Durante a Guerra Fria (1947-91), as relações internacionais foram, em grande medida, um reflexo do conflito ideológico-político das superpotências (Estados Unidos e União Soviética), grandes vencedoras da Segunda Guerra Mundial. O sistema internacional foi organizado a partir dessa dicotomia, sendo chamado de “mundo bipolar”, posto que todos os conflitos regionais do planeta estiveram inseridos na lógica de luta das superpotências por áreas de influência, luta essa que passou a controlar a evolução desses conflitos regionais e, não raro, impedir que estes tivessem uma solução definitiva. Inúmeros focos de tensão, marcadamente os de caráter étnico-nacionalista, foram, assim, “congelados”, enquanto outros, diretamente relacionados com a disputa por zonas de influência, foram “aquecidos” ou estimulados pelas superpotências em conflito. Exemplos claros desse último caso são o conflito Índia-Paquistão, a luta das nações árabes contra o Estado de Israel, a disputa entre as Coréias. Com o fim da União Soviética (e por extensão, da Guerra Fria) em 1991, tal estrutura bipolar se desfez. Momentaneamente, o mundo (ocidental) previu uma longa e estável hegemonia mundial dos Estados Unidos, “vencedores” da Guerra Fria, hegemonia essa que corresponderia ao triunfo universal dos princípios democráticos e liberais na Política e Economia. Essa impressão foi sintetizada nas palavras do presidente americano George Bush – “nova ordem mundial”. A época era favorável – poucos meses antes, os Estados Unidos, sob o manto das Nações Unidas, encerraram o mal planejado intento de Saddan Hussein aumentar sua influência regional com a anexação do Kuweit. A ONU, pensou-se, seria, a partir de então, a ponta-de-lança do “xerife global” norte-americano, responsável pela estabilidade e prosperidade do cenário internacional. Entretanto, poucos anos após a frase de Bush ter sido pronunciada, a realidade revelou-se menos propensa a simplificações ou utopias afoitas. Potências menores, nem tão dotadas quanto as Grandes Potências, mas igualmente distantes da massa de países pequenos ou pouco influentes, passaram a dividir mais explicitamente sua posição com a potência global, os Estados Unidos. Na verdade, o Japão e a Europa Ocidental, a partir dos anos 70, já haviam alcançado um estágio tal que puderam competir com os americanos em termos econômicos e tecnológicos; entretanto, a rígida estrutura bipolar do cenário internacional, à época, obscureceu tais avanços – que, ainda, não corresponderam à ascensão de potências médias, mas sim de grandes potências. A ONU, por sua vez, longe de ser um mecanismo eficiente para a prevenção e solução dos conflitos mundiais, passa por séria crise e deverá ser remodelada, se quiser ser tornada mais eficiente e democrática. Tal remodelação tem como pedra angular o aumento das cadeiras permanentes no seu Conselho de Segurança, até o presente, restrito aos vencedores da Segunda Guerra Mundial (Estados Unidos, Rússia, China, Grã-Bretanha e França), incluindo grandes e médias potências atualmente dependentes da sorte (de ocupar uma das 10 cadeiras rotativas do Conselho) e da boa vontade dos “cinco grandes” em não vetar resoluções propostas.
Não pretendo esgotar a questão das potências médias no curto espaço desse artigo. Torna-se necessária, porém, alguma forma de definição do objeto de análise, por mais simples que seja, que possa servir de fio condutor para o texto. A definição aqui adotada, formulada por Carsten Holbraad em 1984, surge da interseção de dois sistemas – o sistema internacional, considerado em termos de recursos e influências; e o sistema regional, no qual o país está inserido. Uma potência média, em primeiro lugar, ocupa uma posição intermediária no sistema internacional global, correspondendo ao que Robert Keohane definiu como “system-affecting state” – ou seja, um estado que não determina o sistema (como as Grandes Potências), nem o influencia individualmente (como as Potências “Intermediárias”, também segundo Keohane), mas é capaz de influenciá-lo indiretamente, através da constituição de alianças e ações coletivas. Em segundo lugar, uma potência média é muito influente em nível regional, podendo ser um estado hegemônico ou possuidor de pretensões hegemônicas.
