Quase sempre, nos finais de semana, gosto de sentar-me, na posição de lótus, em cima de minha cama, colocar algumas gavetas à minha frente e começo a pôr em ordem o seu conteúdo: sutiãs, calcinhas, camisolas, pijaminhas... São tantos, que nessas pequenas arrumações é que percebo que a maior parte ainda nem foi usada. E fico a admirar as minhas roupas, como se fosse uma gaveta de bebê. E até parece! Costumo pôr um sachê de alfazema e as peças adquirem um aroma, suavemente perfumado.
Mas, na realidade, comecei este "continho" para dizer outra coisa. Só não resisti a contar-lhes que as minhas roupinhas "de baixo" são deliciosamente perfumadas.
Minha atenção, mesmo , é para uma outra gaveta: a de algumas pastas, com guardados antigos. Só que é um recipiente quebra-galho, onde guardo um pouco de cada coisa. Bisbilhotando a papelada, fui dar com um papel já amarelado pelo tempo.
Era, nada menos, do que um pequeno bilhetede de um namoradinho do tempo da Universidade. Éramos da mesma série, só que ele cursava História e eu Letras.
Sempre à saída, ele me acompanhava até o ponto do ônibus. Tempo gostoso, aquele... Ainda adolescência...
Mas nós divergíamos muito,quanto às opiniões, sobre todas as coisas... Vivíamos brigando.
Eu era muito arredia e ele muito tolerante.
Lembro-me de uma vez, numa dessas divergências tão costumeiras sobre alguma que ele me contou haver feito... ou comprado, sei lá. Eu haver falado:
"Puxa... Você, de fato, não tem gosto mesmo!"
Ele retrucou e disse que eu me enganava, que tinha gosto, sim. E muito.
Eu insistia em que não tinha, não. Em que, definitivamente, não tinha gosto. Ele, então, creio que "de saco cheio" de minha teimosia, disse-me:
"Se eu não tenho gosto, por que então eu gosto tanto de você?"