cabeça a figura do Professor Toniquinho, do Ginásio de Passos, uma fera para ensinar nosso idioma.
Baixo, muito falante, sempre envergado num terno azul marinho, gravata borboleta presa no colarinho e óculos redondos, entrava na sala dizendo um bom dia demorado e os olhos em revista pela sala; todos os alunos se erguiam em silêncio absoluto.
Depois, sentava-se à mesa e ordenava aos alunos para se acomodar nas carteiras. E, numa voz curta determinava:
- Ditado.
Um friozinho percorria a espinha dorsal dos jovens estudantes. Imediatamente a classe se via preparando para a tarefa; sobre a carteira apenas o caderno aberto e lápis; o uso de borracha era proibido.
- Pronto, vamos sortear o texto – anunciava o Professor.
Folheando as páginas do livro Coletânea de Composições, de Carolina Rennó, num segundo marcava uma página com o dedo indicador – para muitos o único livro que tinha para ler em casa - a parte gramatical era explicada, assinalada no quadro negro e copiada pelos alunos em caderno específico.
Terminado o ditado, os alunos fechavam o caderno e o depositavam sobre a mesa do Professor para correção. O mestre pegava um, anunciava o nome do aluno, que permanecia de pé, enquanto durasse a correção do exercício. Logo, a nota as observações:
- Meu filho, rachador é com ch. Você escreveu com x.
- Sim, Professor – balbuciava o aluno vermelho de vergonha, nervoso.
- Trouxe!... Sim, é com x, como escreveu. Pechincha com x no final?... Também com ch.
- Sim, não esquecerei mais, Professor.
Claro que não. A sentença vinha na hora: escrever mil vezes as duas palavras na forma correta. E advertia: letra boa, caprichada. Sem usar dois lápis. Hoje, depois da aula. Ouviu?
- Sim, Professor.
- Tem mais: como exercício de casa, ler a história outra vez, com atenção redobrada. Está na página 153 do livro.
- Sim, Professor.
- Agora, pode ir para seu lugar.
Existiam alunos nota dez. Acertavam tudo com alívio e orgulho. Pena que não tinha no saguão da Escola um Quadro de Honra. Para o Professor Toniquinho escrever certo era um dever cívico, uma questão de cidadania. E ponto final.
Severo, impunha respeito e sabia ensinar. Ditado, redação e leitura trabalhados quatro ou cinco vezes por semana; gramática pura apenas quatro aulas no mês. Aprendíamos a parte técnica lendo trechos de obras de Machado de Assis, Eça de Queiroz, Drummond de Andrade e tantos outros grandes escritores que despertavam na juventude o prazer de ler.
Em dia de redação, o velho cultor de pureza do idioma, iniciava a aula com conselhos práticos, passando aos alunos instrumentos indispensáveis para elaborar um bom texto. Para escrever bem é necessário pensar e organizar as idéias, ser claro e objetivo. Ser natural, sem inventar muito. Nunca abusar dos adjetivos, advérbios e pronomes. Uma boa narrativa deve ter conteúdo, princípio, meio e fim. Texto bem construído não faz mal a ninguém, garantia.
Velhos tempos!
O Professor Toniquinho defendia a leitura em Sala de Aula; cada dia nomeava um aluno para ler em voz alta. Assim avaliava a atenção, a memória e a comunicação oral de seus alunos. Como exercício, pedia para escrever uma sinopse do trecho lido ou reinventar a história com os mesmos personagens.
Método eficaz para enriquecer o processo de desenvolvimento da linguagem, que despertava o gosto pela leitura e pela escrita, como também o caráter lúdico, a interatividade e o método indutivo. Certamente o velho mestre, naquela época, não conhecia a frase de Ziraldo: ... Ler é mais importando do que estudar. Mas, já praticava, ao pé da letra, os princípios do pensador.
Aprendemos com o Professor Toniquinho que uma Nação que não tem o domínio do seu idioma é uma Nação Morta, um corpo sem alma. As provas do Enem mostraram um triste quadro da educação no Brasil.
Mais do que nunca é hora reforçar a leitura como indicação educacional e fazer do Brasil um país de leitores. Antes que seja tarde.
Ao velho mestre, onde quer que esteja, minha homenagem com as palavras do Professor Jayme Neves: ... ensinou-me o vovô Zezé a escrever, a dizer, fazendo-me pensar pela minha própria cabeça. Sem dúvida, ele me atraiu e me seduziu para o prazer da leitura.
Digo, ensinou-me o Professor Toniquinho....
** Welington Almeida Pinto é Escritor, Jornalista (08124/JP-MTE). Autor, entre outros livros, de Santos-Dumont, No Coração da Humanidade. Ver a relação de seus livros nos sites www.welingtonpinto.kit.net e www.ieditora.com.br * E-mail: welingtonpinto@globo.com