No último 15 de agosto tivemos, na Academia Piauiense de Letras, um dos momentos culminantes do seu programa de conferências "O BRASIL NO LIMIAR DO NOVO MILÊNIO", com a aula magnífica do Prof. Cristovam Buarque, sobre "A Economia Brasileira no Limiar do Século XXI" e, logo após, o lançamento de "A Nova Abolição", Editora Paz e Terra, Rio, 1999, livro que se dirige aos 5.500 prefeitos e dezenas de milhares de vereadores que serão eleitos, mas, acima de tudo aos eleitores de outubro, "uma geração de mais de cem milhões de brasileiros" que "está decidindo agora o futuro do nosso país". Como vimos, o tom inicial é profético.
Poderia também ter o subtítulo de "O Desempobrecimento do Brasil". O livro teve origem, diz Buarque, "no propósito inicial de responder às questões colocadas pela comissão constituída no Congresso Nacional para debater o tema da pobreza, talvez a primeira com tal objetivo, na longa história do nosso Congresso".
Mas também diga-se a verdade: – Pela primeira vez alguém do porte de Cristovam Buarque, Professor da UnB, ex-Governador de Brasília, doutor em Economia pela Sorbone, discute a pobreza do Brasil. Além do mais, organizou um projeto para erradicá-la. "É agora ou nunca." Argumenta que desempobrecer o Brasil é urgente como foi urgente no final do século passado acabar com a escravidão negra. Para tanto é necessário deixar-se de pensar e orientar o Brasil apenas para a economia e o mercado como fizeram desde o seu descobrimento, criando o mostro que é essa apartação dos pobres. Há que pensá-lo também eticamente – o que nunca foi feito nesses 500 anos (e, por isto mesmo, não deu certo). O problema é modificar a pirâmide social, trabalhando a economia a partir da base. Aqui é onde deve entrar o Estado. Pois sem o empurrão das verbas sociais que o Governo dispersa do orçamento nacional – com orientação para distribuir renda a partir do crescimento econômico da elite, com incentivos fiscais para os ricos ou outros mecanismos que nunca chegam à base e se algo chega vem viciado e com a completa descaracterização do sentido de cidadania – sem esse empurrão, nem aqui nem em lugar nenhum do mundo será possível um crescimento equilibrado.
"Este documento" fala Buarque com certa humildade e muita consciência, " não pretende abordar todos os temas da construção de uma nova nação brasileira. Ele se concentra em sugestões de como erradicar a pobreza. Não pretende ser uma panacéia irreprovável de idéias e propostas. Mas é um documento que se recusa à omissão. Ao mesmo tempo manifesta sua indignação com o quadro presente e avança em oferecer alternativas; algumas se mostrarão válidas e sedutoras à nossa geração, outras serão corrigidas, combatidas, modificadas ou ignoradas. Mas ao mesmo tempo o Autor faz a afirmação de que "ele foi escrito com um pé nos desejos outro na realidade, um manifesto com um olho nos sonhos e outro nas contas, por isso um manifesto-proposta."
O projeto "Bolsa-Escola", de Cristovam Buarque, concebido especialmente para a Educação, mercê de sua extensão, criatividade e filosofia acabou tornando-se um Projeto geral e para todo o Brasil, pois incorpora outros congêneres como o Poupança Escola, o de Investimento Pré-Escolar, o de Incorporação Cívica dos Jovens, o de Reforma Agrária, o de Casa Para Todos.
Do projeto Bolsa-Escola – que Cristovam Buarque, colocou em prática em Brasília, quando foi seu Governador – outras entidades administrativas copiaram seus princípios e estão pondo em aplicação, com a adaptação que requer cada município, cada comunidade. Mas também outros países do mundo o copiaram e agora estão aplicando, com sucesso, para o bem de seus governados e para gáudio do seu autor.
Estendeu-se, assim, a todo o país, o projeto Bolsa Escola – cujo modus faciendi, em resumo, é reter a criança na escola, durante o curso fundamental, com a fiscalização de seus pais (obrigatoriamente, pobres ou desempregados) e através de um salário que receberão para que o menino estude, ao invés de mandá-lo ao trabalho ou deixá-lo na rua. É uma distribuição de renda fabulosa, mas não gratuita. Ao passo que vão passando os 8 anos previstos para duração, a economia da base da pirâmide social crescerá e se modificará, e vão diminuindo por isto as despesas da área social do Governo pela dinamização do dito projeto e seus efeitos sócio-econômicos. O país se tornará rico entre os ricos, como um todo. Mas não somente isto: diminuirá a violência e seu povo será feliz.
Se a elite deste final de século e começo do XXI não é burra, certamente tirará a venda dos olhos e verá que o custo de viver num país com tantos pobres e tantos problemas é maior que dobrar-se á evidência da ética. Não vai, portanto, querer deixar uma herança social tão pesada, com as manchas da escravidão dos sem-terra, sem-teto, sem-escola, sem-comida, sem-roupa, sem-saúde, sem-transporte, sem-nada, em cujo buraco negro poderão vir a cair seus descendentes. E Cristovam Buarque não deixa de lembrar o bom senso e a inteligência dos alemães ocidentais quando incorporaram seus irmãos pobres do leste, responsabilizando-se portanto pelo custo social em troca do ganho de uma grande nação.
A burguesia do final do século XIX foi beneficiada com a abolição da escravatura negra. Ela estava louca por seu desfecho, a história mostra isto. Assim também, a atual burguesia está vendo, como aquela por sua maioria – de quem descende diretamente a elite dirigente de hoje – que é burrice mesmo não render-se à evidência, não colaborar na obra imensa obra que é a segunda abolição. Quanto ao custo financeiro "é menor que o custo social de não fazê-lo", diz o autor de "A Segunda Abolição". Na primeira etapa, para tirar as crianças do trabalho e da rua e colocá-las na escola, vai ser menos do que o desembolso pelo BNDES para salvar o menor banco privado, no ano passado, por exemplo.
Enfim, este é um livro que deve ser lido, relido, meditado por todo brasileiro que se preza. E deverá estar em todas as escolas e à mão de todos os nossos líderes, nas cidades e no campo. Um livro sério, inteligente, profundo e transformador, feito com a cabeça e o coração, repleto de humanidade. O livro do século.