Transes religiosos são registrados desde a Grécia antiga, quando sacerdotisas diziam receber espíritos em rituais inspirados por música e vinho. Mas essas manifestações só começaram a ser desvendadas pela ciência no fim do século XIX, com o surgimento dos primeiros estudos em psicologia. Em 1862, o neurologista francês Jean-Martin Charcot (1825-1893) instalou-se no Hospital Salpêtrière, em Paris, convencido de que as visões de espíritos vivenciadas por alguns pacientes eram causadas por males do sistema nervoso. Para tratá-los, aperfeiçoou a técnica de induzir a pessoa ao estado de transe por meio de hipnose. Os recursos empregados, baseados na repetição de luzes ou sons, desmontaram a aura sobrenatural que cercava as possessões. Um de seus alunos, Sigmund Freud, também se interessou pela hipnose. Mas foi o suíço Carl Jung quem se dedicou a teorizar de onde vêm os ‘maus espíritos’ que atormentam as pessoas. Segundo ele, essas figuras aterrorizantes são imagens gravadas coletivamente na mente humana. Batizados de arquétipos, acompanham a humanidade há milhares de anos. ‘O diabo, que os fiéis da Universal acreditam incorporar, é uma dessas imagens e representa forças destrutivas dentro da própria pessoa’, diz a psicanalista Aurea Roitman. ‘Já o chifre e o rabo são adereços acrescentados pelo imaginário cristão.’ (1)
Enquanto os fundadores da psicologia descreveram como se induz um transe, foram os antropólogos que teorizaram sobre a função das possessões e dos exorcismos. Os missionários religiosos e médicos que viajaram para a África ou investigaram territórios dominados pelos índios nas Américas ficaram fascinados pelas cerimônias dirigidas para que alguns participantes recebessem os espíritos. A partir dessas narrativas, o filósofo francês Emile Durkheim (1858-1917), um dos fundadores da sociologia, foi um dos primeiros a teorizar sobre a função dos transes. Analisou em 1912 o papel do descarrego primitivo para garantir a unidade da tribo. ‘Os exorcismos têm a função de provar a existência de um agente sobrenatural capaz de punir os delinqüentes, por mais poderosos que sejam’, explica o antropólogo Scott Atran, da Universidade de Michigan. (2)
OS TEÓRICOS – O filósofo francês
Emile Durkheim (1858-1917) desvendou
a função dos transes nas sociedades
primitivas. O neurologista Jean-Martin
Charcot (1825-1893) mostrou como as
técnicas de hipnose induzem as
incorporações de ‘espíritos’.”
(Parte da muito oportuna reportagem “O exorcismo é a atração da noite”, de Alexandre Mansur e Luciana Vicária, ÉPOCA [www.epoca.com.br], Edição 258, 28/04/2003, páginas 68/74).
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NOTA 1: Vale dizer que no espiritismo o processo de personificação é o mesmo, ou seja, os espíritos, que os espíritas acreditam incorporar, representam forças destrutivas ou não dentro da própria pessoa.
NOTA 2: Vale também dizer que no espiritismo, o trabalho de “afastamento de espíritos”, bom ou mal, é chamado de “passe”; ou “desobsessão”; ou “desincorporação”; os quais têm, como no exorcismo, as mesmas funções de provar a existência de um inexistente agente sobrenatural. Esses rituais transformaram-se em espetáculos para conquistar fiéis.