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Artigos-->MUTATIS MUTANDIS - IDAS E VINDAS DA HISTÓRIA EM 2003 D.C. -- 02/09/2003 - 01:34 (Carlos Frederico Pereira da Silva Gama) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


"O poeta está vivo

Com seus moinhos de vento

A impulsionar

A grande roda da História" (Barão Vermelho, "O Poeta Está Vivo, 1990)



Anos atrás, curioso fenômeno foi verificado, em escala variável, nos quatro cantos do mundo: a chegada do ano 2000 (confundida por muitos com a chegada do Terceiro Milênio, esse só mesmo em 2001). Para muitos, os três zeros após o 2 marcaram o início de um novo tempo - de Paz, progresso e muitas novidades. As soluções para as mazelas presentes seriam encontradas de bom grado (o outro lado da moeda desse otimismo irrestrito: alguns tomaram o ano 2000 como prenúncio do Juízo Final, o que já havia ocorrido, por sinal, no ano 1000). E coisas surpreendentes se seguiriam. Esperava-se o impossível, em todos os campos da atividade humana (coisas tais como a cura do câncer etc.)



Transplantemos esse fenômeno notável para o campo da Política Internacional. Num tal contexto de otimismo irrestrito, o que poderíamos esperar do futuro? Certamente que um Estado Palestino independente e viável (as conversações de paz avançavam num ritmo surpreendente, inobstante os percalços de sempre). O florescer de uma era de paz e cooperação entre as nações (uma vez que fosse vencida a crise econômica de então), sob a égide da ONU (e de um Conselho de Segurança condizente com o século XXI), na qual os Direitos Humanos, o Desenvolvimento e a proteção do Meio Ambiente fossem carros-chefes. Uma União Européia cada vez mais relevante no cenário internacional e fortalecida em suas bases. A superação das clivagens ideológicas (lembrem-se, vivíamos o auge da onda da Terceira Via com Blair e Schroeder na Europa e...FHC, no Brasil) seria um dos motores de um mundo pacífico e próspero. Quem sabe até mesmo um redivivo Mercosul capaz de se impor às pressões estadunidenses na conformação da ALCA? Tudo isso povoou as mentes não apenas do chamado cidadão comum . Essa série de possibilidades (apenas algumas entre milhões de outras possíveis, mas possivelmente as mais desejadas) também perpassou as mentes de líderes políticos de todos os matizes e encargos.



Seria tentador qualificar esses anseios milenaristas parodiando Mao Tsé-Tung, que um dia afirmou que "tudo que é sólido se desmancha no ar", a julgar pelo início do Terceiro Milênio. Não só essas esperanças e anseios (de resto, nada tão "sólido" como a referência feita por Mao, que remontava às instituições da sociedade capitalista) não foram confirmados, como muitas vezes vem sido negada na sua própria essência. É óbvio que o 11 de Setembro se encaixa perfeitamente como reforço da frase de Mao, e não apenas ele. O processo de paz israelo-palestino desaguou na segunda Intifada, conduzindo um de seus artífices involuntários, Ariel Sharon, à chefia do estado israelense. Ehud Barak pagou com sua carreira política pelo insucesso das negociações de paz em Camp David, no apagar das luzes (metáfora significativa sobre a atual liderança estadunidense) da era Clinton. A Terceira Via foi virtualmente sepultada e hoje Tony Blair é associado não a uma alternativa de liderança econômico-política, dentro e fora da Europa, mas ao colaboracionismo mais extremo e incondicional com os ditames de Washington (haja visto o episódio David Kelly, deixando claro que, para Blair, a própria cabeça vale menos que a aliança com Bush) que, esvaziado de qualquer autonomia e cada vez menos relevante para os rumos decididos em Bruxelas. A União Européia agoniza no plano externo (assim como a OTAN, o que não é nada animador - a OTAN já agonizava em 1999), fraturada entre a velha e a nova Europa com base na relação com um estado não-europeu. Longe de ser a demiurga da Paz mundial, a ONU encontra-se em meio ao fogo cerrado, ameaçada na sua eficiência (chega-se a temer por sua sobrevivência) e sendo alvejada por terroristas mundo afora. Faltam-nos adjetivos para qualificar o atual estado do Mercosul (algo que me vêm à mente como similar seria a antiga denominação do Império Otomano em seus tempos de decadência - "o doente da Europa"). Mais que reconstruí-lo seria antes necessário reconstruir um de seus pilares, a Argentina. Não se verificou qualquer avanço significativo no campo dos Direitos Humanos à parte a criação do Tribunal Penal Internacional (e pudemos assistir, atemorizados, a veículos tidos como veneráveis da imprensa ocidental defenderem, aberta ou veladamente, o uso da tortura no pós-11 de Setembro). O Protocolo de Quioto é um desejo distante. A crise econômica grassa no plano internacional, incluindo os países centrais...



Tudo isso dito, ao que tudo indica...realmente a máxima de Mao poderia ser tomada, ao pé da letra, para caracterizar o processo histórico. Entretanto...duas ressaltas. Inicialmente, levemos em conta o horizonte de análise com que lidamos até o presente momento. 3, 4 anos - dificilmente um período suficiente para lançar luz sobre os (possíveis) alicerces das décadas do porvir. Por mais impressionantes (e impressionistas, talvez) que tenham sido os eventos desses primeiros anos! Em seguida...fazendo nova menção a Mao, lembro que lidamos não com fatos nesses 3 anos, tampouco com realidades sociais já sólidas, mas com...especulações? Mais - esperança? Mais ainda - com a utopia! Com algo que ainda não existe, mas que é não só possível - desejável. Não confundamos a "velha senhora vil e traiçoeira" com a irrefreável miríade das ambições e anseios humanos, nem sempre realizáveis, mas sempre imbatíveis no seu papel de impulsionadores da ação humana através dos tempos. Não é o caso de dizer que a História tem razões que a razão desconhece...mais acuradamente devemos entender que não há limites, em verdade, para a imaginação humana. Especialmente quando informada por anseios socialmente construídos, em esferas concêntricas progressivamente maiores, perpassando do plano local ao internacional.



Se os primeiros anos do Terceiro Milênio foram de retrocesso e de frustração das esperanças, não estarão equivocados os cidadãos, os líderes e - por que não? - os poetas em imaginar "outro mundo" para o futuro próximo. Faz sentido, aqui, o mote dos movimentos denominados (erroneamente, na opinião desse que vos escreve) "antiglobalização": "um outro mundo é possível". Seria errôneo creditar, pois, que os anseios do imediato pós-2000 possam realizar-se, eventualmente, no decorrer do presente século? Estamos, nós e os que nos seguirão, convidados a construir esse futuro - ou algum melhor - não apenas pelo entusiasmo momentâneo de uma passagem de milênio. Finalizo esse artigo com a fala do historiador italiano Leo Valiani: "O século XX demonstra que a vitória dos ideais de justiça e liberdade é sempre efêmera, mas que também, se conseguimos manter a liberdade, sempre é possível recomeçar [...] Não há por que desesperar, mesmo nas situações mais desesperadas".

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