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Artigos-->Matemática social -- 01/09/2003 - 15:12 (Félix Maier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
“Matemática enquanto um constructo social



Por Adriana; Chateaubriand; Denizalde 01/09/2003 às 05:31

O artigo em questão foi apresentado na XI Conferencia Interamericana de Educacão Matemática na grupo de trabalho sobre EM & Sociedade. Reformulado a partir das observações dos participantes, foi submetido à apreciação de pareceristas do II Sem. Intern. de Pesquisa em EM, a se realizar em Santos, e foi aceito.



A MATEMÁTICA ENQUANTO CONSTRUCTO SOCIAL: DOIS EXEMPLOS



Chateaubriand Nunes Amâncio – UNESP/Rio Claro, chateau@rc.unesp.br

Adriana C. de M. Marafon – UNIMEP/FCMNTI, amarafon@unimep.br

Denizalde J.R. Pereira- UNEMAT/UNICAMP, denizalde@terra.com.br





RESUMO



A discussão proposta no presente artigo foi apresentada no Grupo Educação Matemática e Sociedade (WG7) na XI Conferência Interamericana de Educação Matemática (CIAEM), que aconteceu em Blumenau-SC no mês de julho deste ano. O tema do referido grupo de trabalho era a “Matemática enquanto construção social”, que defendemos convergir, baseado em Zizek (1992), para um constructo ético. Pudemos observar, significar, da participação que tivemos que tal tema é objeto de uma certa polissemia, como não poderia ser diferente, à medida em que se trata de um trabalho em fase inicial.



Várias posições foram apresentadas, todas colocando em relevo a Matemática produzida socialmente, historicamente. Da nossa parte, dissemos que se há algo que podemos falar da Matemática, certamente é que ela existe enquanto disciplina, enquanto área de conhecimento que possui sua razão de ser nas comunidades, no âmbito institucional, legal entre outros; e que dessa maneira tentaríamos mostrar que tal produção é significada retroativamente através de mecanismos de reconhecimento, ou seja, por meio do Exame. Apresentamos dois exemplos: no primeiro caso, um que permite analisar este objeto em sua condição de existência informal; no segundo, sua condição formal, ou seja, aquilo que concerne à prática que implica em um registro que existe em razão de regulamentos. Porém a posição que apresentamos e que chamou mais a atenção no debate foi que, apesar de se tratar de dois exemplos de áreas distintas da Matemática, em épocas e lugares distintos, propusemo-nos relaciona-los como adquirindo estatuto de “Matemática” na medida em que se submeteram a processos de veridicção.



A avaliação, diferente de ser equacionada como ‘constatação’, reserva-se a ela o lugar de um discurso que justifica essa mesma constatação. Nossa presença neste GT, entendemos fazer sentido, na medida em que tomamos a avaliação, para além de seu caráter formativo, como sustentando, na medida em que é sustentada, um processo de veridicção, ou seja, a veridicção coroando o processo avaliativo, emergindo como significante mestre, no sentido de Zizek (1992) do referido discurso.



Por fim, o que queremos é participar desse debate sobre “Avaliação”, recolhendo dele a plausibilidade necessária para que nossas elaborações teóricas sejam testadas, em um certo sentido, estamos nos pondo à prova do processo de veridicção de que vimos falando.





INTRODUÇÃO



Diante do tema proposto e de afinidades de pensamentos, resolvemos escrever algo juntos, mas com uma disposição que sintetizasse nossas discussões. O resultado é apresentado com dois exemplos, sendo o primeiro relacionado à perspectiva apresentada como uma prática que se transforma em uma técnica. Posteriormente, vemos algumas das idéias sobre perspectiva na teoria matemática. Há nomes que significam marcos e estabelecem ligações entre perspectiva e diferentes grupos de atividades: pintores, arquitetos, engenheiros e pessoas ligadas à Matemática. Nesse exemplo procuramos dar ênfase em como certas idéias sobre Perspectiva são organizadas e difundidas sob um ponto de vista social.



O Exame (Concurso público para provimento de uma cadeira na Escola Politécnica, São Paulo, SP, 1933) é o aspecto fundamental a ser discutido no segundo exemplo, pois é por meio deste instrumento que é possível garantir a posição de matemático dentro de uma instituição de ensino ou pesquisa, ou seja, dentro de uma sociedade científica. Mostramos que tornar-se catedrático da Escola Politécnica nessa época era assumir o mais alto posto naquilo que se referia ao ensino da Engenharia. Para que o concurso ocorresse, deveria haver uma banca (proposta pela Congregação), uma secretaria e candidatos.



O processo investigado diz respeito a dois membros: um da comunidade de matemáticos e o outro da comunidade de engenheiros. Considerando apenas o âmbito da Universidade de São Paulo (USP), eles se tornaram parte de suas respectivas comunidades, assumiram posições nas instituições de ensino e pesquisa, o primeiro na Escola Politécnica e outro na F.F.C.L; o status lhes foi pertinente.

Essa idéia de status é no primeiro exemplo focada do ponto de vista não-institucional diferentemente do segundo exemplo, como apresentamos a seguir.





