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Artigos-->Todo conto é um conto Chinês de Gabriel García Márquez -- 19/05/2001 - 15:28 (Bruno Freitas) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
[Tradução das respostas de García Marquéz, ao ser questionado: O que são os contos pra você? Seriam eles um tempo de descanso entre um romance e outro? Os escritores usam o conto como aquecimento para o romance? Mas minha verdadeira pergunta é: se os seus leitores podem esperar, outro livro de contos?]





Escrever um romance é pregar ladrilhos. Escrever um conto é fundir em concreto. Não sei de quem são essas frases certeiras. Tenho-a escutado e repetido, a tanto tempo, sem que ninguém reclamasse, que começo a acreditar que seja minha. Existe outra comparação, que é parente pobre da anterior: o conto é uma flecha no centro do branco, enquanto o romance é caçar coelhos. Em todo caso, esta pergunta do leitor é uma excelente ocasião para dar voltas mais uma vez, como sempre, e discutir sobre a diferença dos gêneros literários distintos, porém, confundíveis. Uma razão para isto, pode ser a distração em atribuir as diferenças de acordo ao tamanho do conto, com distinções de gênero entre conto-curto e conto-largo. A diferença é válida entre um conto e outro, mas nunca entre um conto e um romance.



O conto mais curto que conheço é do Guatemalteco, Augusto Monterroso, que recebeu recentemente o prêmio Ortega & Gasset, que diz assim: “Cuando desperto, el dinossauro todavia estaba allí”. Nada mais. Existe outro d’As Mil e uma Noites, cujo o texto não tenho em mãos, e que me produz remordimentos de inveja. É um conto de um pescador que pede emprestado uma rede, à mulher de outro pescador, com a promessa de presenteá-la com o primeiro peixe pescado, e esta, ao limpar o peixe presenteado, encontra em sua barriga, um diamante do tamanho de uma amêndoa. Mas que este conto, mesmo alucinante por sua sensibilidade, deixando plantado outro dos mistérios do gênero: se quem empresta a rede, ao invés de uma mulher, fosse um outro homem, o conto perderia seu encanto: não existiria. Por que? Quem sabe! Um mistério a mais de um gênero misterioso por excelência.



Os romances exemplares de Cervantes são realmente exemplares, mas alguns não são romances. Em contrapartida, Joseph Conrad escreveu Os duelistas, um conto também exemplar, com mais de cento e vinte páginas, que somente se confunde com um romance por seu tamanho. O diretor Ridley Scott transformou-o num filme excelente, sem alterar sua condição de conto. Seria burrice nossa, acharmos que Conrad se importasse com a confusão causada.



A necessidade e a unidade interna são essenciais ao conto, e não tanto para o romance, que por sorte, possui outros recursos que utilizar a convencer o leitor. Por isso mesmo, quando alguém acaba de ler um conto, pode-se recordar do ocorrido antes e depois, e tudo isso seguirá como parte da matéria e da mágica que o levou para dentro da estória. O romance, deve ter tudo isso dentro de si, toda a mágica, e ser a própria matéria. Poderia dizer além do mais, e sem tirar a toalha, que a diferença em última instância poderia ser tão subjetiva quanto as belezas da vida real.



Bons exemplos de contos compactos e intensos, são duas jóias do gênero: A pata do macaco, de W.W. Jacobs, e O homem na rua, de George Simenon. O conto policial sobrevive em seu mundo a parte, pois, seus apreciadores se interessam mais pela trama que pelo mistério. Salvo pelo mais antigo e nunca superado conto: Édipo rei de Sófocles, um drama grego que tem a unidade e tensão de um conto, onde um detetive descobre que ele é o assassino de seu próprio pai.



O conto parece ser o gênero natural da humanidade, por sua incorporação instantânea à vida cotidiana. Talvez tenha sido inventado, sem consciência da invenção, por um homem das cavernas, que saiu a caçar e voltou somente no dia seguinte com a história de sua luta pela sobrevivência com uma besta fera, e faminta como ele. Em compensação, quando sua mulher descobriu que sua aventura, não era nada mais que um conto chinês, poderia ter iniciado o maior, e quem sabe o primeiro romance da idade da pedra.



