O ato de leitura, não se restringe à simplesmente tomarmos um livro determinado nas mãos e nos decidirmos a lê-lo, embora essa prática seja indispensável .
Se considerarmos que o homem é um eterno mutante do ponto de vista adaptativo, fato amplamente comprovado pela História e pela Antropologia, é forçoso que o vejamos como um aprendiz, em cada etapa de sua existência.
Tendo estabelecido como premissa para a abordagem que pretendemos fazer, que o homem é um perpétuo aprendiz, cumpre enfatizar que o aprendizado também é um processo ininterrupto; ao longo da vida, vamos nos revezando no papel de mestres e de discípulos, praticando sempre uma espécie de permuta entre ensinar e aprender.
Face à essa idealização do homem-aprendiz, devemos revisar nosso conceito de leitura, retirando-o do contexto passivo, trazendo-o para o contexto interpretativo e crítico, através do qual deixamos de ser meros leitores, espreitando os pensamentos alheios; saímos da posição contemplativa, passamos à praticar a leitura da realidade.
Com referência à leitura da realidade, é importante ressaltar que, para pratica-la, podemos utilizar tanto a inteligência digital, analítica, exercitada, como também aquilo que chamarei de inteligência instintiva, sendo que esta última, é o requisito essencial.
LÊ, o bebê, que embora não conheça letras nem gramática, lendo os gestos da mãe, assimila sua primeira lição de amor e interdependência. LÊ também, a mãe, que sabe identificar cada nuance do choro do filho. Na primeira infância, lemos muito mais as vozes do que as palavras; utilizamos a visão e a audição para, muito além de olhar imagens e ouvir sons, captar o sentido da realidade que nos cerca. Ninguém precisa ensinar uma criança à ler a realidade, pois essa capacidade é inerente à todas elas.
É essencial que se resgate no homem-aprendiz essa aptidão para a leitura, que propiciará o desenvolvimento da percepção, da habilidade de interpretar à si mesmo e ao outro, permitindo que nos transformemos em pessoas aptas para intervir no mosaico da história, mesmo que seja da nossa própria história, sem que sejamos levados à deriva pelas circunstâncias positivas ou negativas.
Um dos fatores que prejudicam grandemente esse processo, relaciona-se estreitamente com a nossa formação acadêmica e profissional, que cada vez mais tem se tornado tecnocêntrica e inteiramente voltada para a superespecialização por áreas. Ou seja: fica na tua praia e eu fico na minha.
Enquanto prevalecer esse modelo educacional, torna-se incoerente, inclusive, falar em globalização no Brasil, muito embora, esse aspecto do problema não se restrinja apenas à dinâmica pedagógica brasileira. A educação fornece substrato para que o indivíduo tenha possibilidade de optar, atuar e transformar a sua própria realidade. Sem leitura não há educação.
A nossa vida cotidiana, os relacionamentos que estabelecemos, as pessoas com as quais interagimos, central ou perifericamente, em suma, o ambiente no qual convivemos, deve se tornar o nosso laboratório de leitura de realidade, e, à medida em que formos nos exercitando, automaticamente este laboratório se tornará mais e mais abrangente.
E, por quê, seria isto tão importante?
Essa espécie de aprendizagem é fundamental, se desejarmos ser melhores seres humanos, e não apenas melhores profissionais; pode-se até mesmo dizer que, na busca de uma coisa, a outra virá por acréscimo, espontâneamente.
Este é um processo de crescimento, e como tal, vai provocar dor (crescer dói) mas, sem dúvida, vai fazer de nós pessoas mais criativas, mais motivadas, e principalmente, muito mais empáticas.