Meu pai dava-me a sensação, quando fumava, que fruía o cigarro divinalmente. Meus lábios desenhavam o deliciado contorcer de seus lábios. Minha mãe, quiçá atenta aos pormenores do pai e do filho, avisava meiga: "Alberto, cuidado, o miúdo está a meter-se dentro de ti...". "Deixa-o vir, mulher... Vem pelo mesmo sítio. Se vem mal ou bem... Cedo ou tarde descobrirá", rebatia em sorriso largo o meu progenitor, e eu então desviava meus abelhudos olhos para o quadriculado do caderno de contas, fingindo que cumpria meus deveres escolares.
Meu pai foi-se em 1966 e minha mãe em 1992; dele ficou-me o delicioso vício do tabaco e dela o preventivo alerta. As datas de seu passamento exibem a equação e o resultado: minha mãe viveu mais 26 anos ainda. Eu, com os dois na memória, vou e estou aqui, bem a meio de 2003. Mais três lustros, com as virtudes e os defeitos dos dois, terei logrado ir mais além na asa do tempo...
Neste momento estou a ver o apetitoso cigarrinho de meu pai a dançar-lhe nos lábios. Estou a ouvir a voz de minha mãe deixando o brando aviso em meus ouvidos. Neste momento estou a fumar deliciado um cigarro vindo de maço azul, como se recuasse no tempo 37 Maios... Após 57 transladações ao redor do sol, a fumar, a fumar... A fumar "Português Suave"...
Torre da Guia