c00000 size=3>Breve História do Barco Rabelo c00000>O rio Douro, a cerca de uma légua da foz, ainda sulcado por alguns vetustos e saudosos barcos rabelos sob as pontes Dona Maria e Dom Luís, constitui a base do característico e definitivo triângulo que, além de resumir o consabido pendor das gentes nortenhas para o trabalho, aflora sobretudo a enlaçante imagem do Portus Calle, hoje "mui nobre e sempre leal cidade invicta": Porto
c00000>
c00000 size=2>Historicamente, é impossível separar a navegação do Douro do comércio a que os ingleses denominaram de "Port Wine" e do seu primeiro meio de transporte, o famoso barco Rabelo.
A sua origem deixa no entanto algumas dúvidas aos investigadores, já que de entre as diversas características nórdicas, mediterrâneas ou orientais, nenhuma apresenta predominância, o que leva a deduzir que é muito provavelmente certo que aos barcos de couro, embarcações primitivas do Douro, que eram forradas com peles de animais, sucederam os de madeira, e não menos certo será também, que estes, pela maneira e forma de sua construção, são típicos da zona norte.
c00000 size=2>Depois, além do domínio romano ma Península Ibérica, já com outros povos orientais que entretanto passaram e se fixaram, outras características teriam aparecido, aperfeiçoando a adaptação às necessidades de navegação no difícil curso aquático do Douro.
c00000>
c00000>Vela Quadrangular
c00000 size=2>Como barco de rio entre colinas e montanhas, o rabelo não tem quilha, ou melhor, transformou-se em barco de fundo chato. Para lá disso, a sua construção com tábuas sobrepostas - tábua trincada - é nitidamente nórdica, em oposição à do Mediterrâneo.
Do oriente vem assim talvez o testemunho morfológico e o antanho eco do "Latio" na actual nomenclatura do rabelo.
A vela é quadrada, formato comum aos barcos do norte e do sul. Porém, quanto aos mastros, novo reparo se deve considerar: os primeiros só usavam um mastro, enquanto que os segundos usavam também um outro à proa.
Analisando os remos, possivelmente ainda iguais aos primitivos usados nos barcos do Douro, constata-se que eles se integram, de algum modo, no grupo que parece proceder de povos com tradições totémicas, o que indicia a ligação do rabelo à cultura do mundo antigo mediterrâneo e oriental.
c00000>
c00000>Fundo chato
c00000 size=2>Tem-se pois, neste robusto e esplêndido barco, os ditos taburno ou coqueiro, que bem pode ser uma reminiscência da câmara dos barcos que os homens do norte usavam como quase habitação permanente.
O barco rabelo passou a ter a sua identidade bem definida a partir de 1792, quando a Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto-Douro fez publicar os alvarás e os mais documentos que se relacionavam com a notável instituição pombalina. Nessa publicação, conhecida vulgarmente por Leis da Companhia, encontram-se preciosos informes, referentes tanto ao barco como aos seus tripulantes, bem como ainda ao tráfego a que se destinavam.
c00000>
c00000>Taburno ou Coqueiro
c00000>Ao descer o rio, os rabelos traziam o vinho do Douro, constituindo no passado o único meio de transporte entre o Porto e as terras de riba-Douro, e que era então o mais prático e acessível. Inalterável na forma e feitura durante séculos e séculos, o deslizar do barco rabelo é solene, majestoso no equilíbrio do seu conjunto e com grandeza no aparato rude da sua arquitectura, espécie de "coisa feia muito bonita" em movimento.
O casco , de madeira ordinária, é feito ao jeito das águas sombrias do rio. A vela, de linho humilde, entrega confiante os seus destinos aos desígnios do tempo.
O colorido sóbrio e pitoresco do barco, a bizarria dos trajes dos marinheiros, a grandeza da paisagem, tudo se reúne para que no nosso espírito alguma coisa fique marcado indelevelmente.
