Perante o teu colo permanente, recebo o cintilante ombro alvo, que pelo teu braço, na alça do teu vestido, adormeço. Pela travessura pueril, desfaço-me em homem, e espreito pelo estreito do teu peito...
Como romãs pontiagudas, teus seios cumprem o seres já mulher... temente ao meu abrigo observo-te, mas despreocupada permaneces ao sentir o meu espreitar... o meu espraiar.
Incólume à tua memória, afagas um mimo, e sorris recordando a primeira vez que te sentiste mulher...
"Corria o dia de San Fermín, o dia escorria após a tourada... a plaza engalanada, entre o triunfo do toureiro e a devoção de quem nunca o foi... Ele ali estava, como sempre, na tasca com os outros... como era dia de frenesim, a banda tocava, as gentes dançavam indiferentes aos olhares fitados, que cruzavam a plaza. Por entre os fumos do arraial, caminhámos em direcção um do outro. Entre a sombra e o sol parámos, assimilando todos os olhares cúmplices tidos, ao longo dos anos, pelo recreio da escola... recordámos que nunca nos tínhamos falado antes... apenas sorrido” recordavas vendo o mar, olhando para o seu firmamento... não era preciso contar... era evidente o brilho no olhar.
Pelo gesto se descobriram, e de mãos dadas se cobriam.
Com olhar matreiro, fincaste o sorridente queixo no colo, e partiste, rebocando-o, para fora da arena maior... por onde passaram horas antes os touros em sentido contrário, galgavas as estreitas calçadas como criança alada, fazendo esvoaçar o alçado vestido, sem nunca tirares o olhar fitado no homem de sempre... e porque o folgo precisava de abraço, foi aí o primeiro beijo suado...
A correria continuava calçada abaixo, contra o tempo perdido, entre gritos pueris e o perder do boné dele... a alça descaía e o teu sorriso abria... os olhos de ambos reluziam, perante a sombra das casas, enquanto trespassavam as portas da cidadela...
A par, correram os dois para os campos que beijam o Arga, sendo a moita e a vossa memória o resguardo de tão onírica experiência...
Recuperando do olhar distante e perdido no mar, aconchegas o cabelo atrás da orelha, mirando de soslaio o efeito dos mimos dados... me tinham refeito menino, e adormecia na cadência das tuas mãos, ao som das ondas e dos beijos por dar...
Tu sorriste, uma vez mais, e mergulhaste na tua memória pelo som da maresia; e eu caí, sonhando, sobre a areia húmida dos amantes lunares.
Por entre os meus sonhos, caminhava pelas ondas do mar. Rostos de mulheres por mim conhecidas faziam-se aparecer, reconhecendo-as pelo seus, ainda, cândidos sorrisos... a jovialidade, a frescura daqueles sorrisos eram contagiantes, levando-me a sorrir em sonho. Perante o meu tesouro da vida, refastelava-me a recordar as fotografias sonoras desses tempos, onde a cadência das ondas eram apenas ecos de ondinas, com odor a maresia...
Uma brisa fresca sopra-me ao ouvido... um sussurro... "Já dormes?"... rasgo um sorriso... não respondo. O sol inunda-me de ouro os meus olhos... e deixo-me mergulhar, no mar...
Da memória emergem todos os bocados que passei por dentro do oceano, colhendo as pedras do seu fundo, com as pontas dos dedos já rugosas.... nunca me importei com o frio que sentia, recordo-me agora. Lembro-me que as recolhia como tesouros de outros tempos, colocando-os na berma da toalha, junto à mão, como cristais encantados, com poderes excelsos, que num ápice levavam-me para os sonhos... quando acordava, seus poderes já estavam extintos, e voltavam para o mar, para o mais longe que conseguia atirar.
De novo volto a ouvir uma brisa. Dedos compridos e finos penteiam-me... a minha boca seca engole em seco... entreabro os meus olhos... sorrio. Tu também sorriste, com ar maternal.
Levantamo-nos, sacudindo a areia. Compasso de espera surgiu... o abraço terno cumpre-se, e seguimos caminhando pela areia, descalços, em pleno fim de tarde.