A compreensão da ordem econômica, tal qual a utiliza a Carta Política de 1988, pressupõe um exame semântico-lingüístico da terminologia, a fim de que o conceito então abstrato possa exibir um determinado grau de tangibilidade e de sentido no mundo fático. Por conseguinte, estribado em tal perspectiva, o autor visa à delimitação conceitual da expressão ordem econômica, designando-a como integrante da própria ordem jurídica. Outrossim, mister assinalar a natureza jurídico-constitucional da ordem econômica, em que se devem notar os mesmos princípios estruturantes de todo o ordenamento jurídico.
Dessa maneira, o conceito de ordem, baseado no senso comum, resulta da noção de antagonismo à desordem, à entropia, à desorganização. Todavia, esse antagonismo nasce, antes de mais nada, de uma percepção axiológico-hermenêutica da realidade apresentada, estatuindo padrões cuja repetitividade produz o hábito responsável pela existência da preferibilidade. Como enuncia Telles Jr. (apud GRAU, 2002, p.53), a desordem se afigura uma outra ordem com que não se está concordando em dado momento histórico-social. Não obstante, pode-se ir um pouco mais longe no descortino da relação dialética entre ordem e desordem, vislumbrando-se no desordenamento apenas uma conjunto de elementos valorados e inadequados ao interesse e à vontade expressos em certo momento histórico-social.
No contexto do novo paradigma emergente nas ciências naturais, a noção comum de desordem se encontra presa à de caos. O caos, à luz da Físico-Química, equivale à manutenção da entropia máxima (estado desorganizatório sistêmico máximo), num sistema em que a temperatura propende ao infinito e a pressão tende a zero. Destarte, como tudo no universo se inclina a permanecer em graus menores ou maiores de desorganização, a realização da ordem seria exatamente a redução da agitação (entropia) do sistema mediante o exercício de uma pressão sobre ele, produzindo-se estados em que se reduz a entropia para criar-se um tipo de ordem (neguentropia). Não obstante, a nova teoria caótica aponta a existência de uma ordem na própria desordem, a tal ponto que aquela não passa de uma maneira específica e instantânea de ver esta, havendo, portanto, várias dimensões da própria ordem teleologicamente compreendida. Por outro lado, o que se julga ordenado equivale à atuação das chamadas estruturas dissipativas sobre o que se considera desordenado, como assinala Ilya Prigogine. Outrossim, pode-se ter na desordem o strange atracttor (mecanismos de organização interna somente analisável à luz de outro conceito de ordem), tal qual assinalam Maldelbrot, Feingenbaum e Lorenz .
Nesse ínterim, a ordem econômica pode nascer de um estado de redução da entropia (neguentropia) ou estado de desorganização, à qual propendem todos os sistemas, desde os puramente físico-químicos até os de natureza sócio-econômica. No plano do universo, enquanto se afigura natural a tendência entrópica dos sistemas, segundo a Segunda Lei da Termodinâmica, tudo quanto se encontrar organizado está sustentado em campos de organização temporários, os quais atuam sempre no sentido externo-interno. A ordem econômica, por conseguinte, pode ser entendida como um mecanismo do próprio ordenamento jurídico-constitucional, enquanto estrutura dissipativa ou campo de organização, voltado à ordenação do mundo econômico em que se vislumbra uma tendência contínua a estados entrópicos, cuja auto-regulação, sem embargo do pensamento clássico e neoclássico da Economia (David Ricardo, Adam Smith, Jean Baptiste Say etc), exige e demanda, no contexto jurídico, determinados graus de imposição externa.
Numa remissão à teoria hilemórfica de Aristóteles, o autor examina a seleção ou escolha da ordem como um ato de opção, o qual, porém, não deve ser imóvel ou estanque, porquanto as próprias estruturas econômicas não são fixas. Conseguintemente, as variantes da ordem jurídica, mais propriamente da ordem econômica, pressupõem estados de sucessão, em que a ordem jurídica liberalista abre espaço à ordem jurídica intervencionista. Sob ingerência aristotélica, interpreta-se a noção de ordem como estrutura composta de ato e potência. Dessa maneira, justificada a sucessão ordinatória de sistemas em contato espaço-temporal, a intervenção no sistema equivaleria à supressão de uma certa desordem liberal. No entanto, seria natural a desordem, no plano universal, em contraposição à artificialidade de um sistema interventor e, portanto, externo e organizador.
De mais a mais, a auto-regulação pode conduzir à polarização sócio-econômica, graças à idéia spenceriana de sobrevivência do mais apto, repetida na aplicação da teoria evolucionista de Darwin à própria Sociologia, como se dá no Darwinismo Social. Em decorrência, tal sistema polarizado pelo sócio-economicamente mais apto não produziria a distribuição de riquezas e a desconcentração da renda, como escopos da realização do justo no ordenamento jurídico-constitucional. Mister, portanto, examinar se um sistema auto-regulatório e auto-regulado produziria um ponto justo de equilíbrio entre os componentes sistêmicos, em face do comando vislumbrado no art.5º, caput, da Carta da República: “Todos são iguais perante a lei (...)”. Ora, também se pergunte: ser igual perante a lei equivale a ser igual perante a ordem?
Dessa maneira, há de compreender-se a ordem econômica na monta de um subsistema contido na ordem jurídico-constitucional, enquanto sistema mais amplo. Ora, um sistema organizador (neguentrópico), ao agir sobre outro sistema desorganizador (entrópico), pressupõe a interpenetração de dois campos de atuação da realidade, na hipótese, um campo do dever-ser (jurídico-constitucional), sobre um campo do ser (econômico-social). Em conseqüência, a organização das relações intrínsecas na ordem material não prescinde de um grau de intervenção do sistema através de uma ordem organizatória, aí jurídico-constitucional, no próprio mundo concreto. Somente assim, pode-se implementar o que está comandado no art.170, caput, da Norma Normarum: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa [mundo fenomênico, material, concreto], tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social [mundo sistêmico organizatório, neguentrópico, abstrato] (...)”.
Outrossim, a ordem econômica, a que se reporta o art.170, caput, da Carta Política, pode ser examinada bidimensionalmente, tanto como sistema organizatório, neguentrópico, enquanto objetiva a justica social como ideal, quanto como sistema controlado por aquele, para nele não se manter nenhum estado desorganizatório e, portanto, entrópico, âmbito em que se vêem o trabalho humano e a livre iniciativa. Ademais, ambas as ordens coexistem em estado dialético e interativo, dentro de um contexto em que as percepções axiológico-hermenêuticas funcionam como verdadeiras estruturas dissipativas, tal qual se examina na teoria do caos.