Ontem fui acordado às três da manhã pelo telefone. Assustado, demorei a reconhecer a voz que estava no outro lado da linha. Era Aprígio já falando da Jordânia. Não é que o "filho da puta" havia conseguido? Estava quase lá no Iraque. Chegou sem problemas, feliz como pinto no lixo. Nem a escassez de grana estava preocupando.
Perguntei por Zé da Banguela, e ele me falou que estava bem, totalmente engajado no projeto de apaziguar o Iraque (isso porque Aprígio não falava mais em lutar contra a invasão anglo-americana, contentando-se apenas em procurar a paz naquele torrão oriental).
Também não queria ser mero escudo humano. Falou que iria até o front da batalha destribuir panfletos sobre desarmamento, poesia e, se possível, levar um pouco de música aos combatentes de ambos os lados. Sim, porque segundo Aprígio, a música acalmaria os ânimos dos soldados, possibilitando implementar gradualmente a sua filosofia, a qual tinha acabado de denominar de "aprigiana".
Perguntei se sabia falar inglês e/ou árabe. Ele disse que já havia conhecido um americano e um israelense que o ajudaria na confecção dos panfletos e na tradução simultânea de suas palavras. Avisou que já se enturmara com um grupo de jornalistas portugueses, que lhe prometeram emprestar um lap top para manter-me inteirado diariamente dos acontecimentos.
Despediu-se de mim, pedindo-me que tranquilizasse sua mãe, lembrando-a sobre a quantidade de ração a ser servida para sua cadela Nestor.
A conversa foi rápida, mas deu para sentir o clima de ansiedade que pairava sobre a cabeça de Aprígio e, provavelmente, de Zé da Banguela. Voltei a dormir um pouco mais tranqüilo sobre o futuro destes dois loucos, e ri quando pensei em Nestor, a mimada poodle de Aprígio, a quem, segundo afirmava frenqüentemente, haveria de deixar toda a sua riqueza. Ele só nunca me disse qual riqueza era essa.