Esplanada a um quarto da ocupação, e eu, sentado, fumava um cigarro enquanto olhava para o mar. Impaciente, a cada fumaça olhava de soslaio para a entrada do café, com a esperança de a ver de facto.
Como em todas estas ocasiões, os fumos esfumam-se rapidamente. “ Ela está atrasada!” , penso enquanto chamo o empregado, de mão no ar.
- Um quarto de água sem gás fresca!
- Água com gás?
- Sem gás..
- Natural!
- NÃO... fressca! Obrigado...
Após aceno habitual de cabeça síncrono com o assentar do pedido, em siglas, num pequeno papel, volto o olhar para o mar. No horizonte passeava um grande cargueiro, mais perto da costa um pequeno bote dotava ao pescador mais remos, enquanto eu trauteava uma qualquer música ao som do tamborilar no maço de cigarros. Volto a olhar para a entrada da esplanada... nada. Saco um cigarro no instante que chega a água..
- Muito obrigado! – digo automaticamente.
Jorrava a água no copo, e eu já nadava nas suas crispadas ondas... de pele alva, ar de menina, olhos grandes e melados.... castanho mel ... e uma vontade própria de ser mulher... acendo o cigarro ao mesmo tempo que olho para o pórtico do café.
Já a água ia mais de metade, e peço, de novo, a presença do empregado.
- Um café... obrigado.
“Ela não vem... se calhar aconteceu alguma coisa... mas telefonava, ou mandava mensagem...” pensava entretido com o rodar do cigarro no cinzeiro... o café fartava-se de fumegar, era altura de o sorver.
Cruzo e descruzo a perna, limpo e sujo os óculos de sol, componho a mesa... respiro fundo... fecho os olhos... expiro... maresia entra em cena com o som das ondas.
Pela areia passeiam uma mãe e um filho... ambos muito jovens... ela de cabelo solto e longo, ele de cabelo ouro saltitava a espuma das ondas, rindo durante a fuga, perante o deleite da mãe, cúmplice da brincadeira.
- Mais um café e uma água.... obrigado.
Já passava mais de meia hora, e dela nem um beijo. “De certo ela não quis vir!”, pensava enquanto verificava se a chávena estava pronta a levar à boca. Com um folgo, bebo meio copo de água... suspiro ... recuso ver a porta da esplanada.
Acabo o café e a água... as pegadas da mãe e do filho há muito tinham sido tragadas pelas ondas, e a própria esplanada vazava, ficando eu, só, perante o sol... puxo a cadeira da frente com a ponta do pé, ajeito a cadeira... e desmancho a figura, colando o colarinho às costas e cerrando os olhos, contemplando cegamente o toque da estrela luz. De pálpebras fechadas, o sol projectava o seu espectáculo de caleidoscópio, uma dança de nuances, uma luta entre o escuro e a luz, sendo eu o único leitor de tal difusa alegoria.
Ao som do eco do troco da mesa ao lado, pestanejo estremunhado, ao mesmo tempo que ela chega por entre reluzes... chave na mão, carteira ao ombro, caminhava decidida pelo estrado, abrindo a cada passo um sorriso comprometido.
- Olá .... desculpa.... atrasei-me!
Sorrindo, olhei para ela...
- Não faz mal.... eu também cheguei há pouco tempo...
Ela olhou para a mesa... dois cafés, duas águas, cinzeiro meio cheio perto da minha mão, um maço com isqueiro a cavalo, cadeira da frente com ar de ter servido de apoio à perna... olhou para mim... camisa meio desabotoada, colarinho amachucado na nuca, pequenas gotas de suor na testa... sorriu para si, semicerrou os olhos e, gentilmente, guardou a mentira como fosse verdade.
Um novo empregado chegou...
- Que queres...?
- Água, fresca... e café..
- Eram dois cafés e dois quartos de água...
- Natural? – perguntava, franzindo a sobrancelha, o empregado.
- Sem gás... frescos.
O silêncio durou um suspiro. Senti um olhar doce... sorriso cúmplice abriu as nossas bocas. Ambos demoramos a encontrar-nos. Dia após dia, semana em semana, ano após ano, o reencontro teria de acontecer...
- Demoraste a chegar...- perguntei, como se essa fosse a alavanca.
- Fiz-me demorar... não sabia se queria chegar...
- Chegou o café...
- e as águas! – disse ela de forma matreira.
O som do mar e vento instala-se; entre nós, a mesa.
- Mas entretanto soubeste que querias chegar...
- Toma o café! Frio sabe-te mal... – desconversou.
- Porque duvidaste da tua chegada?
Os olhos dela inclinam-se sobre o copo e pousam-se no mar.
- Dás-me um cigarro? Chegas-lhe lume, por favor...
Enquanto de soslaio entregava o quarto ao copo, eu acendi o cigarro, e na entrega, os olhos dela estavam carregados de água.
- Porque choras?
- Agora já não há nada por esperar... finalmente, a espera acabou. Vivi o presente esperando o passado. Agora, o futuro é o meu tempo... presente.