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Artigos-->Povo icônico - A égide neoliberal -- 15/06/2003 - 12:27 (LuRomana) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Existirá realmente povo no atual contexto neoliberal?



O mundo submete-se, hoje a uma ideologia falha e excludente, que, de forma cruel, mina as forças de populações inteiras, prende países a uma exploração perversa e faz apologia à miséria. Tudo isso sob a égide do falso determinismo da globalização e do neoliberalismo, que se solidifica mais e mais na consciência de toda a comunidade, tanto interna quanto externa. Não haverá meios, caminhos a seguir, enquanto acreditarmos que devemos nos submeter a um sistema que elimina a soberania do Estado e conseqüentemente liquida a legitimidade. Vivemos abaixo da esfera da legalidade, da legalidade fria, da letra de leis constitutivas. Contudo, esquece-se do mais importante de nossa Carta Constitucional. Esquece-se de seus princípios, fundamentos e que esta deveria, pelo menos em tese, ter sido feita pelo povo e para o povo. A Economia suplanta o Direito, vivemos no universo dos números e estatíscas, está ultrapassado o tempo em que pensava-se que o mais importante seria a dignidade e a igualdade. Terá havido, contudo, em qualquer período da nossa história, algum dia assim?



Eis o preâmbulo de nossa Constituição:



"Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL."



Eis o seu Artigo 1º, parágrafo único:



"Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente nos termos desta Constituição."



Iremos nos ater a eles, contudo poderíamos também citar toda a gama de direitos e garantias fundamentais, normas programáticas, que jazem esquecidas, no cemitério de letras da Magna Carta. Quem, em sã consciência, poderá afirmar que há justiça e dignidade num abismo de violência, pobreza e carência, que atende somente àqueles que se associam a uma falsa soberania de um povo mitificado, que manifesta-se apenas na medida em que a minoria poderosa necessita dele para afirmar-se e legitimar-se? O que dizem ser povo, na verdade não é. Há apenas a criação de um ícone. Este é necessário apenas na medida em que serve de um instrumento nas mãos de globalizadores. No entanto, não é do desejo das nossas classes dominantes e do grande capital interno e externo que ele seja realmente povo, que exista uma verdadeira igualdade, que exista solidariedade. Regra básica da economia: partir o bolo é também reduzir o tamanho do bolo. Assim, para que uma justa distribuição de riquezas, se esta somente trará desvantagens a quem realmente governa o mundo?



O povo icônico é o povo mitificado, desrealizado. Simplesmente o povo dos discursos. Representa a jogada sórdida de unificação de uma população heterogênea que se faz em benefício de um classe de privilegiados. Ele será citado como constituinte e servirá como mantenedor da Constituição e, o pior, de toda a estrutura de poder que oprime o verdadeiro povo. Ele é sugerido ilusoriamente e presta-se tão somente como um instrumento de manobra de quem está no poder, mas refere-se a "ninguém" no decurso da legitimação. O povo icônico nada mais é que um mero instrumento nas mãos dos globalizadores. É um simples objeto, alguém que não existe, ilusão de um sistema injusto e excludente, simples escora à legitimidade política dos interesses das classes dominadoras. Não é desejo da nossa elite governante, aliada ao capital estrangeiro, ter um povo ativo, realmente povo, que participe, que tenha palavra, opinião e força de decisão.



Não há como dizer, com convicção, que realmente existe cidadania, partipação popular, democracia. O Estado neoliberal é extremamente antisocial. Está circunscrito aos direitos de primeira geração, aos direitos negativos e à liberdade cruel do Estado mínimo. Não há uma representação de fato. O povo deixa-se levar por uma farsa, por uma falsa democracia. Tem sua vontade manipulada, é vítima de uma mídia corrompida, acaba por servir para manter o sistema de dominação. Não existe uma identidade entre governantes e governados. A participação popular restringe-se à eleição de nomes pouco confiáveis, filhos da elite do poder. Nesse contexto, a representação, sobretudo, a representação direta citada no parágrafo único do Artigo 1º da Constituição, não passa de ilusão, não passa de um engodo. Belas palavras numa folha de papel.



Enquanto atitudes extremas e antidemocráticas são justificadas como necessárias e medidas provisórias funcionam como pilares do autoritarismo, as contradições sociais crescem, o conceito de soberania popular transforma-se em algo arcaico e a crise constituinte parece insolúvel. O país, regido pelos interesses externos e uma elite corrompida, pouco a pouco é recolonizado e desnacionalizado. Clama-se portanto pelo movimento antiglobalizante. Este importará num ato de legítima defesa dos povos. Já é mais que necessário que nos empenhemos na luta em prol de um Estado verdadeiramente legítimo e democrático, que busquemos com todas as forças uma ordem livre e soberana.





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