Ouvidos refratários à corrigenda pontiaguda, percebo que o intruso rosna, braceja e tem dentes. Por ele passo, meus passos. E caminho, e me arrasto, direção obtusa, até estacionar no descampado, sem risco. Nada me faz vista, nem mesmo uma etiqueta pendurada no dedão do pé, com os dizeres: "Aqui repousa o ser esmaecido, na busca da certeza sua". Enquanto isso, as pedras, mudas de todos os tempos e ânimos, avisam: "Se é para lutar e espernear, mire-se em nós, concretíssimas e cimentadas". Mas bem sei que coisas há que, de insistentes, perfuram rochas e são absorvidas a custo, sobrepondo-se ao caráter. Cumprimentos, gestos e salivas me acorrem, e como por encanto não vociferam, apenas insinuam, como que soprando o dito. Depois da tempestade, o sangue me bebe o fôlego e acabo assinando minha rendição sem nenhuma lágrima de arrependimento, cônscia de que meu prêmio de consolação serão os remansos costumeiros. Enfurno-me nesses meandros assim sem dar presença, figurinha repetida, pensamento sem lembrança. E não me venha ninguém admoestando-me de meus rigores! Meio-doida, lanço mão de meias-palavras, repisando com gosto uma trilha pontuada de reticências. Não vou dormir com essa dúvida, não vou alterar meu ritmo cardíaco, não vou me entregar a um e só pensamento, não vou presentear nada nem ninguém com meu descontrole. Este momento, reaconteça-me nas primeiras horas de amanhã, e eu estarei armada com todo o sentir do hoje. Remoendo, ruminando, gerundiando, arrisco a pôr a cabeça para fora e avisto na última curva o desaparecimento do meu ideal pétreo. Mas a verdade me vem, pontualíssima: "Tire a máscara"! Brinco de esconde-esconde com o manequim lívido que, da vitrine a que se condena, espia minha alma. Reboa o espectro: "Tire a máscara"! Converso com meus olhos refletidos no manequim, imploro-lhes a mercê de me atrasar quinze minutos no relógio, na tentativa de desfazer e recomeçar o alinhavo. "Não, respondem-me eles surdamente, nesse espetáculo não há tempo para ensaio, tudo se faz pronto e acabado. Assim é".