Num momento em que os movimentos pacifistas e a ONU agonizam, a um passo do abismo criado pela prepotência estadunidense, uma nova vertente de protesto promete ser a mais nova - e eficaz - arma na luta pelos direitos humanos: o boicote às empresas multinacionais - leia-se, dos EUA. Nada mais apropriado, afinal, num mundo que gira em torno dos dólares, do que ter como alvo o bolso, já que corações e mentes se tornaram supérfluos artifícios para liberar a verba.
As velhas armas de protesto parecem ineficazes. Greves só funcionam, obviamente, quando o Sr. Mercado se incomoda - prova mais próxima é a Uenf, paralisada há cerca de dois meses. Pode parecer utopia, revolta adolescente, mas também pode ser que não. Um exemplo: alguém se lembra quando foi a última vez que a Coca-cola fez propaganda alheia a datas comemorativas?! Agora, a empresa começa a veicular sua imagem como se fosse uma marca qualquer - algo que, pelo que eu me lembre, aconteceu pela última vez num filme dos Trapalhões.
Segundo a revista Veja, a Coca-cola já acena que sentiu o golpe. A associação dos fabricantes de uma das empresas mais simbólicas do imperialismo americano - ao lado da rede de fastfood McDonnald s -, divulgou uma nota se dizendo uma "empresa brasileira", citando os 25 mil postos de trabalho criados no país, além da contribuição com impostos. E promete se assumir, ainda, "contra as guerras, pois guerras são assunto dos governos".
Ridículo é o fato desses argumentos não terem sido acionados, por exemplo, ao iniciarem os bombardeios, ou quando o próprio povo americano feriu a democracia, boicotando quaisquer artistas que se manifestassem contra a guerra. Ou ainda, quando a NBC demitiu o jornalista Peter Arnett após este fazer críticas à estratégia de combate das forças aliadas, durante entrevista à rede estatal do Iraque. O mesmo cinismo quando os EUA convocaram a Convenção de Genebra ao verem seus prisioneiros pela TV, mas "esqueceram-se" do tratado ao capturarem e humilharem soldados (e civis) iraquianos.
O jornal dos EUA, The New York Post, fez, ainda, o favor de publicar uma singela lista com os artistas estadunidenses que se posicionaram contra a guerra. Alguém lembrou de liberdade / democracia – a mesma que serviu de argumento contra o regime ditatorial iraquiano?! Lembra-se é de hipocrisia, vendo o novo posicionamento das multinacionais, após os crescentes sites dedicados a lembrar o nome de empresas estadunidenses. O argumento – furado – é de que os pacifistas estariam agindo contra seu próprio país, já que os produtos são fabricados em sua terra natal e empregam milhares de pessoas.
De fato, só o McDonnald’s é o quarto maior empregador do Brasil; possui 36 mil funcionários e paga em impostos cerca de R$ 150 milhões. Mas, ao se defenderem, as empresas omitem o quanto de dinheiro levam para seu país de origem, e que, com o espaço vago eventualmente deixado pela rede de fastfood, por exemplo, seria a oportunidade para outra loja logo surgir – e quem sabe nacional, também contribuindo com impostos e investindo aqui mesmo seus lucros.
Os EUA entendem bem de boicotes; estão provando seu próprio remédio. Além dos inúmeros embargos econômicos - inclusive no Iraque - usados pelo governo americano contra os países que não seguiram sua ideologia, recentemente, um protesto organizado via internet contra o aumento da tarifa de telefones celulares - quando os usuários simplesmente desligaram seus aparelhos durante um certo tempo e data pré-determinados - forçou as empresas de telefonia a desistirem da idéia.
O mais interessante é que essa nova forma de protesto inclusive se adapta aos novos tempos. Ninguém poderá reclamar de falta de tempo ou de dinheiro. O boicote exige justamente não gastar essas duas preciosidades - ou, simplesmente, optar por produtos nacionais. Ao invés de disposição para sair de casa, pintar o rosto e gritar durante horas nas ruas, é necessário simplesmente mudar o nome do refrigerante ao pedir o lanche no bar da esquina. Só não se admirem se um dia, Eles (acho que já temos que usar letra maiúscula) decidirem desligar a internet - algo que, de certa forma, podem fazer, sim.
O boicote é algo simples, porém, cuja real eficácia ainda não foi verdadeiramente comprovada, mas certamente irá incomodar a prepotência estadunidense, que dificilmente irá permitir ao presidente simplesmente dizer que "todos tem o direito de protestar". E é algo que exige "apenas" conscientização. E que, parece, já estar acontecendo. Segundo pesquisa do Ibope realizada no final de março, 15% dos brasileiros aumentaram sua - ou passaram a ter - antipatia pelas empresas e produtos norte-americanos após o início da guerra. E 11% diminuíram sua admiração.
Osama bin Laden, o homem das cavernas mais procurado do mundo, deve estar vomitando de tanto rir. O antiamericanismo reincide com força similar às décadas de 60/70, quando os EUA participaram ou patrocinaram ativamente de golpes para derrubar governos que julgavam subversivos - e posteriormente injetarem sua cultura e ampliaram seus tentáculos mercadológicos, o mesmo que certamente acontecerá no Iraque. Afinal, é muita inocência acreditar que irão gastar milhões na guerra e entregar o país aos iraquianos, sem ao menos "recuperar" de alguma forma os gastos, seja com petróleo ou "sua" globalização. E a melhor resposta, talvez, seja justamente conter esta globalização interesseira.