PRIMEIRO EXEMPLO:



A Sociologia Radical da Matemática



A concepção de que pensamentos individuais estão vinculados às condições sociais, das quais eles dependem e são resultados e, assim, possíveis de serem compartilhados por meio de uma linguagem comum ao meio, sendo, dessa forma, representações elaboradas socialmente, conduz à conclusão que, na verdade, são mundos ou comunidades que pensam e que os indivíduos apenas expressam tais pensamentos constituídos coletivamente.

A Matemática, considerada nesses termos, mostra-se constituída por um mundo social, longe de ser apenas um mundo de formas, sinais, símbolos, imaginação, intuição e raciocínios, imune aos impactos e influências da sociedade e ao momento pelo qual ela passa. Restivo (1994) toma como meta esboçar implicações e possibilidades dessa abordagem diante das limitações da visão platônica, pitagórica, formalista e fundamentalista da Matemática, as quais, para ele, necessitam de nova contextualização quando submetidas a três insights inter-relacionados: “...todo discurso é social; o indivíduo é uma estrutura social; e o intelecto - mente, consciência, aparato cognitivo - é uma estrutura social” (1994, p. 210). Esses insights fundamentam o que ele chama de Sociologia Radical da Matemática, pautada na formulação de Karl Marx [1818-1883], segundo a qual a Ciência é uma atividade social, sendo que, para Restivo, tal Sociologia Radical pode ser considerada como um programa no qual todo discurso sobre/da Matemática é discurso social.



Nessa direção, o primeiro passo, diz Restivo (1994), é despertar-nos para os “mundos matemáticos” como redes de trabalhos de seres humanos convivendo em áreas que envolvem conflitos e cooperação, dominação e subordinação. A Matemática passa a ser vista como algo que se relaciona com outras redes de trabalho. É possível o estabelecimento dessas ligações entre redes e como foram influenciadas pelo contexto social. Para isso, ele sugere os meios oferecidos pela Etnografia, o que nos remete ao segundo passo, que consiste no reconhecimento do discurso social e técnico, em suas simultaneidades e permutações, como prática social inserida na sociedade como um todo. O terceiro é focar o discurso técnico em termos de Etnografia, História Natural e Social dos sinais, símbolos, veículos de significados e imaginação. O passo final é a compreensão que a análise sociológica permite, isto é, a de que o discurso técnico é discurso social.



Tendo esses pressupostos em mente, nossa proposição é de que a realidade, e dentro dela o conhecimento, e mais especificamente o matemático, constrói-se socialmente através de significados compartilhados pelos membros de determinados grupos sociais de sujeitos, de instituições especializadas em distintos trabalhos e cada uma com suas regras próprias, assim como com as distintas abordagens culturais que as caracterizam.





A Perspectiva



O pensamento projetivo, em particular o perspectivo, interessa-nos por mostrar como uma prática tornou-se técnica, enquanto arte e, posteriormente, como foi tratado enquanto objeto da ciência (LAURENT, s/d), possibilitando uma investigação através de uma análise histórica e sociológica da realidade do conhecimento relativo a esse tipo de pensamento, no sentido de como ele foi organizado social e intelectualmente. O estudo de períodos e de pessoas ligadas à Matemática e à Arte, as suas relações e idéias, as influências do contexto social sobre elas, como comunicavam e divulgavam seus trabalhos, são aspectos que possibilitam uma interpretação a partir do estabelecimento de relações entre conhecimento e sociedade.



A busca da representação mais próxima da percepção visual leva ao uso da projeção cônica, que tem como idéia geométrica básica a do cone visual. Esse tipo de representação perspectiva não foi muito explorado na Idade Média, ao contrário da Antigüidade, quando foi utilizada por pintores responsáveis pelos cenários de teatros e, por outro lado, Apolônio de Perga (cerca de 240 a.C.) escreveu o tratado considerado o mais antigo sobre secções cônicas. É no Renascimento que outros fundamentos da perspectiva se estabelecem a partir de preocupações de arquitetos, pintores e escultores, que levam às investigações sobre a representação e apropriação do espaço, as quais resultam em tratados sobre projeções, homologia, coordenadas homogêneas em um tratamento teórico.



O arquiteto italiano Filippo Brunelleschi [1377-1446] inspira, entre outros, Leon Battista Alberti [1404-1472], que evidencia em seu De Pictura de 1435, considerado um dos primeiros tratados sobre a prática da perspectiva, a teorização de uma técnica que consistia em utilizar o chamado “ponto de distância” como meio de verificação da exatidão da escala de profundidade de uma perspectiva e, outra, sobre o quadrado de base em perspectiva, ambas elaboradas a partir de técnicas desenvolvidas por Brunelleschi. Piero della Francesca [1412-1492], pintor italiano, inclui essas técnicas em seu tratado De Prospectiva Pingendi, de 1470, sendo que a do quadrado de base perspectiva encontrou a sua justificação teórica dois séculos depois, quando em 1648 é publicada no apêndice de um tratado sobre perspectiva, do escultor Abraham Bosse, o teorema dos triângulos perspectivos, de Girard Desargues [1591-1661], um arquiteto de Lyon, que já em 1636 escreve um texto sobre perspectiva e, em 1939 um panfleto contendo concepções fundamentais para a Geometria Projetiva, dedicado ao estudo das cônicas como derivadas das secções de planos no cone, abordando os chamados pontos impróprios, involuções, polaridade e fundamentos da teoria da homologia. O curioso título desse panfleto chama a nossa atenção: Brouillon projet d’une atteinte aux évènements des rencontres d’un cone avec um plan – Esboço de uma tentativa para relacionar os acontecimentos dos encontros de um cone com um plano (STRUIK, 1989, p. 176; 1953, p. 235).



