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Artigos-->O ÚLTIMO A SAIR APAGUE A LUZ - Dissidências e Democracias -- 30/08/2003 - 19:35 (Carlos Frederico Pereira da Silva Gama) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Desde pelo menos o início dos anos 70 do século passado, o Desemprego tem sido indesejável presença costumaz da vida econômica da prática totalidade dos estados. Não bastassem as já consideráveis dificuldades vividas pelos indivíduos em busca de um “lugar ao Sol” no competitivo mercado de trabalho hodierno, os dias que correm trouxeram à luz mais um tipo de Desemprego, vindo este se juntar a seus irmãos “estrutural”, “friccionário” e “temporário”: o Desemprego Ideológico. Fenômeno que, à semelhança do caráter “transnacional/globalizado” de nossos tempos, não se restringe a um determinado grupo de países, podendo ser tomado como de fato quase “universal”.



Tornaram-se pouco recomendáveis como ambientes de trabalho, nos últimos meses, tanto os imponentes salões do poder quase-imperial de Washington quanto os, mais modestos, corredores da política do partido governista no emergente Brasil. Que o leitor não faça a experiência temerária de, em trabalhando em qualquer dos dois ambientes, postar-se de forma crítica ou contrária em relação aos pensamentos que vigem na terra de Tio Sam e em Pindorama. Tais consensos, respectivamente, dizem respeito à condução da “Guerra contra o Terrorismo” nos Estados Unidos e à condução das reformas ditas liberais do estado brasileiro. A resultante de tal atitude variará entre os limites estreitos do virtual ostracismo ou do real (e veemente) encaminhamento rumo ao obscuro “olho da rua”.



Tanto o PT quanto o Pentágono vivenciaram abrupta mudança de orientação institucional no curso dos últimos dois, no máximo três anos. O primeiro, calejado pela seqüência de estrondosas derrotas na guerra eleitoral pela Presidência da República, apesar das vitórias cada vez mais freqüentes em batalhas eleitorais de menor calibre. O segundo, vitimado pela perda relativa de importância dentro do governo estadunidense que se seguiu à implosão do “socialismo realmente existente”, tombou parcialmente com o fim da Guerra Fria e o estabelecimento da pax liberal que, à luz dos escritos de Francis Fukuyama, parecia fadada à eternidade, malgrado “explosões irracionais de violência” que pudessem emergir de inóspitas (“bárbaras”) plagas como os Bálcãs e a África Central – pensava-se que estas fossem, de resto, solucionáveis no tempo devido.



Depois da queda...o coice. PT e Pentágono adotaram novos “paradigmas de ação”, em busca de seu tempo e influência perdidos. No caso do Pentágono, foi relativamente mais simples a busca e a descoberta de um novo “inimigo” capaz de motivar novo “ciclo virtuoso” de investimentos bélicos cujo montante seja capaz de arregalar os olhos (e murchar as orelhas) dos não-estadunidenses, ou seja 96% da Humanidade. Remonta a Bin Laden, sem sombra de dúvidas, a maior contribuição individual para que o Pentágono se re-estruturasse (lembrem-se do atentado inicial ao World Trade Center em 1993, dos atentados terroristas às embaixadas estadunidenses na África em 1997, do abalroamento do destróier US Cole no Iêmen em 1999 etc).



Depois do 11 de Setembro, as (poucas) vozes que indagavam aqui e ali a necessidade de investimentos militares colossais não somente em tempos de paz, mas quando a economia estadunidense acabava de emergir de uma década de recessão grave, foram emudecidas de facto. Emudecidas porque continuaram a existir. Como na Física Quântica, sua situação era de um “existir inexistente”, de ostracismo. Que o digam os militares e lideranças políticas estadunidenses, críticos da estratégia do “choque e pavor” de Donald Rumsfeld, postos literalmente “na parede” pelos falcões e pelos ideólogos imperais da “nova direita” e, de resto, vitimados (como a opinião pública) pela aparente opulência da vitória “de Pirro” contra Saddam. Colin Powell é outro que, não obstante sua fidelidade canina aos governos que serviu, padece horrores por sua discordância em relação aos rumos da turnê “libertária” que George W.Bush pretende levar aos quatro cantos do planeta após sua estréia na milenar Bagdá.



