Por esses dias encontrei um ex-aluno, o Rodolfo; escutei um vozeirão: “professora, ô professora, não se lembra de mim?” Seria difícil reconhecer, na figura daquele homem, um garoto de doze anos; mas, conversa vai, sobrenome vem, enfim, a memória trouxe a tona a lembrança. Qual não foi minha surpresa quando ele me disse que se lembrava de mim quase todas as noites, repetindo para a filha de seis anos as histórias que eu lhe contara. “ A preferida dela é a do macaco que perdeu o rabo”. Repentinamente, desse baú enorme que chamamos memória, emergiu outra recordação: “eu me lembro que a sua preferida era Pele de Asno”. Nos despedimos, felizes pelo reencontro.
Mais tarde, refletindo na conversa que tivemos, compreendi como pode ser marcante o ato de ouvir e contar histórias. Talvez, por esse motivo, esta forma de arte tenha sobrevivido à revolução tecnológica. Muito antigamente, os bardos, como eram chamados esses contadores, ocupavam posição de destaque na sociedade: viviam nos palácios onde eram sustentados pelos nobres e tinham o privilégio de sentar-se à mesa na décima cadeira mais próxima do rei!
Contar histórias é, sobretudo, um ato de troca, de compartilhamento, uma verdadeira terapia, para quem conta e para quem ouve. É uma forma de chamar a atenção para a beleza da vida, um contraponto ao horror cotidiano, “contado” nos telejornais. Remete-nos à infância e, muito mais além, a um tempo em que nossos ancestrais, sentados ao redor de fogueiras, contavam as histórias do seu povo, os costumes, os valores que os norteavam; histórias que, hoje, fazem parte do patrimônio cultural acumulado pela humanidade, e, quando nós as contamos mais uma vez, resgatamos a memória coletiva através da oralidade.
Os tempos mudaram e os costumes também, porém, os hábitos que agregam valor não podem ser abandonados. Os vínculos entre pais e filhos, mestres e alunos, certamente são reforçados através desse ato tão simples e ao mesmo tempo tão íntimo de contar e partilhar histórias e, por que não? A vida.