As possibilidades de reproduzir as formas com certa exatidão passam a ser utilizadas pela arte da representação, com a intenção de transpor as aparências e a criação de ilusões. Albrecht Dürer [1471-1528], por exemplo, foi um pintor alemão que se dedicou à sistematização das deformações das formas com o objetivo de deixá-las belas. É provável que o tratado de Alberti fizesse parte de uma coleção adquirida por Dürer em 1523 (PEIFFER, 1995, p. 97). A representação de mundos fictícios, em especial, nos espaços teatrais, leva ao desenvolvimento das perspectivas aceleradas e retardadas, fundamentadas na utilização das leis da Ótica e da Geometria, para corrigir ou causar deformações visuais, por meio das chamadas retificações, que consistem em deixar os corpos maiores, de acordo com a abertura do ângulo euclidiano, no caso da perspectiva acelerada, e em deixar os objetos mais próximos do que estão, no caso da retardada. Matematicamente não há diferença entre elas, e as fórmulas são definidas por funções homográficas.



Os homens dedicados à Arte tratam de questões envolvendo perspectiva, buscando a precisão da simulação da visão. Essa precisão é também objeto de uma Geometria que a trata de uma maneira distinta.

Gaspard Monge [1746-1818], um engenheiro militar francês, utiliza no desenvolvimento de uma forma gráfica para determinar os cortes de pedras, usadas na construção de fortificações, e que exigiam estudos e cálculos, por exemplo, o conceito de traço de plano, que consiste na linha que representa a interseção de dois planos. Monge chega a análises gráficas eficientes, através de métodos organizados no que chamou de Geometria Descritiva, considerada um ramo especial da Geometria.



Monge passa a ensinar na Academia Militar de Mézières, de 1768 a 1789, época em que começa a aplicar o Cálculo à curvas e superfícies no espaço. Em 1794, é fundada a École Polytechnique de Paris, visando concentrar a instrução da Engenharia de caráter militar, a partir de uma Matemática teórica e aplicada. Nessa escola, desempenhou o cargo de administrador e de professor, sendo que a necessidade de textos matemáticos, numa apresentação voltada para o ensino, leva-o a elaboração do Geométrie Descriptive, lições que foram publicadas entre 1795 a 1799, nos números I-IV do Journal des Ecoles Normales. Em suas lições, mostra diferentes métodos de representar as formas espaciais através de suas projeções em planos de projeções ortogonais, o que leva às idéias fundamentais de outro ramo da Geometria, a Geometria Projetiva, desenvolvida por Jean Victor Poncelet [1788-1867], um discípulo que, a partir da reflexão dos métodos de Monge, torna-se o seu fundador, escrevendo em 1822, Traité des Propriétés Projectives des Figures, trazendo os conceitos da “nova geometria”, tais como razão harmônica, perspectividade, projectividade, involução. Para Struik, “Embora este livro seja o primeiro tratado completo de geometria projectiva, durante as décadas seguintes, esta geometria atingiu um tal grau de perfeição que a tornou um exemplo clássico de estrutura matemática bem integrada” (1989, p. 237).



Poncelet introduz o “Princípio de Continuidade” que pode ser entendido como um elemento de generalização, não encontrado na Geometria Clássica. Segundo esse princípio, “los teoremas demostrados para una figura son igualmente ciertos para figuras obtenidas a partir de la original mediante transformaciones continuas”, como escreveu Ron (1991, p. XX) na introdução da tradução espanhola dos Grundlagen der Geometrie (Fundamentos da Geometria), obra do matemático alemão David Hilbert [1862-1943] publicada em 1889, na qual dedica um capítulo ao teorema de Desargues.





Sobre as idéias arguesianas



Para o filósofo francês Gilles Gaston Granger, ao discutir as diferentes concepções acerca do irracional, a representação artística do volume dos corpos e da profundidade dos objetos em uma tela pode ser entendida como uma espécie de obstáculo irracional, pois, como argumenta (2002, p. 85), “Existe uma impossibilidade racional, matemática, de transportar sobre a tela de duas dimensões todos os aspectos visíveis do objeto tridimensional”. Assim, quando o problema da representação do espaço é enfrentado no sentido de construí-lo em um plano no qual se obtêm a representação do espaço tridimensional vivido, Granger (2002, p. 99) destaca a abordagem geométrica que o problema passa a receber, na qual encontramos os esforços concentrados no estabelecimento de regras e soluções matemáticas, como é o caso da perspectiva linear. Nesse contexto, ele (2002, p. 100) enfatiza a sistematização desenvolvida por Desargues, considerando “Excepcional trajetória de tentativas para superar um obstáculo inicialmente de natureza estética e técnica, levando à constituição de uma nova racionalização matemática, a saber, o conceito de espaço projetivo”.



