Há 24 anos que José Lopes Correia é presidente da Câmara Municipal de Nelas. Viu a cidade a crescer, sentiu e pautou o ritmo de evolução do coração da região demarcada do Dão. Nos últimos anos a vitivinicultura, apesar de não ter sido esquecida, tem perdido terreno para a indústria, fruto do trabalho desenvolvido por um concelho de interior alicerçado em três notas dominantes: trabalho, responsabilidade e rigor.
Nelas é um concelho do interior, distrito de Viseu, que tem fronteira com mais dois distritos: o de Coimbra e o de Guarda. É um concelho encrostado entre dois rios, o rio Dão, a norte, e o Mondego, a sul, entre a Serra da Estrela e o Caramulo. O concelho de Nelas reclama-se o coração da região demarcada do Dão, pois geograficamente situa-se no centro, e porque a sua centralidade se reafirma tanto na quantidade como na qualidade do vinho produzido.
O concelho tem 120 quilómetros quadrados, com uma população a rondar os 15 mil habitantes sendo a sua densidade populacional a segunda maior do distrito de Viseu. Tendo perdido nos últimos anos a faceta eminentemente rural para se assumir uma outra faceta: a de pólo de desenvolvimento industrial do distrito de Viseu. Assim sendo, é um concelho onde não há falta de emprego, com um tecido empresarial constituído por cerca de 30 pequenas e médias empresas, que dão trabalho a cerca de 1500 a dois mil pessoas. Como sinal de vitalidade empresarial, Nelas é o concelho com maior contribuição autárquica do distrito de Viseu.
Debate-se, actualmente, com problemas de acessibilidade: o IC12 ainda está incompleto (faltando a ligação entre Santa Comba Dão e Mangualde), e falta concluir o troço entre Nelas e Mangualde, cerca de 12 quilómetros que trazem enormes inconvenientes. O caso de uma variante que a câmara construiu tendo como finalidade canalizar um determinado trânsito local, não estando previsto um fluxo na ordem dos 4000 a 4500 veículos pesados por dia, o que comporta naturalmente custos de manutenção muito superiores aos previstos inicialmente, é o exemplo do desenvolvimento exponencial que vive o concelho de Nelas. O responsável por esta realidade é o elenco liderado por José Lopes Correia.
- Como foi possível atrair empresas para o parque industrial de Nelas?
- O concelho tinha bastantes terrenos disponíveis para poder oferecer para esse fim. Assim, os empresários observando a disponibilidade por parte da autarquia e os preços dos próprios terrenos serem convidativos, o tecido empresarial sentiu-se aliciado a instalar-se no nosso concelho. Neste momento o parque industrial está lotado, cerca de 50 hectares, estando em perspectiva novos espaços para fazer um novo parque industrial, uma vez que a procura é contínua.
- Mas Nelas continua a ser uma região vitivinícola…
- Sim, de facto, Nelas continua presente na produção agrícola, no entanto é notória a crise instalada no sector primário em Portugal. Temos esperança que o vinho aguente a sua posição de destaque.
- Sabendo à partida que o vinho como elemento também fundamental no levar longe os sabores da terra ao mundo, não será merecedor de uma atenção redobrada?
- O vinho sempre teve um peso extraordinário na economia da região. Neste momento, repito, a crise é profunda e só com medidas profundas e de grande audácia é possível sair desta crise. A grande lucidez e audácia consiste em garantir o escoamento deste produto, portanto exportação, e sobretudo, a nível interno, fazer com que os preços baixem na produção e na restauração, visto que não faz sentido que o cliente final compre uma garrafa de vinho na cooperativa por 2,50 euros e vá bebe-la ao restaurante ao lado por 5 a 10 euros. Este é um trabalho que tem de ser realizado por quem de direito, não sabendo eu se serão as associações comerciais, ou os próprios ministros da agricultura e da economia que terão de tomar estas medidas.
- Mas como se pode tabelar um preço numa lógica de mercado livre, como vivemos?
- Claro que a democracia existe e exerce-se nas mais variadas vertentes da nossa sociedade, e ainda bem. Mas isso não impede que haja uma concertação entre as diversas entidades do sector, tal como existe em Espanha, onde se estabeleceu um convénio tácito entre as várias entidades onde a restauração só pode ganhar até cerca de 60 por cento na venda de cada garrafa, fazendo com que o vinho escoa naturalmente nos restaurantes, evitando o que acontece aqui em Portugal, onde o preço de uma garrafa de vinho tem uma enorme influência no preço da refeição.
