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Artigos-->O critério da prática -- 19/01/2004 - 16:17 (Carlos Luiz de Jesus Pompe) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Um curandeiro na Nigéria morreu depois de testar seu próprio colar à prova de balas . Ashi Terfa foi morto a tiros, dia 18 de dezembro de 2003, por um cliente em Benue, durante um teste de seu produto. O curandeiro teria amarrado o colar com um pingente com ervas em seu pescoço e pedido para que o cliente atirasse nele para testar sua eficácia.

O critério supremo da verdade, a prática, não comprovou a eficiência do procedimento de Terfa para ficar imune a tiros. Ele foi atingido no crânio depois de ter insistido que seu cliente atirasse contra ele. O cliente, Umaa Akor, teria pedido uma espécie de seguro contra balas para o curandeiro. A crença em bruxaria e em outros métodos espirituais é muito difundida em todo o planeta. Curandeiros são consultados para curar vários tipos de problemas de saúde e para fornecer proteção. Missas são rezadas para a cura de pessoas. Promessas, as mais estravagantes (subir, de joelhos, escadarias; viajar até determinadas cidades onde existem templos para determinados deuses ou imagens; deixar de comer num ou noutro dia da semana; abdicar de algum prazer em função de "uma graça recebida") são realizadas diariamente por gente de boa fé.

Não há como colocar em dúvida a fé da pessoa que adota esses procedimentos. Ashi Terfa morreu porque acreditou que seu colar realmente o deixaria imune aos tiros que seriam disparados contra seu corpo. No "Grande Sertão, Veredas", João Guimarães Rosa conta que habitantes do interior brasileiro criam que não seriam capturados vivos pela polícia se usassem as cuecas pelo avesso. Não adianta ridicularizar essas crenças.

"Viver é perigoso, carece de ter coragem", escreveu o mesmo Guimarães Rosa. É necessário mostrar, por mais difícil que seja, que essas crendices simplesmente não correspondem à realidade. Terfa não apenas morreu, mas seu cliente, Umaa Akor, mesmo duvidando da eficácia do colar protetor, atirou no curandeiro para comprovar a eficácia do estratagema, foi preso e será julgado por homicídio, segundo o porta-voz da polícia, Bode Fakeye. Interessante notar: a dúvida de Umaa foi grande o suficiente para evitar usar o colar sem antes fazer o teste, mas não o impediu de atirar em Terfa, mesmo correndo o risco de matá-lo e ser processado por isso - o que vai acontecer, segundo o infalível critério da prática.

Quando, em 13 de maio de 1981, o papa João Paulo II foi baleado por Mehemed Ali Agca, os cristãos e até seguidores de outras seitas realizaram cerimônias e fizeram oferendas e cultos pela saúde do sumo pontífice. Seu secretário particular, Stanislaw Dzivisz, contou que o papa, ferido, ficou repetindo "Maria, minha mãe! Maria, minha mãe!" (referia-se, piamente, à mãe de Jesus). Contudo, o motorista do papamóvel que o conduzia não o levou para a igreja mais próxima da Praça de São Pedro, mas sim para uma ambulância estacionada junto da Porta de Bronze do Vaticano. "Mas nela não havia equipamento de oxigênio e o papa foi transferido para uma segunda ambulância, que o tinha", contam Carl Bernstein e Marco Politi na biografia "Sua Santidade João Paulo II e a história oculta de nosso tempo", que tem o aval do Vaticano. Não há menção da existência ou não de água benta por perto - faltava o materialista equipamento de oxigênio, e isso foi determinante para a transferência (e sobrevivência) do chefe supremo da Igreja Católica.

Karol Wojtyla, o papa polonês, foi socorrido pela ciência, não pela crença, para tratar os ferimentos recebidos. Isso não o impediu de ir a Fátima, em Portugal, para agradecer à santa de sua predileção por ter sobrevivido, já que no dia 13 de maio de 1917 Nossa Senhora de Fátima teria feito uma de suas aparições a crianças camponesas portuguesas. João Paulo II disse que a Virgem Maria teria "desviado as balas" (embora ele tenha sido atingido...). Questão de fé. Mas com algum ceticismo, como a prática constatou. Ou, como ironizou o escritor austríaco Karl Kraus (1874-1936), "um pára-raio na torre de uma igreja é o mais decidido voto de desconfiança no bom Deus que se possa conceber".

Ironias à parte, Ashi Terfa, que acreditou no seu colar, está morto. Umaa Akor, que acreditou, mas preferiu testar a eficácia do amuleto no corpo do outro, está preso e sendo processado. E João Paulo II, entre orações e medicinas, está indo para seu 84º ano de vida neste 2004. Questão de fé: Wojtyla escreveu num cartão abençoado que distribuiu a amigos em 3 de novembro de 1946, dois dias após ter sido ordenado padre: "Fecit mihi magma" ("Ele fez grandes coisas por mim", Lucas, 1, 49).

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