As “diferentes maneiras de se aprender um conceito, de integrá-lo num sistema operatório e de associar-lhe implicações intuitivas” é o que Granger (1974, p. 31-32) denomina como “fatos de estilo”, considerando o estilo de suma importância e ressaltando seu “papel talvez [como] essencial, ao mesmo tempo, numa dialética do desenvolvimento interno da Matemática e na de suas relações com mundos de objetos mais concretos”.

A adoção de um estilo manifesta, para o filósofo (1974, p. 53), “um gosto, no sentido estético desta palavra, a que repugna transgredir regras, misturar gêneros, introduzir abertamente a intuição sensível num cálculo”. Ao comparar estilos como, por exemplo, o euclidiano no que diz respeito à questão da comensurabilidade, e o cartesiano em relação a questões mecânicas, ele (1974, p. 53) conclui que tanto “O gênio de um como o do outro impede-os de pensar que, para além desse saltus mortale consentido por um Arquimedes, um Cavalieri, um Pascal, abre-se um reino onde regras também tão rigorosas permitirão ao geômetra audacioso retomar seu poder sobre a imaginação sensível”.



Em outro momento, agora ao comparar as obras dos contemporâneos Descartes e Desargues, Granger (1974, p. 57) busca mostrar que o que os diferencia é a “variação de estilo na atividade construtiva dos matemáticos”. Apesar do ponto de vista do primeiro obscurece o de Desargues, Granger (1974, p. 61) chama a nossa atenção para o fato de que nem os trabalhos de Pascal sobre cônicas, nem os dos reconhecidos geômetras Philippe de la Hire e Le Poivre “nada mais fazem do que instituir, na verdade, nos séculos XVII e XVIII, uma Matemática à Desargues”, prosseguindo sua afirmação dizendo que “Carnot, Monge, Poncelet, Michel Chasles retomarão as idéias arguesianas no início do século XIX e desenvolverão suas conseqüências num corpo de doutrina chamado ‘Geometria moderna’” . Elevando as idéias de Desargues para além da questão de estilo, Granger, por fim, conclui que elas criam uma nova estrutura para o objeto geométrico, sistematizada na teoria geral dos grupos de transformações por Félix Klein.



Ainda nessa direção, o autor esclarece que no caso das idéias geométricas de Descartes elas são tomadas como algo bem sistematizado e, por conseguinte, um modelo de intelegibilidade. Já no caso das de Desargues, tudo permaneceu em estado latente até a efetiva sistematização realizada por Monge e Chasles e analisada somente por Cayley em 1859. Não sendo consideradas como um modelo de intelegibilidade, as idéias arguesianas são difamadas e sofrem deboches e acusações, como as evidenciadas por Granger (1974, p. 84-85) ao citar um trecho de uma carta que diz que Desargues tinha uma maneira de falar mal sobre Matemática não só por desconhecê-las, mas também para se fazer prolixo ao tratar de assuntos que já havia tido melhor tratamento dado por outros matemáticos. O vocabulário utilizado por Desargues para expor suas idéias também foi duramente criticado, sendo considerado de uma “estranha exuberância de termos vegetais”, tais como cepas, nós, ramos, talos, troncos, entre outros. Descartes, pelo contrário, utilizou-se do simbolismo da Álgebra.





SEGUNDO EXEMPLO



O Exame: “Complementos de Geometria Analítica; Elementos de Nomografia; Cálculo Diferencial e Integral” na década de 1930



Antes do Concurso



Nas Atas da Congregação, encontramos as primeiras discussões acerca do Concurso. Iniciamos por uma reunião da Congregação, na qual é declarada vaga a cadeira de Geometria Analítica, Cálculo Diferencial e Integral e Nomografia.



A partir de então, propôs-se um Concurso, formou-se uma Banca, administrou-se o Exame.



Currículo do Camargo



A análise do currículo ou memorial era imprescindível para o Concurso, cujo documento, segundo nossa ‘leitura’, encarregava-se de mostrar o assujeitamento (Althusser, 1978) à disciplina institucional, condição de reconhecimento do valor-signo (Baudrillard, 1972) referente à mercadoria força de trabalho qualificada, aqui chamada FTQ.

Abaixo citamos o primeiro documento , tal qual escrito na época, que diz respeito ao início da vida profissional de José Octavio Monteiro de Camargo:



c) Exerceu na Escola os seguintes cargos:

Substituto interino da II Secção de 1 de fevereiro a 31 de julho de 1928.

Substituiu o professor Theodoro Ramos de 1o. de março de 1928 até 15 de julho de 1929.

Substituto interino da II Secção de 16 de julho de 1929 até 14 de julho de 1932, data em que assinou o contrato para exercer o cargo de adjunto de Geometria analitica, Nomografia, Calculo diferencial e integral, Calculo vetorial e Mecanica racional, que vem exercendo até a presente data.