- Esta situação melindra a própria dignidade do produtor que vê o preço do seu vinho a ser esmagado à entrada da cooperativa e depois defronta-se com o seu produto a ser vendido a um preço exorbitante…
- O produtor apenas tem de se conformar, mais uma vez. Os produtores convivem com desilusões sobre desilusões. É a desilusão de quem vê o seu trabalho a ser explorado, de uma forma completamente parasitária, nada condizente com a dignidade do esforço do seu trabalho, levando a uma lógica de desilusão constante, a uma revolta interior e nada mais pode fazer. O panorama que se observa na nossa sociedade é de relações selváticas, onde os códigos éticos há muito que já desapareceram, imperando a lógica do lucro, do ganho, a todo o custo. Claro que a curto prazo, estes que promovem estas relações selváticas urdem a sua própria ruína, porque se estão habituados a lucrar cerca de 5 ou 10 euros em cada garrafa de vinho, e este se deixa de vender e de beber, eles próprios passarão a vender água e cerveja. No entanto, toda a gente sabe que não se pode ganhar 5 ou 10 euros numa garrafa de água ou numa cerveja. Esta mentalidade corresponde à mentalidade portuguesa, onde o lucro fácil e imediato são as prioridades e dadas como pedras base para o crescimento económico, nunca pensando realmente no futuro e nas consequências dos seus actos, no presente.
-Estando a cumprir o sexto mandato à frente do município e do concelho de Nelas, viu crescer esta região. Que condições conseguiram reunir para que o seu crescimento fosse assim exponencial?
-De facto, o crescimento que Nelas sofreu foi exponencial nestes últimos anos, sendo agora objectivo fazer de Nelas, de forma harmoniosa, durante a próxima década, uma cidade com cerca de 10 mil habitantes, tendo como ponto fundamental a qualidade de vida. Para que uma cidade cresça, de forma harmoniosa onde a qualidade de vida seja de facto uma prioridade, é necessário que se abram ruas, dando margem para que a expansão se faça naturalmente. Se é certo que vivemos uma época de crise, uma crise essencialmente de confiança, é também correcto pensar que ela não durará para sempre, e que mais tarde ou mais cedo ela acabará por finar. E quando isso acontecer, Nelas já está pronta para abraçar esse novo fluxo de desenvoltura económica.
- O Senhor Presidente da República disse há pouco tempo, num encontro em Madrid, que Portugal sofria de falta de amor-próprio. Acredita nesse eixo de pensamento?
- Portugal tem um anátema: ser um país pequenino e nunca ter pensado de maneira grande. A própria mentalidade e espírito português ficaram sempre pequenos. O tempo das Descobertas foi um episódio histórico que realmente espoletou um espreguiçar da nação portuguesa, conseguindo até ultrapassar-se a si mesmo, nas mais diferentes áreas. No entanto, apesar de todo esse salto, Portugal paralisou, voltando a ser outra vez um país pequenino. Há países pequeninos que são bem organizados, bem governados, com espírito de desenvolvimento, como o caso da Bélgica, do Holanda ou do Luxemburgo, sendo o país mais pequeno na União Europeia, não o impede de ser aquele que tem maior PIB, com o maior índice de produtividade, no fundo, com um maior sentido de desenvolvimento. O problema de Portugal é eminentemente um problema cultural e de educação. Continuamos a fazer uma educação por estatística, formamos doutores por decretos, descorando a formação de quadros médios que tanta falta fazem ao tecido empresarial português, tudo isto numa população que apenas quer ser doutor. Somos neste momento, um país de saloios, por muito que me custe dizer esta verdade, com uma vaidade muito estranha, onde trabalhar é vergonha e fugir aos impostos é de herói, invés de assumir essa responsabilidade como qualquer cidadão. Como é possível entrar um aluno na universidade para ser engenheiro com nota negativa a matemática? Isto sem lembrar o caso de Évora, onde se soltou o ladrão e se prendeu o polícia… Portugal tem grandes dificuldades de se libertar deste atraso quase ancestral, habitual, dando razão há existência de um fado que nos segue, porque nós, portugueses, queremos que exista, não havendo força anímica que possa exigir três palavras, que entraram infelizmente em desuso no nosso vocabulário: trabalho, responsabilidade e rigor.
(este foi um artigo para o jornal Norte Desportivo, infelizmente não foi publicado na integra...)