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Artigos-->Multilateralismo e Direitos Humanos – Viena, 1993 -- 02/09/2003 - 01:36 (Carlos Frederico Pereira da Silva Gama) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Uma das características mais relevantes das Relações Internacionais hodiernas é o multilateralismo (para alguns, “multilateralismo complexo”). “Agentes internacionais os mais diversos (de Estados a ONGs) debatendo e decidindo os rumos de nosso mundo em áreas as mais variadas”, assim lemos em análises as mais diversas na mídia especializada ou não. Imagem acurada ou distorcida dos acontecimentos internacionais? Esse artigo tem como objetivo elucidar essa questão, através da análise dos trabalhos da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, próxima de completar 10 anos de sua realização.

A II Conferência Mundial de Direitos Humanos, realizada em 1993 na cidade de Viena, refletiu a tensão entre Estados nacionais e ONGs, bem como entre facções dentro de ambos. Inserida no âmbito mais amplo das Conferências Mundiais promovidas pela ONU na década passada – tendo por objetivo galvanizar esforços no interior da própria organização visando promover coordenação entre seus vários órgãos, estabelecendo prioridades comuns no tratamento dos “temas globais” que trespassam as especificidades de cada órgão, garantindo a criação e implementação de medidas efetivas pela própria ONU e seus órgãos, Estados nacionais e diversos tipos de agentes – Viena teve associada a si vários significados:



“ primeiro, rever e avaliar os avanços no campo dos Direitos Humanos desde a adoção da Declaração Universal de 1948, e identificar os meios de superar obstáculos para fomentar melhor progresso nesta área; segundo, examinar a relação entre o desenvolvimento e o gozo universal dos direitos econômicos, sociais e culturais, assim como dos direitos civis e políticos; terceiro, examinar os meios de aprimorar a implementação dos instrumentos de direitos humanos existentes; quarto, avaliar a eficácia dos mecanismos e métodos dos direitos humanos das Nações Unidas; quinto, formular recomendações para avaliar a eficácia desses mecanismos; e sexto, formular recomendações para assegurar recursos apropriados para as atividades das Nações Unidas no campo dos direitos humanos” (Cançado Trindade, 1997: p.119).



A trajetória da II Conferência Mundial de Direitos Humanos, no entanto, diferiria em muito da de suas contrapartes (conferências como a Rio-92 etc.). De início houve problemas relativos à própria organização da conferência (retirada da candidatura alemã, atraso na divulgação do evento pelo Departamento de Informação Pública da ONU). Em seguida, tais problemas acabaram por restringir o escopo das Pré-Conferências, organizadas pela ONU e organizações regionais, tendo sido estas realizadas em datas muito próximas da Conferência de Viena. Isso culminaria, ainda, em problemas na confecção da Agenda Provisória do evento – as Pré-Conferências não lograram consenso a este respeito, cabendo em caráter emergencial ao Comitê Social, Cultural e Humanitário (Terceiro Comitê da Assembléia-Geral) esta tarefa. Não obstante, os trabalhos das Pré-Conferências contribuíram substancialmente para os debates da futura Conferência – especialmente graças à ação das ONGs que, daí em diante, tornariam a II Conferência Mundial de Direitos Humanos uma causa sua.



Representantes de 171 governos e de 1529 ONGs estiveram presentes à Conferência (entre os dias 14 e 24 de Junho de 1993), porém não se mantiveram em contato durante a maior parte do tempo. Os primeiros constituíam o fórum oficial, enquanto que as últimas ficaram restritas ao “fórum paralelo” – o fórum “Todos os Direitos Humanos para Todos” – cujas instalações eram imediatamente abaixo das do fórum oficial. Representantes de delegações governamentais que também eram membros de ONGs mediaram informalmente os dois fóruns. Processos similares ocorreram tanto no andar “de cima” quanto no “de baixo”. Divergências entre governos favoráveis ao reforço dos órgãos da ONU responsáveis pela promoção dos Direitos Humanos e governos potencialmente alvos da ação destes mesmos órgãos eram similares às divergências entre as ONGs com longa experiência de cooperação com a ONU (as que possuíam o chamado “status consultivo” nos trabalhos dessa organização acabariam responsáveis por organizar as discussões no fórum paralelo) e organizações que jamais haviam participado de um encontro na ONU. Não obstante as semelhanças, no “andar de baixo” as controvérsias seriam rapidamente resolvidas, ao mesmo tempo que diversas atividades e eventos paralelos eram organizados (lidando com a situação específica dos Direitos Humanos em determinados países), preocupando e irritando as delegações governamentais no “andar de cima”. Neste último, as controvérsias não seriam solucionadas, gerando extenso impasse no fórum oficial.