De 10 de março de 1930 até 6 de fevereiro de 1931, substituiu o Professor Dr. Theodoro Ramos.

De 11 de maio de 1931 até 31 de março de 1932, substituiu o mesmo professor Dr. Theodoro Ramos.

De 1o. de março a 2 de abril do corrente ano, substituiu ainda o professor Dr. Theodoro Ramos.

De 11 de maio do corrente ano, até a presente data, acha-se regencia interina da cadeira n. 3 - Complementos de Geometria analitica. Elementos de Nomografia. Calculo diferencial e integral



d) Nos exercicios dos cargos referidos no item c) o Dr. José Octavio Monteiro de Camargo, foi muito assiduo, tendo um numero limitadíssimo de faltas.

Secretaria da Escola Politecnica de São Paulo em 11 de novembro de 1933.

Secretario



O documento apresentado acima é pelo menos capaz de mostrar a experiência do candidato com o assunto a ser ensinado, a sua formação e a sua assiduidade. Tais elementos tornam ‘alguém’ potencialmente candidato da cadeira em questão.



O título de engenheiro entrou em cena como valor-signo (Baudrillard, 1972).Afinal o candidato antes de ser engenheiro precisou passar por diversas classificações anteriores. A força de trabalho simples (FTS) se torna força de trabalho qualificada (FTQ), segundo Baudrillard, pela transubstanciação do valor de troca econômico em valor de troca-signo, o qual por sua vez promete a reconversão em privilégio econômico. Pois bem, a FTS pelo trabalho de significação transubstancia o valor de troca econômica em valor de troca-signo; e, pelo processo coletivo de produção do código da competência (fez um curso de engenharia reconhecido no âmbito federal), exercido pela força de trabalho agente – FTA (o conjunto de forças de trabalho de professores, funcionários e os próprios alunos da Escola Politécnica), constitui valor-signo à força de trabalho, isto é, acrescenta-lhe o código de prestígio: qualificada. A função essencial da transubstanciação do valor de troca em valor-signo é a instituição de uma comunidade de privilegiados. Por outro lado, o valor-signo deve converter-se em privilégio econômico que, nesse caso, é o aumento do valor de troca da mercadoria FTQ.



De candidato potencial, Camargo passa a ser de fato candidato à cadeira no 3, assim como os outros candidatos à mesma vaga.



Durante o Concurso



No Concurso, o ritual (Foucault, 1971) inicia-se com a chegada dos membros da Comissão Julgadora, a qual é saudada pela Congregação da Escola Politécnica.



A prova escrita parte do ritual do Concurso era também um elemento disposto à verificação (veridicção) de um saber-fazer (Lacan, 1992) nomeado: Geometria Analítica, Nomografia e Cálculo Diferencial e Integral. Tratava-se de uma das etapas do ritual organizado para classificar (ou desclassificar) o candidato. Segundo Foucault (1987), a prova “...tem a tríplice função de indicar se o indivíduo atingiu o nível estatutário, de garantir que sua aprendizagem está em conformidade com a dos outros, e diferenciar as capacidades de cada indivíduo” (p.143).

Ficou documentado que, durante o Concurso, prevalecera a vontade da maioria [três dos membros – Lúcio Martins Rodrigues (dentro), Christovam Colombo do Santos (fora) e Miguel Maurício (dentro)], que classificou o candidato Camargo em 1o lugar, contra a posição dos outros dois [Lélio Gama (fora) e Theodoro Ramos (dentro)], os quais consideraram que “...nenhum dos dois candidatos se achava na altura da responsabilidade de um professor catedrático da Escola” .



Se o saber-fazer (o Cálculo) fosse o ponto alto em julgamento, como catedráticos de especialização semelhante divergiriam ao ponto de a maioria entender a classificação de Camargo como razoável, contra a minoria que decidiu pela inabilitação?



Aquilo que se refere ao julgamento, a própria construção do aparato legal, permite opiniões que possuem a ‘propriedade’ de serem pronunciadas por ‘juízes’, que possuem conhecimentos aprofundados acerca da matéria do Concurso. Mas como as divergências poderiam acontecer, criou-se uma forma de operar com elas, para que a decisão se tornasse possível; cabia, portanto, à Comissão estabelecer o critério de decisão.

O julgador/examinador deveria levar em conta as ‘qualidades didáticas’. O prof. Castro Barbosa disse: “..que a nossa Escola não é de Mathematica e sim uma escola profissional; que os candidatos devem apresentar, tambem, qualidades didaticas” .



Ou seja, como se trata de uma escola profissional, então, os professores devem apresentar ‘qualidades didáticas’. Para a expressão ‘qualidades didáticas’, usada com freqüência, não encontramos uma definição. Em geral, o termo era identificado a uma aula bem organizada, em que se expressasse claramente o assunto a ser ensinado, a arte de saber cultivar a atenção dos estudantes. Na realidade, cultivar a atenção dos membros da Banca, que tinham também, por função analisar se o candidato era capaz de exercer tal arte.



As qualidades didáticas era o nome dado àquilo que se esperava que o aluno articulasse, isto é, o discurso Universitário (Lacan, 1992). Era preciso dirigir-se ao estudante com a-teoria , claramente ‘linearizada’.

