É convidativa e questionadora a questão mística no mundo contemporâneo. Se por um lado vivemos numa época marcada pela secularização e total rejeição aos imperativos religiosos, por outro é cada vez mais gritante a massa daqueles que se dedicam ao cultivo de “devoções” e “crenças” das mais diversas categorias. Há que se considerar duas questões que estão na base desse intrincado paradoxo.
Saiu-se de um mundo no qual a dimensão espiritual tinha grande peso nas decisões pessoais e coletivas. Neste caso, havia princípios norteadores que não só contribuíam para ordenar o mundo social mas também eram carregados de sentidos e significados para os seres humanos. Ora, bem sabemos que humanos são seres que trazem consigo a necessidade premente de atribuir sentido e valor à sua existência. Então, ocorre o seguinte: a ciência e a modernidade prometeica não conseguiram preencher o lugar que o religioso ocupava na consciência humana, ocasionando um desnorteamento das referências regulantes da existência do indivíduo. Se se pensar que mesmo dentro dos shoppings, símbolo do conforto proporcionado pela modernidade, é possível encontrarmos lojas especializadas em artigos esotéricos, tendas de adivinhação e outros, descobrimos que o lado místico humano não foi abolido com o advento da modernidade.
Por outro víeis, participamos de um mundo no qual cada vez mais nos individualizamos. Nas sociedades tradicionais tinham muito valor os momentos celebrativos (festas) que eram realizados comunitariamente. A socialização é um dado antropológico que, assim como a carência de sentido, também faz parte da essência humana. Os grandes expoentes místicos da humanidade (simbolicamente lembramos de Sta. Tereza d’Ávila e de Mahatma Gandhi, representando o ocidente e o oriente respectivamente) foram personalidades que estiveram profundamente empenhados na tarefa de atuarem no mundo social, transformando-o. No contexto em que vivemos, esta dimensão social do ser humano-místico tende a se manifestar no hight-tech. Agora as novas tecnologias ocupam a função das praças e dos botequins, exemplos de lugares onde exercíamos nosso ser social. Além disso, elas ainda se tornaram uma maneira individual de cobrir a carência espiritual do ser humano.
Indubitavelmente, a mística é de primordial importância aos seres humanos. Assim sendo, resta-nos questionar sobre a validade de uma mística individualista que não tem nenhuma decorrência na transformação do mundo. As grandes tradições místicas não podem ser desconsideradas totalmente. São patrimônios humanos que ensinam-nos a sermos verdadeiramente humanos.