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Artigos-->Seja leve, Maria Rita! -- 12/10/2003 - 14:14 (Stênio Dias Ramos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
"Você me viiiiiiu...pois é, eu reeeeparei..."

("Cupido",de Pedro Lins,filho de Ivan Lins. Última música do CD de Maria Rita, ex-Mariano,ex-Regina)



Começo esse texto, na verdade, colocando minha preocupação com o que certas pessoas chamam de "renascimento da MPB" no ano presente, alavancado pelo sucesso de Maria Rita, filha de Elis, a Regina, primeira e única. Para início de conversa, vale ressaltar que não sou da geração que viu Elis no palco ou que acompanhou o frisson da espera pela gravação de seus discos,e não participei desse momento histórico pelo fato de que tinha apenas pouco mais de 1 ano quando ela faleceu. Isso colocado, lembro então do que acontece nesse ano de 2003 em relação á sua filha. Todo o maravilhamento, toda a curiosidade...será que tudo isso tem uma boa razão de ser?

Vou começar a responder essa questão ressaltando a minha própria experiência: passei o fim de semana com amigos da geração que viu Elis ao vivo e que continuam até hoje como grandes apreciadores da MPB. Na falta de modelos populares atuais, buscam agora os mais "sofisticados", os que poderiam continuar a tradição de Tom Jobim e João Gilberto ou das grandes cantoras (notem bem o uso da palavra "tradição"...). Pois bem, o assunto entre eles não era outro: como Maria Rita se parece com a mãe,mal posso esperar pelo especial da Globo á 0:30,etc,etc...; vou para a loja de discos da Paulista,um senhor pergunta do disco; vou para outra no Centro Velho, um cara que nem deve associar a filha á mãe me diz: "P****, essa mulher canta pra c******!".Aí me pergunto:o que está acontecendo? O que ela tem de especial? Daí resolvi ouvir seu disco. E fiquei de queixo caído. Não consigo tirar sua voz da cabeça desde então. E costumo confundir as duas, quase o tempo todo, pra ser mais exato. Outro amigo meu, desses de faixa etária mais elevada, diz que nem está ouvindo o disco para não sentir as coisas que lhe vem á cabeça quando a ouve: as lembranças da "matriarca da voz", as perspectivas da carreira de Maria Rita,passado e futuro se misturando...(exatamente como escreveu Otávio Frias no caderno "Ilustrada" da Folha de São Paulo desta segunda última). É como se todo esse tempo sem Elis (mais de 20 anos!!) fosse completamente apagado. Daí vem minha principal preocupação.

Me vêm á cabeça um artigo escrito por Luís Antônio Giron no último mês de julho numa revista de alta cultura, entitulado: "A MPB acabou". Me lembro, também, de ter concordado com cada linha do que ele escreveu. Segundo ele(e também segundo a mim, também tenho o direito de pensar e ter opinião sobre o assunto, não é mesmo?),a MPB acabou para o propósito ao qual foi introduzida no inconsciente coletivo na décade de 60, a era dos grandes festivais, das grandes manifestações de massa pela liberdade de expressão artística, por alguns motivos: primeiro, a MPB se desconectou COMPLETAMENTE do popular, a ponto de alguém identificado como MPB ser considerado um artista da elite.Pergunte a alguém dos extratos mais populares o que conhece de Caetano Veloso além de "Sozinho" ou além das outras que tocaram nas novelas?; segundo, a música brasileira de hoje também pode ser considerada de qualidade inferior a de sua época "áurea", se bem que é uma injustiça jogar todo o peso da história nas costas de um artista jovem, mas é isso o que geralmente acontece, matando cedo algo que poderia criar uma novidade ou algo mais palatável; terceiro, os "medalhões" que sobraram (com exceções...) se mostram preguiçosos e/ou reacionários quanto á sua música e a dos outros. Daí sua "aparição" pública ser tão celebrada por essas pessoas que só esperavam por alguém para salvar a lavoura e deixar todos os vícios da MPB intactos.E esse alguém teria de preencher os seguuintes requisitos básicos: ter sucesso,reconhecimento e aceitação populares (isso ainda está a caminho)aliado a uma sofisticação técnica que o padrão "MPB" exige (entonação vocal adequada,apuro na escolha do repertório,arranjos "sem buracos",etc), algo que não era preenchido recentemente por ninguém, pois sempre algum desses requisitos acaba por faltar, principalmente no caso das cantoras. Ou a fulana tinha sucesso popular, mas não tinha sofisticação, ou o povo já ouviu falar, mas não ouviu sua música, entre vários problemas.

Tais problemas foram percebidos até por críticos apreciadores de MPB.No caso, vou entrar no que Pedro Alexandre Sanches,colunista fixo da Folha, considerou da estréia de Maria Rita em disco. Fora de todo o encantamento, ele considerou que muito do repertório que ela escolheu para o disco seria também escolhido pela mãe (Milton Nascimento, Rita Lee), e que isso não é de todo bom, pois perpetuaria exatamente aquele pensamento de que Maria Rita seria apenas um "apêndice" da mãe,que seria só ela imitar a Elis direitinho que tudo estaria bem. Mas o ponto positivo é o da brecha que ela abriu para Marcelo Camelo, da banda Los Hermanos. Assim, aproxima o (pouco) que o pop/rock atual tem de bom (antes,os "apreciadores" de MPB nem sabiam de que se tratava o Los Hermanos, ou o tratavam com desdém graças á "Anna Júlia", agora já se interessam em saber que banda é essa) dessa que seria a casta da boa música nacional. Há um perigo, contudo, de que se crie um novo "clã MPBístico" (Marcelo Camelo até se parece com o Ivan Lins do começo,não é mesmo?), feito por filhos do clã anterior e seus protegidos, mas o caminho está aberto. E há uma esperança de que se perpetue o que seria VERDADEIRAMENTE a boa múisca brasileira.

Há uma frase já tornada célebre em que Elis teria dito algo sobre Maria Rita no sentido de que teria de ser "leve" na vida. Bom, ela não disse que ela teria de ser assim também na arte... Maria Rita ainda carrega, enfim, todo esse peso histórico nas costas. E só vai conseguir se desvincilhar dele olhando pra frente. Ela tem todas as condições de se tornar uma intérprete para ser lembrada com a "cantora maior da geração 00" (ou dos anos Lula, como alguns desgostosamente gostam de chamar). É só deixarem ela ser o que mais deseja:leve. E que leve consigo a todos nós. Como a mãe? Não, como ela mesma.

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