A oração aos santos na realidade é levantar o coração a Deus e pelos méritos e a intercessão dos santos, nossos irmãos, que nos precederam na fé e que nos deram exemplo, pedir a Ele que nos escute. Com todo o respeito, podemos dizer que os santos são o telefone e o serviço de correios, com os quais Deus nos escuta e nos atende.
Deus pode, na sua divina providência, atender mais e inclusive fazer milagres ou mais milagres em honra de um santo e menos em honra de outro.
Mas esse “poder” de São Jorge, mais do que o dos outros santos, sem dúvida, é mera sugestão ou coisa equivalente. Porque São Jorge, o São Jorge do cavalo e do dragão, o São Jorge dos “saravás”, não existe. É uma lenda!
Um manuscrito do século XIII e, posteriormente, um comentário de Jacques de Voragine, com título e a respeito da “Lenda Dourada”, imortalizaram a lenda do cavaleiro Jorge.
Na Líbia teria havido um enorme dragão, que sairia dum pântano nos arredores da cidade chamada Silene. No fim nenhum guerreiro se atrevia a enfrentá-lo, pois já muitos tinham perecido atrozmente no intento.
Todos os dias os habitantes da cidade tinham que dar ao dragão duas ovelhas. Mas, com o tempo, os rebanhos foram se acabando e em vista disso o rei mandou que cada dia fosse entregue para alimento do dragão uma jovem designada pela sorte. Um dia, porém, a má sorte caiu sobre a própria filha do rei... Em meio a grande dor, o rei acompanhava o triste cortejo que conduzia a sua jovem e encantadora filha ao encontro do monstro. À comitiva uniu-se um garboso cavaleiro chamado Jorge, que estava à procura de valentes guerreiros que quisessem formar sob suas ordens uma legião para combater os não-cristãos.
Jorge era jovem, esbelto e estava coberto com armadura, escudo e espada no cinto; com a mão direita empunhava a lança e com a esquerda o estandarte da cruz. Montado num forte e ágil cavalo branco sua figura era muito imponente.
Já estava o monstro avançando sobre a encantadora filha do rei quando Jorge teve conhecimento do que se passava. Aproximou-se valentemente. O monstro enfureceu-se, Jorge fez o sinal da cruz e lançou-se contra ele a todo galope: tão violento e certeiro foi o golpe de lança desferido que o monstro caiu urrando. Jorge, com um abraço forte e protetor, soergueu a jovem do chão e fez com que, atrás deles, arrastassem o monstro, quase inerte, para a cidade. Lá explicou ao agradecido rei e a todos os entusiasmados cortesãos e cidadãos por que ele pudera derrotar o monstro que antes matara tantos aguerridos cavaleiros: é que ele, antes de atacar, invocara com o sinal da cruz a ajuda do único Deus verdadeiro. Após obter do rei e dos cortesãos a promessa de abraçar a religião de Cristo e se fazer batizar, Jorge, com a espada, acabou com a vida do monstro e com o pesadelo da cidade.
Que tem a ver esta lenda com São Jorge? Nada. Absolutamente nada. São Jorge fora um tribuno romano que morreu mártir na perseguição de Diocleciano, no começo do século IV. A lenda do cavaleiro Jorge teve início na época das Cruzadas provinda do Oriente, no século XIII. Trata-se de um símbolo: o cavaleiro Jorge é a personificação ideal do cruzado sem medo e sem mácula que luta contra o demônio para defender a fé cristã.
Logo a mentalidade popular identificou a atraente figura do tribuno romano São Jorge, como antes já se atribuíram ao mártir outras lendas, mitos, milagres, vida e suplícios apócrifos.
Raramente uma lenda alcança tanto êxito. Desde o século XIII até nossos dias, tanto no Oriente como no Ocidente, ininterruptamente, surgiram obras de arte tão numerosas quanto variadas.
A Igreja Católica cultua São Jorge, o mártir, embora ultimamente tenha sido suprimida a celebração oficial que se fazia a 23 de abril - entre outros motivos para evitar a confusão generalizada. Sob o nome de São Jorge, os umbandistas cultuam o lendário e inexistente Jorge do dragão.
Os antigos escravos vendo as estátuas do inexistente São Jorge, pelo fato de representarem um guerreiro atacando uma fera, o identificaram no Rio de Janeiro como Ogum, orixá ou deus das guerras, das demandas e do ferro, e na Bahia como Oxóssi, orixá ou deus da força.
Por Luiz Roberto Turatti, aluno do Centro Latino-Americano de Parapsicologia, CLAP (www.clap.org.br), dirigido pelo Prof. Dr. Padre Oscar González-Quevedo, S.J.
Esse artigo já foi publicado em:
- “Tribuna do Povo”, Araras/SP (Brasil), sábado, 30/4/1994;