Contava-se com o juízo formado a priori pelos membros que pertenciam à Escola, para saber utilizá-lo no momento de excluir ou incluir. Contava-se com um tipo de conhecimento que não é nem divulgado nem regulamentado, mas que produz o resultado do jogo antes de ele começar. É posta em funcionamento a consciência cínica, (Zizek, 1996), afinal o espaço para que possam justificar a opinião transformada em Parecer é essencial: “O sujeito cínico tem perfeita ciência da distância entre a máscara ideológica e a realidade social, mas, apesar disso, continua a insistir na máscara” (p. 313). Se a consciência cínica não pudesse ser operada, como justificar todos os arranjos de natureza distinta daquela que se refere ao ensino e ao progresso da ciência, que foram algumas vezes denunciados na Congregação? Como justificar, então, a apreciação das qualidades pessoais de conduta moral ou mesmo da conduta política do candidato?



Após o Concurso



O mérito profissional é aclamado pelos regulamentos, pelos catedráticos, mas a prática exercida desmente o que foi falado no momento mesmo do ritual de legitimação.



Weber (1968), Rey Pastor ou Theodoro Ramos falam do papel do acaso, da benevolência, da arbitrariedade, das injustiças, do não-mérito, que eles presenciaram prevalecer em muitos concursos para a carreira acadêmica. Entretanto, tal prática, apesar de considerada muitas vezes imoral, permissiva, parece ser parte, pelo menos aceitável, de muitos julgamentos de mérito. Aliás, aquele que legitimamente foi nomeado catedrático, naturalmente, há de ser considerado ‘competente’, pelo menos pela parte que mais interessa, isto é, a Lei. Uma vez nomeado, o catedrático passa a gozar do direito ao prestígio que o mérito proporciona a essa posição.

No caso do Concurso analisado no presente artigo, o candidato vencedor conseguiu ter a ‘competência’ ou ‘eficiência’ necessária para convencer a maioria de que era o mais adequado a preencher a cátedra no momento crucial, apesar da minoria. Contra esse fato, não havia nada a fazer, tratava-se enfim de um resultado traduzido em uma nota, tal como o prof. Lúcio Martins Rodrigues afirmou em uma das reuniões da Congregação. Enfim, uma classificação, que foi produzida em um dado espaço de tempo, segunda quinzena de novembro de 1933, em um lugar, a Escola Politécnica, a respeito de dois candidatos: J.O. M. Camargo e O. Catunda.



Naturalmente um, e apenas um, conseguiu convencer a maioria de classificá-lo em 1o lugar, para assumir a cátedra de “Geometria Analítica, Nomografia e Cálculo”. Ora, quem olhar para o final da carreira desse engenheiro, poderá pensar que os membros da Banca escolheram com propriedade, que a vocação (Marafon, 2001) foi, de fato, atribuída. E quem se ativer aos documentos do Concurso, pode perfeitamente atestar a opinião oposta. Mas o que ninguém pode negar é que o 1o classificado foi eficiente para o fim que buscava, isto é, ele convenceu a maioria de seu mérito, conseguiu que o Parecer lhe fosse favorável.

O atestado de incompetência do candidato implicaria identificar a incompetência de julgar de alguns membros da Banca; quer no aspecto moral, quer no de mérito. A anulação do Concurso, no entanto, não garantiria que o procedimento dos tais ‘juízes’ mudasse de direção.



Se não fosse Catunda considerar que fora injustiçado, não seria possível saber acerca do efeito que puderam produzir duas interpretações de um mesmo artigo em um Regimento e o quanto se referiu o fato de a Comissão Julgadora ter sido composta por três membros especialistas alheios à Escola e dois pertencentes a ela . Apesar de tal decisão ter ocorrido por acaso, foi de fato um acaso sugerido por um ou outro na Congregação, que acabou por ser acatado.



A primeira defesa produzida pela direção da Escola baseou-se na Ata da Congregação de no 481 (USP, Escola Politécnica, 1933), no Regulamento (USP, Escola Politécnica, 1931) e no Regimento Interno (USP, Escola Politécnica, 1932), obedecendo ao padrão de luta dos ‘direitos adquiridos’ dentro das instituições públicas, que têm na lei a sua primeira referência e na burocracia a sua técnica de controle.

O Concurso em jogo poderia ser anulado, caso ficassem provadas nele irregularidades (Regulamento, 1931); naturalmente, a responsabilidade da decisão final do Concurso cabia à Congregação e a do Parecer à Comissão Julgadora.



O Parecer possuía papel especial no processo, era a garantia documental do resultado do Concurso, daquilo que efetivamente se fizera, isto é, o Parecer não era, precisamente, uma redução do que ocorrera de ‘fato’, mas as marcas dos atos, ou daquilo que se assumira enquanto atos, durante a realização do Concurso, e que produziu a decisão. As conclusões acerca dos candidatos estão lá registradas, marcadas, garantindo a legitimidade por escrito. Sobre a Comissão pesa a responsabilidade da classificação dos candidatos, ou seja, a avaliação das provas.

