A comemoração do 25.º aniversário do pontificado de João Paulo II - o polonês Karol Wojtyla, eleito papa em 16 de outubro de 1978, quando era arcebispo de Cracóvia - servirá de oportunidade para que os cardeais, reunidos em Roma, reflitam sobre temas cruciais para a Igreja Católica.
Durante quatro dias, a partir de hoje, até a tarde de sábado, o Colégio Cardinalício ouvirá seis conferências sobre temas como a união dos bispos com o sucessor de Pedro e "os 25 anos de um pontificado a serviço da paz".
As celebrações, que deveriam encerrar-se no domingo, com a beatificação de madre Teresa de Calcutá, se estenderão até o dia 21, quando o papa presidirá um consistório para a nomeação de 30 novos cardeais.
Há muito a comemorar. Em um dos pontificados mais longos da história - só é menor que os de Leão XIII, de Pio IX e do apóstolo Pedro -, João Paulo II contribuiu decisivamente para transformar o cenário político do mundo, assumiu com mão firme e palavras inequívocas a defesa da doutrina da Igreja e empreendeu nada menos que 102 viagens a mais de 130 países para confirmar seus irmãos na fé católica. Alvo de um atentado terrorista no Vaticano, vítima de doenças, debilitado pela idade, o papa insiste em levar adiante seu ministério.
"Tudo o que aconteceu no Leste Europeu nesses últimos anos teria sido impossível sem a presença deste papa e sem o importante papel - inclusive papel político - que ele desempenhou no cenário mundial", escreveu em 1992 Mikhail Gorbachev, o líder soviético que, com a perestroika, derrubou o socialismo na União Soviética. Antes da queda do Muro de Berlim, em meio à derrocada do bloco comunista, a Polônia fez uma transição pacífica para a democracia, em abril de 1989, oito anos após a vigência da lei marcial e da repressão ao sindicato Solidariedade, que custaram dezenas de mortes.
As mudanças se aceleraram na Polônia a partir da primeira de nove viagens que Wojtyla faria à sua pátria. "Não é possível entender a história da nação polonesa sem Cristo", advertiu o papa em Varsóvia para uma multidão de compatriotas que foram ouvi-lo, comovidos e orgulhosos, em 2 de junho de 1979. O primeiro papa eslavo da história - e o primeiro não-italiano em quase 500 anos - falava com determinação e fé. E com a experiência pessoal que se confundia com o sofrimento de sua pátria. "Os dois sistemas totalitários que marcaram tragicamente o nosso século, eu os pude conhecer, por assim dizer, por dentro", diria o papa em outra ocasião, referindo-se ao nazismo e ao comunismo que se instalaram sucessivamente na Polônia, durante mais de 50 anos.
Com a autoridade de chefe espiritual de mais de 1 bilhão de fiéis, João Paulo II vem lutando pela paz desde sua eleição. Da mediação na disputa entre Argentina e Chile pelo Canal de Beagle, em dezembro de 1978, até os esforços empreendidos pela diplomacia do Vaticano para evitar a guerra no Iraque, no início deste ano, o papa nunca deixou de lutar pela paz. Com esse objetivo, reuniu-se com Yasser Arafat e com representantes do Estado de Israel; recebeu presidentes dos Estados Unidos e o então ministro soviético de Relações Exteriores, Andrei Gromiko; estabeleceu laços diplomáticos com países que, como Inglaterra e Suécia, haviam se afastado da Santa Sé na Reforma Protestante.
O papa Wojtyla levou adiante as mudanças do Concílio Vaticano II, do qual havia participado, mas coibiu tendências, propostas e movimentos que, a seu ver, contrariavam a doutrina tradicional. "A idéia de Jesus político, revolucionário, o subversivo de Nazaré, não está em harmonia com o ensinamento da Igreja", advertiu aos bispos latino-americanos na Conferência de Puebla, numa clara referência aos adeptos da Teologia da Libertação. No mesmo discurso, usou 12 vezes a palavra "libertação", numa mensagem clara de que se deve defender a justiça social, mas nos limites da ortodoxia.
Peregrino persistente, o papa considera suas viagens uma missão pastoral.
Visitou países de maioria católica, como o Brasil, onde esteve por três vezes, mas também terras nas quais os cristãos têm presença meramente simbólica. Seus discursos e homilias são lições de catequese que têm alvo mais amplo, universal. À voz de Karol Wojtyla acrescentam-se dezenas de encíclicas, mensagens e cartas apostólicas que enriquecem o magistério da Igreja Católica. Em seu longo pontificado, João Paulo II deu à presença e à missão da Igreja no mundo um sentido renovado de união, com base em valores teológicos perenes, conservadores, sem se afastar, no entanto, da sua constante preocupação com a justiça social e dos esforços para promovê-la para além de quaisquer fronteiras.
NOTA: O Editorial
O PONTIFICADO DE JOÃO PAULO II, foi publicado na Edição N.º 40.174, Ano 124, do jornal
O ESTADO DE S. PAULO/Notas e Informações, Quarta-feira, 15 de outubro de 2003, Página
A3.
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LUIZ ROBERTO TURATTI.