Muito comum em nossos dias é a utilização de livros militares para obtenção de estratégias empresariais. Gestores de todo o mundo passaram a se interessar grandemente pelos ensinamentos de guerreiros tais como Sun Tzu e os samurais japoneses. Nesse texto, analisaremos à luz do mundo dos negócios os ensinamentos de um mestre ocidental da estratégia militar, o prussiano Carl Von Clausewitz, considerado o “Pai” da moderna ciência da Guerra. Vejamos, inicialmente, no que consiste a guerra e em quais aspectos ela assemelha-se ao mundo dos negócios.
A guerra é o resultado do conflito que não pôde ser resolvido por meio de um debate e que se agudizou a ponto de ensejar a imposição da vontade de um dos envolvidos e, no limite, a eliminação física de um dos envolvidos. A guerra envolve fatores objetivos (portanto racionalizáveis) e subjetivos. Esses últimos podem derivar da influência de emoções e paixões suscitadas por comunidades e organizações sociais, ou mesmo derivar dos desejos e objetivos de uma só pessoa ou grupo dominante. Papel fundamental cabe à tarefa do planejamento, responsável pela definição da estratégia a ser implementada por cada envolvido.
O conflito no mundo dos negócios, apesar de não derivar de uma “impossibilidade de solução das controvérsias via diálogo”, também incorre na imposição da “vontade” (ou seja, no atingimento das metas) de um dos envolvidos, podendo no limite significar o desaparecimento de facto de um dos envolvidos (falência, perda de posição dominante no mercado, custos proibitivos para permanência no mercado). Também estão entrelaçados fatores objetivos e subjetivos, tanto ou mais que na guerra. O planejamento estratégico, assim, reveste-se de importância similar, no mundo dos negócios, à que possui no mundo da guerra.
A guerra e os negócios se parecem, inicialmente, pelas suas motivações: a guerra se inicia geralmente para obtenção de uma posição mais favorável, para obter vantagens ou para não perder estas últimas. Não há como não pensar que o mesmo se aplique ao mundo dos negócios. Mas não limitemos as semelhanças ao campo das motivações. Tanto na guerra quanto nos negócios podemos notar um conjunto de condições genéricas (“ambientais”) que as aproximam: disponibilidade limitada de recursos (sejam estes humanos, econômicos ou “de força”, no caso específico da guerra); incerteza a respeito do comportamento, disponibilidade de recursos e intenções dos adversários; compromisso irreversível dos recursos; necessidade de coordenar ações a distância e no tempo correto; incerteza quanto ao controle da iniciativa; natureza fundamental da percepção recíprocas entre os adversários; certeza da reação por parte do adversário a qualquer ação efetivada; dependência estreita da quantidade e qualidade da informação obtida. Na guerra, força e inteligência caminham juntas (Alber, Kenneth. 1984: pag. 100). Ambas são meios, veículos para a realização de determinados objetivos. Isso é igualmente válido para o mundo dos negócios.
Buscando respostas para as questões que são apresentadas aos gestores na atualidade, analisaremos a obra de um mestre da estratégia militar – Carl Von Clausewitz em seu ensaio sobre Napoleão e a invasão da Rússia no ano de 1812 – contendo lições atemporais que podem ser muito úteis ao mundo dos negócios.
Carl Von Clausewitz militar e patriota prussiano, participou ativamente do contexto político de sua época. Contemporâneo do imperador francês Napoleão, assistiu à conquista francesa da Europa que culminou, no ano de 1812, com uma aliança entre França e Prússia (desvantajosa para essa última) em oposição á Rússia (última “fronteira desbravada” para a ambição de Napoleão na Europa). Discordando da posição do imperador prussiano de então, Clausewitz, juntamente com um grupo de amigos de mesma convicção política, deserdaram e foram servir o governo russo na defesa contra a invasão que estava prestes a ocorrer.
