A violência no Brasil é tão comum que ficou chato escrever sobre ela – dizia eu, artigo de 3.5.1997, comentando a morte do índio Galdino Jesus dos Santos, vítima de facínoras de Brasília, naquele ano.
Ao saber, através de programa televisivo, que aqueles facínoras, filhos de gente bem situada no poder e na sociedade, estavam tendo vida regalada, e embora com prisão domiciliar, passam o dia jogando, bebendo e comendo à tripa forra, dando a entender que a dita prisão é apenas no papel – me deu vontade de voltar ao assunto. Primeiro, para lembrar que cometeram crime hediondo; segundo, acentuar que quem pratica crime hediondo não tem direito à prisão domiciliar ou a outras regalias. Que eles não tenham sido enquadrados na faixa do crime hediondo, não me surpreendeu, pois os poderosos (advogados, delegados, juízes e outros) dão sempre um “jeitinho”, ao navegarem pelos escaninhos dos Códigos de Lei, de minorar-lhes as penas, afinal de contra trata-se dos seus filhos, gente da sua classe. Foi um crime hediondo, com certeza. Galdino estava dormindo. Testemunhou a crueldade o sargento Rojas Rodrigues, ao levar a vítima ao Hospital:
- A gente não acreditava. Se fosse bicho, eu teria dado um tiro de misericórdia – declarou o sargento.
O índio pataxó viera a Brasília justamente festejar, com outros de sua tribo, o Dia do Índio. E foi queimado impiedosamente pelos garotos.
Que os ais doloridos de Galdino acordem a sociedade e a democracia de sua sonolência. O problema dos índios, no Brasil, começou em 1500, tomando-lhes, os portugueses, suas terras, aprisionando os que não morreram na luta e não se submeteram às suas vontades, que eram servirem de escravos, deixarem seus costumes e crenças para professar os do invasor, etc. Ninguém relaciona o problema da violência de hoje com a de ontem: a forma como fomos colonizados. O índio ainda foi considerado gente com a vinda dos jesuítas. Mas, quando estes foram expulsos, caem na vala comum dos negros escravos, e toda a sociedade deixa de tratá-los como gente. Só o branco tinha alma, nos tempos de Colônia e Império – tempo básico de formação da sociedade brasileira. Tempo de exclusões, de preconceitos, de violência de todas as formas e tamanhos. O sistema ficou entranhado na consciência nacional. Nem a Independência nem a República conseguiram apagar essas marcas.
Para os burguesinhos de Brasília, malandros e criminosos porque filhos de pais brancos e ricos, o índio não era gente. Alegaram, no processo, que pensavam que fosse um mendigo. E onde é que um mendigo merece respeito? Só se for em países muito adiantados, inclusive na democracia, do “governo do povo, pelo povo, para o povo.” Quando nossos índios perderam o direito de ser povo, gente, também perderam o direito à vida, à liberdade, à democracia.