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Artigos-->Procissao para enterro de anjinho -- 01/05/2003 - 16:02 (rosalice de araujo scherffius) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


"VESTIDOS DE BRANCO, NA COVA DA IA,

NO CEU APARECE..."

Cantavam as criancinhas do grupo escolar,que foram "escolhidas",para a honra de fazer a procissao,levar a tampa e ate mesmo o caixao do menino ainda nene,que tivera uma vidinha tao breve nesta terra...

E a mae do anjinho chorava sem controle ao seguir ao lado do caixao diminuto que guardava aquele corpinho inerte,ao ser levado a sepultura. E o desfile das criancas,nessa parada quase surrealista tomava forca de dimensoes inexplicaveis...

"OS TRES PASTORZINHOS CERCADOS DE LUZ

VISITAM MARIA, QUE E MAE DE JESUS"...

Os transeuntes se juntavam a parada,ao ouvirem o canto pungente das criancas a encenar tao distinto enrredo...

De repente, coisa assim que sai bem do coracao,ja nao tinha um so olho que estivesse enxuto naquela trajetoria...

Podia-se ouvir anjos cantando em todas as direcoes...

Ao chegar ao cemiterio, uma cova ja pronta aguardava o prosseguimento do ritual.

Nao lembro se ouve sermao,nao lembro do nome do anjinho...ja fazem muitos anos,desde que eu ajudei a levar a tampinha do caixaozinho que resguardou o pequeno anjo... eu fui "escolhida",pela professora(que tambem era minha prima).

Nao lembro bem onde era o cemiterio,daquela cidadezinha pacata,do interior de Alagoas.

Lembro-me sim,com perfeita clareza, do tom triste e sincero com que todos cantavam e tambem lembro claramente da angustia daquela mae, que momentos antes de permitir que colocassem areia na cova e desse um final "adeus" ela chamou o irmao do anjinho e disse "Olhe menino, olhe para os olhos de seu irmaozinho". Foi ai que tambem me atrevi a olhar para dentro do caixao e notei os belos e grandes olhos bem azuzinhos, abertos com firmeza...numa pose assim de boneco de porcelana... e aquela mae continuou,em voz firme e agora ja bem mais calma,como se as lagrimas de todos tivessem contribuido para dar-lhe um conforto inexplicavel, ela continuou "menino, voce precisa ser cuidadoso! tenha muito cuidado quando estiver andando de bicicleta! eu ja perdi este filho, nao quero perder voce tambem!". E eu comecei a entender o que ela estava dizendo... no inicio da semana, um menino de nove anos, passou com a bicicleta pela calcada da minha casa, e feriu o pe de meu irmaozinho de dois anos de idade... e quase foi atropelado por um carro. Agora eu sabia quem tinha sido. De repente fiquei cismada,achando que meus pais nao iriam ficar de acordo com eu ter ajudado naquele enterro...

Corri para a professora, minha prima,e disse "esse menino foi quem feriu o pe de Duduzinho". Ela disse: "Eu sei.Mas uma coisa nao tem nada a ver com a outra.Voce fez uma boa acao hoje."



De volta a casa, ao final da tarde, minha mae me deu um banho de agua morna,com aroma de "seiva de alfazemas",duas ou tres bacias de agua eu tive de usar... e Mamae lavava minhas unhas com uma escovinha de dentes,para retirar toda a areia que tivesse ficado ali. Eu disse:"Mamae,por que banhar outra vez? eu ja tomei banho hoje de manha"... e Mamae calmamente disse:"Cemiterio ja nao e lugar pra crianca,imagine levar a tampa do caixao aquele percurso todo.Quero ver o que seu pai vai dizer sobre tudo isso".Fiquei um bom tempo pensando que fizera algo errado e que meu pai iria ficar rancoroso!

Dai Papai chegou, ao mesmo tempo em que a minha professora e prima tambem chegou a minha casa (ela morava bem pertinho). Ao ver todos conversando a respeito do ocorrido naquela tarde, eu fui me esconder debaixo da cama grande de meus pais.Fiquei bem quietinha,quase sem me mover...esperando que ninguem me encontrasse. Esperando que a professora fosse embora, e parasse de falar sobre mim... esperando que meu pai nao ficasse furioso quando ouvisse a historia toda...



"Cherosinha, filha linda... acorde! saia debaixo da cama. e hora da ceia.E a sopa de hoje ta tao boa que voce nem imagina..."

"O senhor esta com raiva de mim, Papai?" Ele gargalhou bem alto, como era seu costume,ao reagir as minhas perguntas bobas, aos meus medos infundados. "Que nada ! voce fez uma boa acao hoje.Foi muito bonito o seu gesto de ter aceitado carregar a tampa do caixao do anjinho. Sua mae queria apenas ter certeza que voce nao pega nenhuma doenca,porisso ela teve que fazer voce banhar tres vezes."

E Papai me levou nos seus bracos para a mesa,enquanto eu me agarrava ao seu pescosso de maneira bem forte,como para ter certeza que ele nao estava zangado comigo, e que eu nao fiz nada errado. Minha mae sorria e disse que tinha guardado um pedacinho de torrao de doce de leite para mim. O pe do meu irmaozinho ja estava quase sarado e ninguem tinha ressentimentos contra aquele menino da bicicleta.(creio que esta era minha maior preocupacao).



Texto de Rosalice de Araujo Scherffius

Direitos Autorais Reservados

rosalicescherffius@yahoo.com
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