Trabalhando para os russos, Clausewitz pôde perceber um pouco de tudo que, numa primeira impressão, tornaria impossível uma campanha bem-sucedida contra um inimigo sabidamente superior. Confusão extrema no processo decisório – o Imperador Russo quis comandar suas tropas no front, sem jamais tê-lo feito anteriormente, passando a depender grandemente de seus subordinados (estes, por sua vez, variavam entre teóricos da guerra que jamais estiveram num campo de batalha a homens de armas experientes, mas desprestigiados junto ao Imperador, passando por “raposas da política” que se utilizavam da oportunidade para auferir ganhos junto ao Imperador, sem que contribuissem de fato para a melhoria das condições de luta dos russos); espiões ineficientes que traziam informação imprecisa e defasada; tropas mal-treinadas, reunidas às pressas e submetidas a condições degradantes no front, lançadas contra um inimigo altamente treinado e coeso ideologicamente, além de altamente motivado pelo rolo compressor de vitórias pregressas; desconfiança dos russos em relação aos alemães (que falavam mal a língua nativa, eram estrangeiros e mais, “traidores” do seu imperador); miríade de cenários antevistos, sem qualquer certeza sobre sua probabilidade dada a má qualidade e insuficiencia das informações; estrutura deficiente de logística; movimentação lenta dos efetivos; descontinuidade do comando.
O planejamento russo de lutar com os franceses em determinados pontos tornava-se, fruto de tudo mencionado nas linhas anteriores, uma estratégia de recuo puro, com os franceses conquistando grandes porções do território russo sem luta. Assim, logicamente, imaginavam os franceses que, uma vez conquistada a capital russa, Moscou, a luta estaria encerrada automaticamente. Não imaginavam, porém, os franceses, que Moscou seria incendiada a mando do czar e que os franceses não teriam a sua desejada paz dos vitoriosos. As condições rigorosas do inverno russo, a falta absoluta de víveres para abastecer o exército francês em Moscou (a logística de Napoleão não contava com uma possibilidade tão “impensável” como o incêndio pelos russos de sua própria capital!) ensejaram a retirada dos invasores. No decorrer desta, as tropas russas (enfim) iniciam uma série de ataques pontuais. O exército de Napoleão, que invadira a Rússia com 420 mil homens, consegue sair do país com menos de 40 mil deles e sem qualquer ganho. A malfadada invasão á Rússia seria o início do ocaso do poder francês na Europa. Em 1815 Napoleão era vencido e aprisionado por uma coalisão européia. Como explicar a derrota francesa, segundo o pensamento de Clausewitz? E quais lições podem ser, daí, retiradas para o mundo dos negócios?
Para o estrategista prussiano, a estratégia não podia ser resumida a uma fórmula. O planejamento detalhado necessariamente falhava, dado as inevitáveis fricções encontradas: o acaso que intervém, imperfeições na execução das ordens dadas, a autonomia de ação do inimigo. Ao contrário, os elementos humanos (subjetivos) eram sumamente decisivos: liderança, moral e a quase instintiva excelência dos melhores generais. O bom estrategista, assim, é aquele que não espera que um plano de operações sobreviva ao primeiro contato com o inimigo. Ele estabelece o mais amplo e genérico conjunto de metas e enfatiza o aproveitamento de oportunidades imprevistas, quando estas surgem. A estratégia, assim, não era um plano extensivo de ação e sim, a evolução de uma idéia central através de circunstâncias continuamente mutáveis.
Exemplos da campanha de 1812 que corroboram essa visão de estratégia: a complexidade do processo decisório russo acabou por desmantelar qualquer pretensão a uma estratégia minuciosamente detalhada, redundando (inesperadamente) numa estratégia ad hoc, consensual, constantemente reatualizada, finalmente vitoriosa; o inesperado teve papel fundamental na vitória russa (incêndio de Moscou) – e ele jamais poderia ter sido concretizado sem o engajamento do povo russo (capaz de suportar essa privação, dentre outras), a capacidade dos generais russos e alemães (capazes de “segurar” seus soldados para que estes não lutassem até que os franceses iniciassem sua retirada) e a liderança do czar, tido como “louco” na Europa ao optar pelo incêndio e sustentá-lo independentemente da opinião de seus assessores; especialmente, a quebra do sistema de logística francês via “utilização favorável do ambiente” russo (inverno rigoroso) e via incêndio de Moscou permitiu aos russos a virada e a consequente vitória, em que pesem a informação deficiente e o tempo precioso que foi perdido no complexo processo decisório russo. Papel importante teve, igualmente, a retórica inflamada dos comandantes russos e do próprio imperador, motivando a população e os soldados a defender sua “Mãe Rússia” com todas as forças até a vitória, sem qualquer possibilidade de fracasso, mesmo contra um inimigo aparentemente invencícel. Ainda, o fato dos generais alemães terem se “adaptado” tardiamente ao ambiente russo explica boa parte do sucesso tardio da estratégia contra Napoleão.
