O criador criado nos primórdios da humanidade ainda permanece vivo no pensamento moderno, manifestando-se, como no passado, nas formas de aves, quadrúpedes, répteis e fenômenos da natureza, como se vê pelo texto abaixo transcrito de uma folha que encontrei afixada numa parede:
“Um homem sussurrou: Deus fale comigo.
E um rouxinol começou a cantar
Mas o homem não ouviu.
Então o homem repetiu:
Deus fale comigo!
E um trovão ecoou nos céus
Mas o homem foi incapaz de ouvir.
O homem olhou em volta e disse:
Deus deixe-me vê-lo
E uma estrela brilhou no céu
Mas o homem não a notou.
O homem começou a gritar:
Deus mostre-me um milagre
E uma criança nasceu
Mas o homem não sentiu o pulsar da vida.
Então o homem começou a chorar e a se desesperar:
Deus, toque-me e deixe-me sentir que você está aqui comigo...
E uma borboleta pousou suavemente em seu ombro.
(Tradução e adaptação do Livro By San Etioy).”
O homem do passado, como alguns de hoje, ouviu as vozes dos deuses no trovão e nos ecos de seus próprios gritos; sentiu o poder maléfico dos demônios nas pessoas acometidas de distúrbios mentais; agradeceu as bençãos divinas, expressas na chuva, no crescimento das plantas e outros frutos da natureza, com sacrifícios de animais e - que barbaridade!!! - até de seus semelhantes. Em todos os tempos, tudo para que o homem não encontra uma explicação plausível tende a ser atribuído a entidades sobrenaturais.
O homem primitivo se achava em um mundo cheio de mistérios: via, em certos animais, superpoderes, capacidades que só poderiam provir de seres superiores ao homem. Além disso, fenômenos naturais, como o trovão e o relâmpago, a própria chuva caindo do alto, deveriam ser atos de algum ser sobre-humano. Ademais, sentia que o próprio homem era capaz de se desligar do próprio corpo quando sonhava. Tudo isso era mistério que intrigava aquele cérebro cheio de curiosidade e que exigia alguma resposta.
Por que os peixes não se afogam na água em que vivem? Como a cobra se movimenta com tamanha agilidade sem sequer ter pés? Que poder têm as aves! Elas se movem pelo ar, enquanto o homem, por muito que se esforce dando um salto, cai com ímpeto na superfície da terra. Nesse ambiente tão misterioso, não era nenhum absurdo certos animais serem deificados.
É bem provável que alguém tenha sugerido a existência de numerosos deuses (seres celestes supremos) criadores de seres terrestres às suas imagens e semelhanças. O próprio texto bíblico, quando diz “façamos o homem à nossa imagem e semelhança” (Gênesis, 1:26), deixa transparecer um resquício dessa pluralidade de deuses em que cria a humanidade primeva.
O Sol, a Lua, as estrelas, todos eram deuses que governavam os destinos dos homens. Aos poucos foi surgindo uma corrente reducionista do vasto politeísmo até chegar ao monoteísmo hebreu. Mas, as aves, animais e fenômenos da natureza continuam uma manifestação divina aos olhos humanos, predominando sobre o saber estruturado pela ciência.
Passados milênios, estudos científicos, cada vez mais aprimorados, vêm revelando que os mitos desenvolvidos para explicar o que era inexplicável está incorporado no código genético da humanidade, gerando a predisposição do ser a preservar o pensamento primitivo de que somos obras de um ser superior que comanda os destinos de todos e de tudo em todos os lugares no universo, ainda que contra os esclarecimentos atuais. Mesmo provados os mecanismos da demência (antes possessão demoníaca), dos fenômenos naturais antes tidos como vozes e atos dos deuses, a natureza dos sonhos (pensamentos subconscientes sentidos como atos e fatos), o desvelamento do sistema planetário em prova inequívoca dos enganos dos homens considerados agentes do deus onisciente, etc., o criador que se criou continua vivo na cabeça humana.