Não sei o que dizer, sobre o conto ser uma pausa de descanso, entre um romance e outro, mas que podia ser uma especulação teórica que nada têm a ver com minhas experiências como escritor. Tateando pelas trevas, me atreveria a pensar que não são poucos os escritores que cedem a tentação de tentar os dois gêneros ao mesmo tempo, e sem muita sorte na maioria das vezes. É o caso de William Somersed Maughan, cujas obras – como as de Hemingway – são mais conhecidas pelo cinema. Entre seus contos, que são numerosos, não se pode esquecer de P&O – siglas da companhia de navegação Pacific and Orient – que é o drama terrível e patético de um rico colono inglês, que morre de um soluço implacável no meio do oceano Índico.



Ernest Hemingway é um caso similar. Tão conhecido pelo cinema, quanto por seus livros, que poderia entrar para a história da literatura somente por alguns de seus magistrais contos. Estudando sua vida, percebe-se que seu talento e suas vocações, foram direcionados ao conto-curto. Seus contos mais queridos, a meu ver, não são os mais apreciados nem os mais longos. Ao contrário, dois deles são os mais curtos – Um canário de presente e Um gato embaixo da lua – o terceiro é longo e consagrado, A breve vida feliz de Francis Macomber.



A outra suposição pode ser um gênero de prática para empreender um romance, confesso que o fiz, e não me foi mal para aprender a escrever O outono do Patriarca. Tinha a mente atascada pela fórmula tradicional de Cem anos de solidão, na qual havia trabalhado sem levantar a cabeça durante dois anos. E na fórmula, qual não conseguia evitar, e tudo que escrevia parecia-me idêntico, que não consegui evoluir para um livro distinto. Entretanto, um livro sobre o ditador eterno e audaz, escrito na mesma fórmula dos livros anteriores teria tido não menos que duas mil páginas de rolos indigestos e inúteis. Assim que decidi buscar a qualquer risco, uma prosa comprimida, que convidasse o leitor a uma nova aventura.



Acreditei ter encontrado a solução através de uma série de apontamentos e idéias de contos adiados, que submeti sem nenhum pudor, a toda classe de arbitariedades formais até encontrar a que buscava para o novo livro. São contos experimentais que trabalhei por mais de um ano, e que foram publicados com vida própria no livro de Cândida Erêndia: “Blacaman, o bom vendedor de milagres, e A última viagem do navio fantasma, que são uma única frase sem pontuação, apenas com as vírgulas em ordem de respiração, e outro conto que não passaram no exame e dormem o sono dos justos nas gavetas dos escritos. Assim encontrei o embrião para O outono do patriarca, que é uma salada russa de experimentos copiados de outros escritores, bons ou maus do século passado. Frases que teriam exigido dezenas de páginas, estão condensadas em duas ou três para dizer o mesmo.



O livro de saída, foi um desastre comercial. Muitos leitores, apreciadores da fórmula de Cem anos de solidão, se sentindo fraudados, pediram a devolução do dinheiro à livraria. E ainda por cima, a edição espanhola, se desmontava nas mãos do leitor por um defeito de fábrica, à medida que a leitura era aprofundada, e até um amigo consolou-me com uma boa piada: “Leí el otoño hoja por hoja”. Muitos persistiram na leitura, outros seguiram vagarosamente, para antes de chegarem ao final, desistissem por pena do ofício. Hoje é meu livro mais estudado e dissecado nas universidades de diversos países, e as novas gerações, podem ler o livro como se fosse o crepúsculo de um Tarzan de duzentos anos. Se alguém protesto, e atira-o pela janela, é porque não gosta e não porque não o entendeu. E as vezes por sorte, não falte alguém que recolha-o do solo.



OBS: sobre sua verdadeira pergunta, se tenho a intenção de publicar outro livro de contos? Tenho sim, e posso dizer que são três de cinqüenta páginas cada um, porém ma falta uma revisão a fundo para que dê-os como encerrados, e ainda acabar de escrever o terceiro. Todavia, ainda não tenho um título para o livro, e nem penso em publicá-lo antes da primeira edição de minhas memórias. Que por certo, não terminei de escreve-las hoje, pelo gratificante compromisso de responder a essas questões.







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