Traduzindo essa concepção da estratégia nos termos da campanha de 1812 (e em lições para o mundo dos negócios), temos que:
· O processo decisório no seio de uma organização deve buscar o consenso sempre que possível, ainda que as estratégias variem no tempo. Caso o consenso não seja atingido, o próprio “andar da situação” forçará inevitavelmente todos a concordarem sobre o que deverá ser feito, havendo perda de tempo e esforços consideráveis. O consenso é importante porque este diminui as imperfeições da implementação e poupa tempo e esforços, importantes para outras etapas do planejamento estratégico.
· No entanto, elementos de liderança jamais podem ser dispensados. Numa situação crítica, o encarregado de decidir deverá fazê-lo sem hesitar e deverá convencer os demais da correção da decisão tomada (exemplo do incêndio de Moscou).
· A motivação dos profissionais de uma empresa deve ser mantida mesmo nas situações mais críticas. Ela é fundamental para o sucesso de “manobras decisivas” como o incêndio de Moscou e a estratégia de “contra-ataque” russo. O engajamento dos profissionais de uma organização é um de seus maiores “recursos de força”.
· A chamada “cultura organizacional” é um fator que pode bloquear a adoção de estratégias bem-sucedidas por “desconfiança” quanto aos “recém-chegados” na empresa. Estes, portanto, devem buscar o quanto antes acelerar sua “adaptação” e construir um “chão comum” com os demais funcionários.
· A análise de cenários é etapa importante do planejamento estratégico, mas depende sobremaneira da qualidade e quantidade de informação adquirida.
· Estabelecer expectativas quanto ao comportamento do adversário é outra tarefa de suma importância e que torna-se mais acurada à medida que mais sabemos sobre o “ambiente de luta” (conhecimento do mercado) e sobre os recursos do adversário (importância da informação);
· Logística é um dos núcleos do planejamento estratégico. Mais que simplesmente edificar uma estrutura eficiente, o bom gestor deve ensejar situações nas quais a estrutura de logística do adversário seja quebrada ou inviabilizada;
· As posições de comando demandam auto-crítica e constante reavalização. Diversas idéias dos comandantes russos e alemães, que não foram discutidas nem sujeitas a crítica, se adotadas levariam à ruína a possibilidade de vitória russa. Felizmente a complexidade do processo decisório, nesse caso, impediu que tais medidas fossem adotadas.
· O conhecimento do gestor é construído. Ele aprende no tempo, incorporando uma série de idiosincrasias pessoais. O conjunto assim formado, por vezes, pode ser a diferença entre a vitória e a derrota na guerra e nos negócios (a influencia dos “fatores humanos não racionalizáveis” apontada por Clausewitz)
· Teoria e prática devem ser sempre integradas, senão a organização andará “às tontas”, “ao sabor do vento”, dependendo grandemente de fatores externos para vencer.
Enfim, tem-se que Clausewitz, analisando a guerra contra um inimigo superior (Napoleão), demonstrou que nada está decidido até que se iniciem os confrontos. O planejamento estratégico acurado é capaz de mudar a correlação de forças e ensejar vitórias aparentemente impossíveis. No entanto, este possui características bastante peculiares, analisadas nas linhas acima.
BIBLIOGRAFIA
ALBER, Kenneth. Manual De Administração Estratégica. México: McGraw-Hill, 1984.
CLAUSEWITZ, Carl Von. A Campanha de 1812 na Rússia. Brasil: Martim Fontes, 1994.