Utilizando a definição, chegamos a um grupo heterogêneo de países (Austrália, Brasil, Índia, Turquia, África do Sul, México). Tal heterogeneidade se deve às diversas condições e pressões que tais países sofreram ao longo da História. O conceito de potência média, assim, é inseparável de uma abordagem histórica. Dessa forma, nota-se que, com a progressiva incorporação de novos temas à agenda das relações internacionais (um dos reflexos da “globalização”), a partir dos anos 70, o número de potências médias cresceu, assim como a sua importância. Em algumas áreas, inclusive, as potências médias se encontram aproximadamente em pé de igualdade com as Grandes Potências (Austrália, no campo ambiental etc.). As potências médias constituem fontes de dinamismo. Isso ocorre por três razões: Primeiro, grandes potências pagam um alto “preço” por sua proeminência, direcionando grande parte dos seus esforços para a manutenção/aumento de seu poderio. Dessa forma, atuam dentro de limites mais estreitos do que potências menores. Essas últimas podem se lançar com menos receio em aventuras, promover inovações e adotar posições mais radicais, pagando um preço evidentemente menor por tais atitudes; Segundo, grandes potências são impelidas a atuar ativamente em nível global – potências menores, incapazes de influenciar sozinhas o sistema internacional, podem se dedicar com maior empenho aos seus respectivos sistemas regionais, menos complexos; Finalmente, as potências menores são mais propensas à cooperação entre si do que as grandes potências – dado que, sozinhas, não podem influenciar o sistema internacional e, ainda, lembrando que é praticamente impossível que duas potências médias coexistam num mesmo sistema regional, não havendo, portanto disputas “domésticas” entre elas. Já as Grandes Potências competem entre si, em nível global, por recursos e influência – disputa vedada às potências médias –, sem contar o esforço desprendido na manutenção de suas respectivas áreas de influência. As potências médias tendem a ser, portanto, mais eficientes do que as Grandes Potências. No entanto, a emergência das potências médias não têm sido um processo livre de empecilhos. Há obstáculos “internos” e “externos”. No primeiro caso, pode-se considerar que potências menores dispõem de menor volume de recursos, e dependem fortemente da criação de alianças para terem “voz” no sistema internacional. No segundo caso, o fato do sistema internacional ser estruturado, sem a menor dúvida, seguindo os interesses das grandes potências, torna difícil a emergência das potências médias, bem como a cooperação entre elas. Sem esquecer o fato de que Grandes Potências intervêm ativamente nos sistemas regionais, explorando conflitos entre países hegemônicos ou pretendentes a hegemônicos (ou seja, as potências médias) e os demais estados constituintes do sistema. Desse modo, as potências médias sofrem imenso desgaste e têm, muitas vezes, de abdicar de uma ação internacional mais estruturada em favor da manutenção de sua influência regional. A ação dos Estados Unidos no sistema regional da América Latina durante os anos 90 constituiu situação emblemática – essa grande potência, já tendo “conquistado” para si o México através do NAFTA, mostrou-se inclinada a apoiar ora as pretensões da Argentina, ora as do Brasil, explorando as divergências existentes entre os dois em benefício próprio e dificultando uma maior participação brasileira nas decisões internacionais.
Enfim, torna-se evidente para as potências médias (em especial, para o Brasil) a necessidade, dado o seu caráter de “system-affecting states”, de agir não de forma isolada e desordenada, mas de forma conjunta e harmônica, surgindo como voz ativa que busca modificar o sistema internacional da atualidade, estruturado em benefício de pequeno número de grandes potências. Tal mudança de orientação não só incrementaria ainda mais o caráter dinâmico da realidade internacional, como também abriria portas para que a assimetria entre grandes e médias potências diminuísse, promovendo diversas formas de desenvolvimento e tornando (um pouco) menos elitistas os processos de tomada de decisão mais fundamentais em nível internacional.