Duas questões dominaram a agenda em ambos os “andares”: a universalidade e indivisibilidade dos Direitos Humanos e a criação de um Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos. No “andar de cima” os representantes dos governos embatiam-se sem chegar a consenso sobre a primeira questão. Governos asiáticos e islâmicos argumentavam em favor de particularidades (culturais, religiosas) ou então contra-atacavam os favoráveis à universalidade com argumentos relativos à soberania e ao princípio de não-intervenção nos assuntos externos – como já haviam feito durante as conferências regionais preparatórias para Viena. O Secretariado-Geral da ONU, diversos governos ocidentais e as ONGs, no entanto, eram fervorosos defensores da universalidade – no “andar de baixo”, em que pesem as controvérsias, as ONGs lograram o consenso sobre esse tema. ONGs sediadas em países defensores das particularidades foram singularmente importantes nesse sentido, desafiando a autoridade formalmente constituída de seus respectivos governos. O resultado desse embate foi favorável às ONGs, a universalidade foi reafirmada na Declaração e Plano de Ação de Viena (DPAV), documento final da Conferência.



A defesa pelas ONGs da universalidade e indivisibilidade dos Direitos tem muito a dizer sobre algumas das mais importantes características associadas à Governança Global. Segundo Ono:



“Cada conferência da ONU na década de 1990 facilitou a criação de normas internacionais e determinaram objetivos que ampliaram a tradicional definição de Desenvolvimento. Os trabalhos das conferências demonstraram a emergência de um consenso segundo o qual os desenvolvimentos econômico, social e ambiental são interdependentes e se reforçam mutuamente, sendo componentes do termo hoje popular “desenvolvimento sustentável”...o desenvolvimento somente pode ser sustentado em situações de paz, estabilidade...e respeito aos Direitos Humanos” (Ono, 2001: p. 170).

As ONGs, assim, acabavam por contribuir para a convergência de esforços em nível sistêmico, perpassando as mais diversas áreas temáticas, para que mecanismos gerais de regulação fossem estabelecidos tendo como base o “sistema ONU – contribuindo para a evolução da Governança Global de uma forma mais relevante do que muitos Estados nacionais soberanos.



A criação do Alto Comissariado foi questão polêmica desde sua concepção (1963) por um grupo de ONGs norte-americanas. Nessa época formou-se uma coalizão ad hoc entre as ONGs e o governo da Costa Rica, proponente da medida na Comissão de Direitos Humanos. A coalizão recebeu o “aval” do governo dos Estados Unidos, tornando mais esperançosos seus partidários. No entanto, dentro da CDH a proposta sofreu seguidas “mutilações”, perdendo substância ao mesmo tempo que a política externa dos Estados Unidos mudava de foco durante a Era Reagan. Não surpreende, portanto, que a proposta não tenha sido votada pela CDH até o início dos anos 90. Revivida durante os encontros preparatórios para Viena, a proposta foi imediatamente endossada pelas ONGs de países do Terceiro Mundo, que conseguiram, como suas congêneres americanas em 1963, o apoio do governo da Costa Rica, mediante o qual foi possível convencer os Estados Unidos a patrociná-la. Apesar das pressões das ONGs no ‘fórum paralelo’, os governos não chegaram a um consenso sobre a questão, cuja decisão foi adiada para a Assembléia Geral da ONU do mesmo ano; lá, finalmente, foi criado o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), no entanto, com menos poderes de ação e agenda mais genérica do que as ONGs desejariam.



Podemos concluir que, não obstante o dinamismo dos trabalhos efetuados no “andar de baixo” e a relevância das contribuições contidas no documento final enviado ao “andar de cima”, as ONGs não seriam as vencedoras de Viena. A DPAV, documento final do fórum oficial, refletiu muito mais o impasse e as posições ambíguas dos Estados membros da ONU quanto à controvérsia entre Direitos Humanos e soberania do que a visão das ONGs. Um dos pontos do DPAV conteria mesmo a seguinte frase: “...somente ONGs e seus membros genuinamente envolvidos no campo dos Direitos Humanos devem desfrutar dos direitos e liberdades arrolados na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nas legislações nacionais”. Tal sentença marca, de forma lapidar, a controvérsia entre as ONGs e os Estados – pendendo a balança, no caso, para o lado dos Estados, que aproveitaram, ainda, a divisão entre ONGs “reconhecidas” e ONGs “não-reconhecidas” para seus propósitos. Percebe-se, assim. os limites existentes à ação dos “novos agentes” num contexto internacional no qual os Estados nacionais continuam sendo os principais repositórios de autoridade. Houve algumas vitórias parciais das ONGs – a confirmação da universalidade e indivisibilidade dos Direitos Humanos, a afirmação de que os Direitos da Mulher são Direitos Humanos – mas a ambigüidade e propostas genéricas acabaram por prevalecer no DPAV. E mesmo as escassas vitórias das ONGs se converteriam em “vitórias de Pirro” poucos anos depois, quando os Estados não se engajariam suficientemente na implementação das propostas acordadas em Viena.

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