ffffd5> 993300 size=2>Advinda da vertiginosa boémia que experimentei intensa na minha década de ouro, entre os 20 e os 30 anos de idade, a partir de 1970 vi-me em permanente incómodo com uma úlcera no estômago. Todavia, perante os riscos de uma cirurgia que ao tempo era ainda de delicado domínio, habituei-me a lidar hábil e brilhantemente com a mazela.
Decorria Fevereiro de 1977 e vivia eu então na pequena vila de Sartrouville, nos arredores de Paris, quando fui repentinamente apoquentado por uma dolorosa dor de dentes. Dirigi-me a uma farmácia e solicitei um analgésico eficaz. Apoquentado pelas dores, sequer me ocorreu ler as instruções sobre o uso do medicamento que, vim a saber mais tarde, estava rigorosamente impedido a doentes ulcerados. Tomando espaçada e sucessivamente quatro comprimidos, logrei de facto eliminar o doloroso estado em que me encontrava.
Numa de "pior a emenda do que o soneto", no dia seguinte comecei a sentir umas pequenas dores no ventre, as quais, com o decurso das horas, mais e mais se foram acentuando e progredindo até à insuportabilidade. Aflitíssimo, fui a meio da noite bater à porta da clínica local. Sujeito a imediata radiografia, verificou-se que os comprimidos, que utilizei para colmatar a instante dor de dentes, me tinham perfurado o estômago em quatro sítios, situação bastante grave e que exigia urgente intervenção cirúrgica. Desde logo fiquei a saber que de futuro teria de funcionar e viver com apenas um quarto do meu antigo estômago.
Concluída a operação e decerto devido à anestesia geral a que fui submetido, passei por momentos assaz tormentosos. Sem saber o que fazia, como intentasse esventrar-me com as mãos, prenderam-me ao leito e manietaram-me solidamente com correias de lona sob atenta vigilância.
Ao cabo de um mês de internamento e ainda bastante combalido, o cirurgião Cabouat abeirou-se sorridente de meu leito e concluiu: "Torre, o pior já passou. Vou dar-lhe alta para que recupere tranquílamente no seu domicílio. Se doravante cumprir a rigor as normas que lhe estabeleço, garanto-lhe que tem aí um estômago para mais vinte anos".
Bem... Como deveras me sentia de todo em baixo, pensei comigo: "Este simpático sacaninha do bisturi está a tentar sossegar-me para que pelo menos viva em esperançada paz os meus derradeiros dias".
Nesta altura, considerando em absoluto que "há males que vêm por bem", há também 27 anos seguidinhos que o meu novo estômago se porta espectacularmente a primor, sem o mínimo imcómodo ou outro qualquer problema. Cumpri quase tudo que o doutor me recomendou. Nos primeiros cinco anos do pós-operatório, tomei religiosamente as seis gotinhas de "Iodisis", diluídas em meio copo de água, antes de cada uma das oito pequenas refeições diárias prescritas para o meu ridículo tubo estômacal, espécie de bocadinho de intestino superior imediatamente antes dos outros intestinos todos. Nos anos imediatos, logo após cada aniversário, tenho tomado regularmente o conteúdo do pequeno frasquinho com o milagroso "Iodisis", produto que me coloca em saudável e apetecível exercício físico.
Cumpri quase tudo?... Sim... Apenas quase tudo, porque nunca fui capaz de deixar de fumar conforme desde logo o médico tanto me recomendou. Estou neste momento a fumar um delicioso cigarrinho "Marlboro" e ocorre-me ironizar entre um franco sorriso de bem estar vivo: a partir dos 30 anos toda a gente deveria reduzir cirurgicamente seu estômago para um quarto... Até, pasme-se, parece-me que fiquei dotado de um estômago cerebral para bem melhor suportar as "más refeições quotidianas da vida"... Graças ao "Iodisis".
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