No discurso dos economistas e da mídia (onde se vende tudo, de mercadorias recém-saídas da fábrica, em série, a ferro-velho), em nenhum há a seriedade do discurso poético. Aqueles são incompletos. Marcam diferenças, mas não desvendam a verdade dos fenômenos que representam.
Antônio Sérgio, pensador português, analisa o fenômeno da falta de alma em nossa modernidade: “Tenho escrito (não sei quantas vezes...) que a chamada alma não é coisa estática mas sim dinamismo, que não é um ser, mas sim um devir - mas sim um à-sendo e que devemos por isso conceber o existente sob a forma de um sistema de atividades, e não de coisas, sob o signo do juízo (do ato de ajuizar) e não do conceito; sob o da interioridade, e não de fantasmas, de obsessões imagéticas.” “Próprio da inteligência”, segundo Joaquim de Montezuma de Carvalho, “é a operação de construir, injetando sangue no avançar no concreto e para o mais concreto como por exemplo a ciência física e as matemáticas, entendido assim que o binômio de Newton é tão belo quanto a grande literatura.”
Mas deixe-se de filosofia e vamos ao que interessa: os fenômenos culturais do dia-a-dia – começando pelo Papai-Noel globalizado. Será que o Papai Noel existe em todas as partes do mundo, do mesmo jeito? Ou é apenas uma idéia generalizada? Quem já ouviu falar da “Lapinha”, rememorando o nascimento de Cristo? Papai-Noel vem de outras origens. As comemorações natalinas diferem em vários lugares. Fora do período natalino, há o reisado, festa folclórica que começa no dia dos Reis Magos (6 de janeiro). Outra mais à frente, esta de cunho anarco-religiosa, é a “Queima do Judas” no sábado de Aleluia.
O futebol internacionalizou-se. Mas sabemos que cada partida é diferente, cada jogador cria, cada país possui maneiras que não firam a regra internacional. E, finalmente, lembre-se da famosa “pelada” feita pelos meninos de rua e também pelos grandalhões, jogo não-profissional. Será que não marcam diferenças nos diversos cantos onde é praticada, já que não se submetem às regras internacionais?
No mercado, observar-se-á o artesanato, arte popular repetitiva, feito manualmente na maioria dos casos, diferente das mercadorias produzidas em série para que o consumidor se empanzine com a mesmice.
Tudo o que se repete demais torna-se monótono, feio e mau. Não esqueçamos os mistérios e a beleza da matemática, da música (com quem tem semelhança), da pintura, da arquitetura, da medicina e suas conquistas. Disse há quantos séculos, o velho Camões: “Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,/muda-se o ser, muda-se a confiança;/ todo o Mundo é composto de mudanças,/ tomando sempre novas qualidades...”
E o que são vontade e qualidade senão a alma? É preciso que a cultura possua alma, senão deixará de ser um empreendimento vivo, fluente e marcante dos povos e de seus desejos.
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*Francisco Miguel de Moura é escritor, mesmo do Conselho de Cultua e da Academia Piauiense de Letras.