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Artigos-->TRATADOS E LEIS INTERNAS: ANTINOMIA OU HARMONIA? -- 31/12/2003 - 12:23 (RICARDO MATOS DAMASCENO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
No âmbito do Direito Internacional, seja Privado, seja Público, a problemática da existência ou inexistência de hierarquia entre as normas jurídicas internas e as normas jurídicas externas demanda indubitavelmente uma reflexão teórica de natureza abstrata, porquanto, em lugar de uma imposição dogmática, em que se estatua a hierarquização, não se pode examinar a matéria independentemente de investigar o significado imaterial de soberania, tanto na esfera nacional, quanto na esfera internacional. Não obstante, em face de um ordenamento jurídico em que se usam como critérios de prevalência normativa a cronologia, a especialidade e a hierarquia, mister investigar se a relação entre as normas internacionais e as normas internas está amparada numa interação vertical ou numa interação horizontal.



Outrossim, a inexistência de remissão específica da Norma Normarum de 1998 à vinculação de uma espécie de norma à outra, no contexto de um Direito Constitucional Internacional, não permite saber ao certo se prevalece a noção de verticalidade ou de horizontalidade. Por conseguinte, constatada uma verticalidade, a hierarquia entre a norma internacional (subordinante) e a norma nacional (subordinada) estaria esclarecida. No entanto, não se poderia conceber, no âmbito da verticalização de normas, a subordinação da norma internacional à norma interna, porque aí se configuraria uma subversão do sentido conceitual imposto pela noção de verticalidade. De outro lado, demonstrada uma horizontalidade, não se vislumbraria nenhuma relação de subordinação (hipotática), mas uma relação de coordenação (paratática), de tal molde que ambas as espécies de norma exibiriam um mesmo grau de cogência e, portanto, de força jurídica.



A exegese, porém, não parece facilitada pelo legislador constituinte originário, já pelo impeditivo de não ter podido efetuar nenhuma interpretação autêntica, vedada em relação a normas constitucionais, sob pena de supressão de prerrogativa e competência do Supremo Tribunal Federal (STF), já pela inespecífica abordagem da matéria no art.5º, § 2º, da Carta Política. Nada obsta, por conseguinte, a que se dêem àquele comando superior algumas interpretações possíveis, dentro das margens permitidas pela Hermenêutica Jurídica, a fim de que elas não sejam aberratórias do sentido de unicidade, lógica, concordância e harmonização, aplicável à relação entre as normas constitucionais. Destarte, ao referir-se à não exclusão de outros direitos e garantias “decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, a Carta Política sinaliza a topografia da norma em tela, para delimitar um âmbito de aplicabilidade.



A referência aos tratados internacionais situa-se exatamente no art.5º, § 2º, da Lex Legum, no qual se examinam os direitos e garantias fundamentais. Dessa maneira, enquanto cláusula pétrea prevista no art.60, § 4º, os direitos e garantias fundamentais de natureza individual têm força transcendente (hipertática), não podendo ser em nenhuma hipótese alterados. Logo, a extensão de força normativa ao regime e à principiologia constitucionais, bem como aos tratados internacionais, no contexto topográfico e semântico do art.5º, § 2º, pressupõe uma pertinência temático-axiológica entre os direitos e garantias nele previstos, por um lado, e o conteúdo principiológico do ordenamento jurídico-constitucional e dos tratados, por outro. Outrossim, note-se como se infere a relação entre uns e outros mediante critério de não excludência, elemento este somente permissivo de normas internacionais impassíveis de atingir mortalmente o núcleo jurígeno dos direitos e garantias previstos em toda a Carta Política de 1988.



Nesse ínterim, a norma internacional não pode aduzir nenhuma antinomia principiológico-jurídica, sob pena de se agredir frontalmente a competência legiferante do constituinte originário. Ora, a Constituição Federal não parece admitir nenhum ordenamento supraconstitucional, mas também não afasta em definitivo os efeitos jurídicos dos tratados no âmbito interno, já que a admissão de um tal ordenamento superior internacional subordinaria o ordenamento constitucional, o que seria um absurdo em termos de soberania. Afigura-se imperativo notar a nuança de não excludência prevista no art.5º, § 2º, visto que os direitos e garantias ali referidos não excluem nem a principiologia constitucional nem os tratados internacionais, sendo, porém, necessário compatibilizar o conteúdo destes últimos com a essencial natureza jurídico-tutelar do previsto na Carta Política.



Dessa maneira, sendo exigível a pertinência temático-axiológica entre os direitos e garantias internamente previstos e o tutelado pelos tratados, não há poder advogar a tese de que se aplica a noção de verticalidade à relação entre as normas de Direito Interno e as normas de Direito Externo, pois que um conteúdo normativo internacional expressa ou tacitamente antagônico a direito e/ou garantia constitucional não tem nenhuma eficácia. Vale, todavia, assinalar não existir inconstitucionalidade na hipótese elencada e sim ausência de pertinência temático-axiológica, já que a existência do inconstitucional pressupõe a subordinação dele à própria Constituição Federal, fato este absolutamente inexistente em relação ao tratado internacional, porque ele não integra o ordenamento interno originariamente, gerando apenas efeitos jurídicos constitucionalmente permitidos. Portanto, o que a Carta Política não veda e não proíbe, desde que compossível com a principiologia jurídico-normativa, deve ser acolhido no plano eficacial interno.



No âmbito das teorias dualista e monista (radical ou moderada), mister associar à primeira a noção de horizontalidade (coordenação ou parataxe) e à segunda a noção de verticalidade (subordinação ou hipotaxe). Por conseguinte, já no contexto infraconstitucional, a verticalidade aduziria uma subordinação das leis internas aos tratados internacionais, enquanto a horizontalidade estabeleceria uma relação de identidade, estando umas e outros submetidos à principiologia jurídico-normativa e à natureza jurídico-tutelar da Carta Política, sob pena de, em relação às leis internas, existir inconstitucionalidade, e de, em relação aos tratados internacionais, existir impertinência temático-axiológica. Contudo, apesar de o monismo ter características interessantes, no sentido de cumprimento do princípio pacta sunt servanda, a exegese ora conferida ao art.5º, § 2º, da Norma Normarum, não parecer acolitá-lo, porque, em verdade, o conteúdo do expendido no referido comando legal não aduz a aplicação do conceito de verticalidade.



Conseguintemente, o ordenamento jurídico-constitucional brasileiro parece não acatar a superioridade dos tratados relativamente às leis internas, a tal ponto que a incompatibilidade entre aqueles e estas deve ser resolvida em prol da norma mais conforme ao princípios gerais expendidos nos direitos e garantias constitucionais, a par de não existirem nem inconstitucionalidade nem impertinência temático-axiológica. Dessa maneira, independentemente dos critérios de prevalência normativa, como hierarquia, cronologia e especialidade, necessário vislumbrar o que seja mais benéfico à sociedade e ao cidadão, quando se pressupuser eficácia no âmbito interno. Se o âmbito de execução do conteúdo se restringir ao âmbito externo e não comprometer a natureza jurídico-tutelar da Constituição Federal, decida-se em favor do tratado internacional, garantindo-se a soberania do País pelo cumprimento do acordado e celebrado. Por fim, segundo a interpretação ora defendida, o que parece existir não é um monismo (radical ou moderado), porém um dualismo em que as normas internas e externas se interceptam naquilo em que não firam os princípios estruturantes do ordenamento interno e os direitos e garantias constitucionais, graças à admissibilidade dos efeitos dos tratados internacionais no plano eficacial interno.

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