Pelo seu todo, desde épocas majestosas e ao mesmo tempo bizarras, o rabelo tornou-se a mais típica das embarcações fluviais portuguesas.
c00000>
c00000>Porém, o rabelo, dentre todos os barcos de rio, toma um lugar de primacial destaque, não só pela sua constituição utilíssima, como também pelo seu papel dentro da região onde prestou e ainda vai prestando relevantíssimos e serviços.
É inconfundível o seu porte especial, respirando algo de medievo, altivo de linhas, que mais não esquecem a quem alguma vez o veja subindo ou descendo o rio, de vela panda, larga e quadrangular.
O rabelo, colaborador ideal da prosperidade duriense, é o brasão de armas da região, escreveu alguém com azado acerto.
Pela sua origem, pelos seus serviços, pela sua imprescindibilidade, não podia deixar de tornar-se num símbolo heráldico, bem honroso e inconfundível numa região única no mundo.
São os rabelos construídos pelos próprios marinheiros em qualquer local das margens, nos peculiares surgidoiro ou portelo, locais que ficam mais à mão e sobretudo se estabelecem perto das fontes que fornecem a madeira.
Há alguns pontos, porém, onde mais vulgarmente se armam os estaleiros, por causa da vizinhança de carpinteiros que lhes vão dar sua ajuda. De alguns desses lugares, os mais importantes são Castelo de Paiva e Vimieiro, no concelho de Marco de Canaveses, Porto Antigo, Barqueiros, Entre-os Rios e Bitetos.
c00000>
c00000>De mãos tão rudes e com técnica tão primitiva, utilizando produtos da terra e materiais humildes como o pinho, o castanho e o linho, é assim que sai um conjunto tão sóbrio na sua equilibrada concepção, imponente de aspecto, altivo de porte e verdadeira embaixada de uma grande época já distante.
Construído o rabelo - leva cerca de dois meses para produzir um espaço destinado a carregar cinquenta pipas - é lançado à água e dela só é retirado se for necessário reparar qualquer rombo ou meter-lhe alguma estopa.
Esta embarcação é de tonelagem variável. Hoje, os maiores barcos dimensionam-se para carregar 45 a 50 pipas. Houve-os maiores, os que comportavam 70, 80 e até 100 cascos, que andavam ao serviço da Companhia Velha, mas devido ao maior risco que apresentavam para navegar no Douro, uma prudente medida legislativa de 1972 proibiu a construção de barcos com tal porte.
c00000>RABELO DO DOURO
Rabelo de sonho ao leme
Que sai do ventre da terra
Bebendo de serra em serra
A seiva que nada teme
Gemendo de lenho em voz
A transbordar bem do fundo
O suor que dá ao mundo
A prova de todos nós
Rabelo... Velhinho herói
Carro de rio tão belo
À vela cor do cabelo
Da saudade que me dói...
Rabelo... Eu também vou
Na tua cabana a remo
Quando o Douro vai sereno
E o vento já passou
Rabelo do rio arado
Valsando à flor do tempo
Sobre as mágoas do tormento
Que ferve de vida em fado
E vem à realidade
Do porto nu da memória
Descarregar mais história
Sobre o cais da liberdade
Torre da Guia = Portus Calle
c00000>De meus olhos, captando o corpo da cidade da minha infância sob a transformação hodierna que ao cabo de 65 anos se me depara, vertem algumas lágrimas sorrateiramente tristes embuídas de sombria e nostálgica sensação, tipo "ai-de-mim", o que me provoca por momentos inquietante mau estar. Todavia, vislumbrando um bem disposto e sorridente garotinho apontando seu incisivo dedito para algo que o cativa no meio do rio, tomo-me de plácido e tranquílo sossego. Tenho a impressão que sou eu nos meus belos tempos da meninice despreocupadamente feliz e alheio às preocupações dos adultos.
c00000>c00000>Torre da Guia = Portus Calle