O termo ‘Comissão Examinadora’ foi usado no documento escrito pelo 2o classificado. Entretanto, em alguns documentos, a direção utilizou o termo ‘examinadora’, e no regulamento, o adjetivo aliado ao substantivo comissão é ‘julgadora’. A diferença que produz a mudança de termos não é irrelevante.



Consta no documento que a Faculdade de Direito adotava funções distintas da Faculdade de Medicina, sendo a segunda mais apropriada à Escola Politécnica, uma vez que o grau de especialidade torna a presença de membros da Congregação não apropriada para o julgamento do mérito. Não tem, portanto, sentido a obrigatoriedade da presença dos membros da Congregação nas provas em concurso, uma vez que muitos não possuem o discernimento necessário para julgar. Nesse caso, é razoável atribuir à Comissão Julgadora o papel do julgamento do mérito. É importante notar como o adjetivo ‘julgadora’ ao invés de ‘examinadora’, que acompanha o substantivo ‘comissão’, altera as funções, os poderes.



Pedido de anulação do Concurso



Alguns professores não estiveram presentes às provas do Concurso. Entretanto, o Art. 108 do Regimento Interno (1932) prescrevia: “Todas as provas do concurso, menos a escripta e a pratica, deverão ser assistidas pelos membros do corpo docente com direito a voto na Congregação”. O próprio diretor não estava presente, mas justificou-se, afirmando que não considerara sua presença relevante, porque não estava a par do seu progresso atual da matéria solicitada no Concurso. Afinal, como produzir ‘opinião fundamentada’, quando não se está a par do progresso atual do assunto? Segundo o diretor, seria razoável que o juízo sobre o assunto fosse confiado à Comissão Julgadora, composta por especialistas na matéria em concurso.



Por um lado, a Comissão deveria possuir conhecimentos aprofundados da disciplina em concurso, e por outro lado, o parecer poderia ser rejeitado por três quartos dos votos dos membros da Congregação que assistiram às provas. Esses membros, por sua vez, poderiam rejeitar o parecer, e tal ação poderia estar baseada em outros aspectos que não a idoneidade profissional do candidato, uma vez que a área de especialidade define os campos do entendimento acerca do assunto, não sendo possível a todos os catedráticos articular todas as áreas, como bem confessou o diretor.

Ora, se muitos que ali estão não possuem conhecimentos aprofundados sobre o assunto, quando votam o parecer, o fazem com que intuito? Como separar o juízo acerca da disciplina em concurso, de um juízo de outra ‘natureza’? Como se produzem vocações? Com juízos alheios aos que se referem ao mérito do candidato? Sustentam-se, então, de que forma? O regulamento proporciona a brecha, ou seja, aquilo que se proclama pode não ser o que se faz, desde que se diga que se fez o que foi proclamado, ou seja, desde que se justifique de acordo com o Regulamento.

O Regulamento propunha examinadores com conhecimentos aprofundados, ou seja, capazes de dominar um assunto especializado, aquele que se refere a uma disciplina.



Os enunciados que os candidatos pronunciaram deveriam estar em consonância com os esperados pela Banca. A variação permitida era a nota de 0 a 10 para todas as provas. A disciplina precisa dirigir-se a um plano de objetos bem determinados, condição essa perfeitamente estabelecida para o ensino de Cálculo no início do século XX nos cursos de Engenharia no Brasil.



Na alegação, o requerente acusa dois membros da Banca de não terem fundamentado o Parecer, mesmo diante da divergência que surgiu acerca da decisão. Abaixo vem a defesa referente à Comissão Julgadora. É interessante notar como o ser busca um lugar que está sempre na ordem do parecer , até que, em um dado momento, aquilo que ‘parecia’ adquire a forma do ‘ser’.



Afinal, Camargo foi indicado à posição de professor catedrático. O julgamento da Comissão não foi capaz de exercer a ‘ciência’ do julgamento? Como identificar o Parecer ao ser? A partir do pedido de anulação, o julgamento da comissão passa a ser julgado e a decisão é transferida para outro âmbito. O resultado, então, fica a depender da análise jurídica. Nesse ponto, destacamos o efeito retroativo do Parecer marcado por nós como o significante-mestre (Zizek,1992) aquele que forneceu o estatuto de ‘ser’ ao ‘parecer’ do Parecer; apesar do ‘parecer’ apenas parecer ser, por efeito retroativo e institucional, ele agora ‘é’ parecer. Esse é o momento privilegiado da transubstanciação do valor de troca em valor de troca-signo.



A anulação, objetivo de Omar Catunda, foi refutada pela direção, com base no Regulamento (1932) e no Regimento da Escola (1931). Para tanto, foi necessário esboçar o parecer do Concurso em questão, expor o que disseram os membros da Banca, tanto a maioria quanto a minoria.



A direção expôs o que a minoria da Comissão concluíra, além de argumentar sobre o assunto requerido, isto é, o fato de os dois membros (parte da maioria) da Comissão não terem justificado o Parecer. A minoria discordava de que tanto Camargo quanto Catunda estivessem à altura do cargo em concurso e, justamente por ser a minoria, deveria se conformar com o resultado, tal como fez, mas não sem constrangimento.