Quanto ao PT, a situação torna-se mais complexa e sutil. À dessemelhança de seus colegas trabalhistas da Europa – que tiveram mudanças decisivas de orientação política efetuadas no curso de muitos anos e, em geral, distanciadas de cenários eleitorais imediatos, o PT cambia abruptamente sua orientação políticas às vésperas de um pleito presidencial. Mais complexo – o faz abraçando as teses das quais constituía o crítico não apenas mais constante, como igualmente mais contundente. Numa analogia com o fenômeno ocorrido entre nossos irmãos do Norte, equivaleria ao Pentágono contratar Bin Laden como um de seus consultores. Não se trata de uma questão de avaliar valorativamente o conteúdo das referidas reformas – mas, pelo contrário, de verificar uma mudança abrupta de orientação política que não foi absorvida “de um só golpe” no seio do partido. Ainda assim, o resultado para as vozes críticas de tal mudança foi o mesmo do caso estadunidense uma vez Saddam tendo sido varrido do poder – a parede (que, numa analogia irônica, nos remete ao paredón cubano, destino final de milhares de dissidentes nos últimos 40 e poucos anos).



Em suma, aqueles no Pentágono e no PT que, vitimados pelo fato de não terem papas na língua ou, ainda, de manterem intacta a coerência e a memória dos anos de trabalho pregressos empregados em ações que contradizem os rumos adotados hodiernamente, não são, como em tempos de crise, sacrificados na pira do “interesse nacional” em rituais de promoção de um (suposto) “bem maior” necessário. Num contexto de grande permeabilidade social ao discurso, por um lado, da “guerra ao Terrorismo” e, por outro, da reforma do Estado, os dissidentes, outrora “males necessários”, a “consciência” da instituição em tempos difíceis, tornam-se “males desnecessários”, indesejáveis mesmo como alimento das chamas. Quando muito, sobrevivem como fantasmas vivos.



Não obstante a dureza do quadro que se forma frente a nossos olhos através do Atlântico, podemos apreender deste um dos caracteres mais sutis e, por isso mesmo, mais importantes, de nossos regimes políticos. Conquanto sejam estes democráticos – e, portanto, tendo entre suas fundações a discordância quanto a fins e meios da ação política – nestes o consenso políticos no interior dos agentes assume importância capital. Consenso este diretamente relacionado com a capacidade de ação e influência dos referidos agentes políticos. Assim, pode-se ver com clareza em que sentido o dissenso político têm sido verificado factualmente nas democracias modernas – este é patente ENTRE os agentes e não DENTRO dos mesmos. O dissenso pode, portanto, ser considerada propriedade “sistêmica” dos sistemas políticos democráticos. Por outro lado, o fato da dissidência ser considerada tabu no interior dos agentes políticos não é um privilégio da democracia, vide os periódicos “expurgos” ocorridos em corpos políticos de ditaduras, totalitárias ou não. As democracias, nesse caso, se distinguem dos regimes não-democráticos não apenas por salvaguardar a integridade física dos dissidentes, mas principalmente por permitir que estes possam constituir novos agentes políticos participantes do jogo democrático.



A guisa de conclusão, portanto, nos cabe a constatação de que os argumentos do parágrafo anterior não justificam a manutenção, no plano do discurso, por parte dos dirigentes estadunidenses e petistas, do argumento “pluralista” de que não se está repelindo a discordância interna com tais ações, mas apenas punindo “lunáticos” eventuais, incapazes de perceber a sandice de suas teses e a correção das teses defesas pelo aparelho estatal/partidário no atual contexto. Essa (degradante) “Justa Causa” para o efetivar do Desemprego Ideológico nas hostes petistas e nas fileiras do Pentágono já foi empregada diversas vezes ao longo da História, com resultados os mais funestos. Lembremo-nos dos “Processos de Moscou” da União Soviética stalinista como caso limite. Que fique claro: trata-se de discordância política que pode e deve ser tratada dentro do sistema democrático, se se quer que este faça jus a seu nome.



Uma saída madura, portanto, do ponto de vista democrático, é, ao contrário de negar, admitir a existência da divergência – e lidar com ela no marco da democracia política. Tarefa menos difícil para o PT do que para o Pentágono, sendo este último uma organização componente do aparato estatal. Resta-nos esperar, enfim, que os partidos joguem o jogo da democracia – mesmo quando o placar lhes é de todo favorável. Ao invés de aguardar que o último dissidente apague a luz de sua existência como agente político, abramos as portas e deixemos a luz entrar.

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