Conhecer significa saber como analisar e sintetizar algo. Significa,primeiro, saber desdobrar as partes que o compõem e, segundo, repor as partes dentro da unidade do todo, cada uma em seu devido lugar. A análise divide e corta, a síntese junta e reconstitui o todo. Assim o eu, cada eu, eu mesmo em conjunto com todos os outros eus engendra e adquire conhecimento das coisas. As ciências particulares são assim chamadas porque elas tratam apenas de uma classe limitada e determinada de objetos. As ciências, neste primeiro nível, são todas particulares. Nenhuma delas nos dá uma visão de conjunto das coisas, do universo inteiro.
Mas é exatamente desta visão de conjunto que precisamos para compreender o sentido das coisas, o sentido de nossas vidas. Uma ciência universalíssima, situada no ápice da pirâmide do conhecimento, uma ciência que inclui todas as coisas, que tem uma visão de conjunto de todo o universo, esta é a ciência de todas as outras ciências. É disso que precisamos. Esta é a intenção e a meta da dialética ascendente, que, saindo do particular, nos leva em busca dos princípios universalíssimos que regem todas as coisas, que determinam todo o universo. No começo da dialética ascendente temos como ponto da partida as certezas do dia a dia e das ciências particulares, ou, como dizia Hegel, a certeza sensível. O eu individual se descobre, dentro de si, como um eu universal. Este eu universal está presente na vida cotidiana de cada um de nós como o senso comum e a vontade comum da comunidade em que vivemos, como o eu cientificamente universal da comunidade científica. O eu individual se alarga, se amplia e transforma-se no eu universal, que inclui todos os outros eus pensantes. Mas nós queremos e precisamos mais do que isso. O eu precisa crescer e ampliar-se mais de sorte a conter as coisas da natureza, sem o que nenhum eu pode ser o que de fato é. Este eu ampliado contem toda a natureza e é tão abrangente que inclui todo o universo. Eu, eu mesmo, ou melhor, o eu ampliado que eu sou contém e inclui o universo inteiro.
Este eu que é o Universo obedece às três regras básicas da Lógica: Identidade, Diferença e Coerência. Estes são os três grandes princípios que regem o universo. O princípio da Identidade garante a iteração, a reprodução. O princípio da Diferença explica a emergência do novo, inclusive as mutações por acaso. O princípio da coerência elimina opostos que são duramente incoerentes e suaviza e supera pequenas incoerências através da introdução de novos aspectos lógicos, novas dobras, novas facetas ontológicas. Entendido isto, entendidos os primeiros princípios que regem o universo, surge a tarefa filosófica de voltar ao mundo concreto de nosso dia a dia.
Estamos, agora, prontos para começar a dialética descendente, que consiste na reconstrução, passo por passo, do mundo concreto a partir dos três primeiros princípios. A ciência particular, depois de proposta como teoria, volta aos fenômenos, explicando-os em sua estrutura racional, explicando como as partes estão construídas, como elas interagem e se inserem no todo. A ciência universalíssima, a Filosofia, faz exatamente o mesmo. A partir dos três primeiros princípios, que constituem uma teoria geral do Universo, ela mostra como a Lógica engendra a Natureza e a Natureza, num longo processo de evolução, engendra o Espírito. Assim, todas as coisas no Universo se originam, num processo evolutivo, de um ovo inicial. Todas as coisas têm sentido e fazem sentido se e enquanto elas estão em coerência consigo mesmas e com as outras coisas, se elas estão em coerência com todo o Universo.
Na dialética ascendente começamos do mundo concreto e avançamos subindo, degrau por degrau, para uma visão de conjunto, para os três primeiros princípios. Na dialética descendente começamos com os três primeiros princípios e mostramos, dobra por dobra, como o Universo se des-dobra, se desenvolve até chegar ao mundo em que vivemos com sua multiplicidade variegada de seres, coisas e entidades. Para compreender o sentido do mundo precisamos primeiro subir, para depois descer. A dialética ascendente amplia nosso eu até que ele fica tão amplo que se identifica com o Universo. Na dialética descendente reconstruímos o mundo, explicamos o mundo, mostrando, dobra por dobra, como tudo, pela evolução, se desenvolveu.
Esta é a visão sábia de quem, olhando todo o processo, olha para trás, olha para o passado. Este olhar, voltado para o que já passou, é simbolizado pela coruja de Minerva, que só levanta vôo quando cai o entardecer. Mas como os estudantes de Hegel em Berlim já diziam, é preciso pôr ao lado da coruja de Minerva o canto do galo da madrugada que, olhando para a frente, para o futuro, anuncia o dia que está por vir. Ele exprime o que deve ser, o ideal que ainda não se concretizou, mas que estamos desde sempre antecipando. Se o olharmos assim, o mundo tem sentido. A vida, assim, faz sentido.