A maioria, por sua vez, produziu a classificação, sem, no entanto, considerar a necessidade de justificar, já que a justificativa não era exigida por norma regimental.



Se a opinião da minoria tivesse prevalecido, então a vaga não teria sido preenchida, não haveria nenhum vocacionado para assumir a cátedra. Como a maioria e o Interventor Federal (1938) foram de opinião favorável a Camargo, ele foi consagrado como capaz de assumir a cátedra.



A nomeação marcou o encerramento das várias batalhas, marcou o vencedor, marcou o reconhecimento acadêmico. O Parecer é finalmente identificado ao ser e, com a assinatura do governo, resolveu-se a questão. Enfim, tinha-se alguém na posição destinada às vocações científicas.





Matemática enquanto ‘constructo’ ético



Ressaltamos por ora que os dois exemplos que pudemos dar, se não são suficientes para se comprovar a tese da Matemática enquanto ‘constructo social’, por outro lado ilustram um princípio de reflexão necessária nessa direção que nos colocamos sobre o compromisso de cosntruí-la junto a essa Comunidade de Educação Matemática. Demarcamo-nos do modo de pensamento que entendemos ser o que chamamos de ‘positivismo’, portanto não esperamos que dois ou qualquer outro número de exemplos, por maior que possa ser o ‘controle estatístico’, sirva como critério de ‘verdade’. Ressaltamos que se trata de ilustração, para aquilo que buscamos de um modo mais sistematizado em teorias que se encontram disponíveis, as quais por ora nos associamos.

Estamos falando de teorias que, para além da demarcação do modo ‘positivista’ de pensar-agir, demarca-se do que entendemos ser a ‘metafísica’; opomo-nos com Pascal, dito por Zizek (1996): “... a interioridade de nosso raciocínio é determinada pela absurda ‘máquina’ externa – o automatismo do significante, da rede simbólica em que os sujeitos são apanhados.” (p.318).



O que procuramos ilustrar é que a Matemática, muito longe de se constituir à base de ‘descobertas’, constitui-se como um ‘constructo ético’: “O que chamamos ‘realidade social’ é, em última instância, um constructo ético; sustenta-se num certo como se (agimos como se acreditássemos na onipotência da burocracia, como se o Presidente encarnasse a Vontade do Povo, como se o Partido expressasse o interesse objetivo da classe trabalhadora etc.)” (Zizek, p. 318).



Esse ‘constructo ético’ se dá segundo o que Zizek identifica como sendo a conhecida ‘dialética do senhor e do escravo’, adaptada aqui por nós: um louco que se diz Examinador, não é mais louco do que um Examinador que se diz Examinador. Estamos falando daqueles que se sentem como tal fora da relação com aqueles assujeitados às normas de reconhecimento.



No segundo caso, parece-nos evidente a identificação da constituição do código de prestígio daquele que é considerado em condições de produzir aquilo que se considera como sendo ‘Matemática’. No caso de Desargues destacamos que este sofreu com procedimentos de exclusão, no sentido de Foucault (2000, p.9): “Sabe-se bem que não se tem o direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim, não pode falar de qualquer coisa”, sendo que, quando isso ocorre, o sujeito é submetido aos processos de interdição. Ou seja, embora Desargues não tenha passado pessoalmente por tais mecanismos de reconhecimento, o teorema que leva seu nome, não sem razão de ser, só entrou para a história como ‘Matemática’ pelas mãos de quem passou por tais mecanismos de controle: Poincelet.



Consideramos necessário ainda dizer que tais mecanismos que se efetivam ‘como se’ o Parecer fosse o Ser ‘parecer’ não são por si ‘patológicos’, como se fosse possível atingir tal ser (ideológico) por outros mecanismos; não estamos propondo sua substituição. Apenas queremos dizer algo sobre isso: “A lição a ser extraída disso no tocante ao campo social é, acima de tudo, que a crença, longe de ser um estado ‘íntimo’ e puramente mental, é sempre materializada em nossa atividade social efetiva: a crença sustenta a fantasia que regula a realidade social”.

E concluímos por ora: “Os sujeitos já não acreditam, mas as coisas acreditam por eles”. (Zizek, 1996, p. 317).





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http://www.brasil.indymedia.org/pt/blue/2003/09/262325.shtml





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Obs.:



“Um verdadeiro exemplo de tese pós-"muderna" prolixa (ou pró-lixo) salpicada com jargão de autores como Baudrillard, Lacan e Foucault, que tenta associar um acontecimento prosaico (a reprovação de um candidato em um concurso público) com a matemática.



Exemplo:



"A Matemática, muito longe de se constituir à base de `descobertas , constitui-se como um `constructo ético ... [e que se dá segundo] a conhecida `dialética do senhor e do escravo ..."



Foi pautada naquela idéia meio lisenkoísta de que toda ciência traduz um discurso ideológico: "...todo discurso é social; o indivíduo é uma estrutura social; e o intelecto - mente, consciência, aparato cognitivo - é uma estrutura social".



Quanta verba pública está sendo desperdiçada financiando inutilidades como essa?



Fernando Mendes”







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