Escusado dizer que para se referir ao cinema torna-se impossível fazê-lo sem citar e situar o letão Sergei Mikhailovick Eisenstein (1898-1948).
Entendendo o cinema como linguagem, Eisenstein, oriundo do teatro de vanguarda russo inspirado no construtivismo (arte moldada pela ciência) de Meyerhold, é considerado ao mesmo tempo símbolo e mártir da produção soviética e toda a sua obra tornou-se uma tentativa de fazer da arte cinematográfica uma espécie de síntese de todas as outras artes.
Entrou para o teatro em 1920, no Proletkult, como cenógrafo, logo tornando-se diretor. Depois, estreando no cinema com o longa A Greve (1925), levou às últimas conseqüências suas experiências em prol de um cinema autônomo e moderno, capaz de trazer às telas um filme que não tivesse o mero compromisso de contar uma história para uma platéia em condições passiva e bisbilhoteira, mas como uma possibilidade de se estabelecer um diálogo público e permanente entre o inconsciente e o coletivo.
Apesar de ter se alistado no Exército Vermelho (1918) e mesmo sua militância bolchevista, o cineasta russo não pode ser reduzido ao simples papel de divulgador da ideologia socialista, considerando que sua obra filmada, bem como seus projetos e escritos, supera em muito os estreitos limites daquilo a que se compreende por uma arte engajada.
Eisenstein recusou o cinema naturalista, manipulando com maestria a dramaticidade de tempo e espaço, assim como, em sua teorização do uso contrapontístico do som e no sonho de um filme em alto relevo.
Seu enquadramento rigoroso não se resume apenas à uma plasticidade perfeita, mas na utilização de elementos dramáticos e sua transposição para o plano da platéia. A exemplo de sua recusa no filme como uma imitação do real, em Alexandre Nevsky (1938), Eisenstein realiza uma verdadeira combinação entre o elemento musical (que se divide entre coro e orquestra), o diálogo, o braulho (sinos, rumor de multidão, toques de búzios, relinchos, etc) e o elemento visual.
Na montagem de O Encouraçado Potemkin (1925), inspirado na revolução de 1905, consegue uma verdadeira criação ou summa cinematográfica, pois além de seu alcance intelectual e poético, Eisenstein dá ao filme um ritmo musical, interno e externo, onde a narração pulsa alternadamente os movimentos de um allegro, um andante, um scherzo.
Também realizou os longas Outubro (1927), baseado em Os Dez Dias que Abalaram o Mundo, de John Reed, que Viva México (1931-32) e O Prado de Beijin (1935-37). Na montagem de Outubro, teve de retirar as imagens de Trotski, em virtude do mesmo – perseguido por Josef Stálin – ter partido para o exílio.
Tanto o Que Viva México quanto O Prado de Beijin, foram interrompidos em suas filmagens, inclusive, porque o último tratava-se de um garoto que havia denunciado os pais ao partido.
Outro filme interrompido e que somente pôde estrear a primeira parte foi Ivan, o Terrível (1945), mas – desta vez – porque Eisenstein sofreu um ataque cardíaco.
Eisenstein morreu aos 11 de fevereiro de 1948, mas deixou uma certeza de que o cinema, independente dos "efeitos especiais" hollywoodianos, tem futuro e está para além do mero sabonete habitualmente consumido pelo mentalidade burguesa de shopping center e outros titaniquismos.
Wilson Coêlho é escritor, graduado em filosofia, dramaturgo, encenador do Grupo Tarahumaras de Teatro e membro do grupo de estudos filosóficos "Os Amigos da Razão Burra".