
993300>Naturalmente felizes - O êxtase do poder - A decepção sobrevivente
993300>De há mais de meio-século, quando eu era um tranquílo e jovial estudante acabado de entrar no ensino liceal, perpassa-me agora a recordação do preocupado rosto de meus pais em face dos perceptivos escolhos da vida. Então, eu sorria limpidamente e comigo tudo estava deveras bem.
Hoje em dia, revejo-me às vezes em idêntica situação: como os meus progenitores, também me deixo tomar por aquela impressão facial de que as coisas estão bastante más. No entanto, quando olho perseverante os rostos dos jovens actuais, noto-lhes entusiasmo e espontânea alegria de viver, tal e qual outrora fruia eu.
Da minha vivência quotidiana, entre meus afazeres, no café, no restaurante e em momentos de lazer, testemunho e considero que, com mais ou menos dificuldade, as peripécias da vida vão decorrendo normal e naturalmente: enquanto uns vão choramingando, outros vão cantando e rindo. Ora, se sempre assim tem sido, assim é e continuará a ser.
Consabe-se que hoje em dia a televisão toma uma grande parte do olhar e do raciocínio dos indivíduos. As delícias e os sofrimentos das gentes desfilam num ápice lado a lado. A comédia e o drama misturam-se em profusa amálgama, influenciando sub repticiamente a alma colectiva e determinando o seu estado psicológico. Em face de um televisor, um idoso desabafará: "Meu Deus, que vergonha, que nojento vai o mundo". Um jovem, por sua vez, enquanto saboreia uma gostosa pastilha elástica, exprimir-se-à: "Ah... Caramba, isto sim, isto é viver, isto dá um gozo do caraças".
Em consequência do raciocínio exposto, eu, que politicamente nada posso decidir para acorrer às situações mais instantes, embora não deixe de lutar e protestar a favor da dignidade de todos os seres humanos, tenho pois de limitar-me ao curso das águas onde vou indo placidamente até à foz, mas desde de já e enfim liberto do ângulo de visão pessoalmente egoísta, absolutamente convicto de que os jovens de hoje são o paradigma exacto dos jovens de outrora. Por isso é soer dizer-se para explicar tudo: - É a vida!...
António Torre da Guia
O Lusineiro |