As sombras no planalto estão crescendo e obscurecendo os palácios, principalmente o palácio do Planalto, ameaçando acercar-se do Alvorada. Ah! O Alvorada! Quando o vi pela primeira vez eram seis horas de uma maravilhosa manhã fria de setembro de 1964. O céu de Brasília totalmente azul se destacava soberbo e humilde diante daquela obra humana, cartesianamente triangular. Assustei-me quando olhei atentamente para o palácio presidencial dos brasileiros: era o próprio esplendor de uma alvorada! Pingavam gotas reluzentes de todas as arcadas brancas, dando-me a nítida impressão de que um banho de sereno passara especialmente por ali. Pássaros cantavam por toda parte. Por um momento viajei por minhas mágicas imaginações de jovem, recém-empossado no Exército Brasileiro, retornando sob o vozeirão das ordens de comando de meu tenente, tão pujantes eram as surpresas daquele palácio.
Apesar de belos, os palácios do Planalto e da Alvorada não conseguiram ficar imunes às defectibilidades humanas. Ninguém consegue hoje dissociar aquelas belezas majestais das contaminações escabrosas, conseqüências das corrupções e das traições ao povo brasileiro pelos presidentes e seus séquitos vorazes, que por lá passaram ostensivamente. Assim, prefiro me lembrar daqueles palácios ainda virgens, sem as manchas e emanações dos judas e dos homens incompetentes, que chegaram ao poder através dos votos esperançosos de milhões de brasileiros. Votos gentis. Votos inocentes. Votos ingênuos.
Nas eleições de 2002 o povo votou cheio de sonhos e de esperanças em Lula. Sonho de um Brasil melhor tão prometido. Esperança de que os empregos voltassem a dar as oportunidades de trabalho àqueles que sabem apenas trabalhar. Àqueles que não sabem roubar, nem tramar, nem fazer política suja de bastidores, nem empenhar a palavra mentirosamente. Pouco mais de um ano depois de Lula empossado, o sonho e a esperança vão se acabando. John Lennon tinha razão ao universalisar o seu famoso: "the dream is over". Acrescentaria posteriormente que não havia sentimento pior do que admitir o fim de tudo e principalmente de um sonho. Para significativa massa ainda pode existir esperanças em Lula e no PT, desde que ele saiba ser bastante honesto, não em administrar a crise, mas em resolver a crise no seu âmago, honestamente e de acordo com a lei. Aceitar a CPI e cristalizar a transparência de seu governo, sob pena de afundar no poço da discórdia, levando o PT - que ele ajudou a construir - junto.
Todavia, o presidente Lula condena a si próprio quando decide erroneamente na atual crise. Decidiu manter José Dirceu. Errou. Quer preservar o governo com as decisões do superministro. Como?
Se o efeito dominó ameaça com novas reportagens, que podem surgir pela revista "Época"? Na segunda reportagem da revista, Lula resolveu estudar a possibilidade de afastar esse superministro. Ou seja: não tem uma diretriz própria e rápida. Vai "estudando" se faz ou não faz conforme vão surgindo as novidades nada boas. Isto não é próprio de um presidente da República de um país da dimensão do nosso. Aparenta pusilanimidade, ou incapacidade de dicidir com rapidez. Quanto ao José Dirceu, a impressão que fica é a de que ele subestimou a imprensa livre. A democracia é construída com a liberdade de noticiar. Se ainda assim as injustiças sociais no Brasil são uma espécie de cartão-postal, imagine-se se não houvesse a imprensa livre. Aliás, não foi apenas o chefe da Casa Civil que subestimou. Todos no governo subestimaram. A imprensa está aí para noticiar, delatar, fazendo a assepsia da ordem pública de acordo com a lei. Doa a quem doer.
A verdade é que o presidente Lula está agora acordando para a grandeza de suas responsabilidades. Por mais de um ano brincou de ser presidente. Talvez agora amadureça e tome as medidas corretas em novos rumos de sua política econômica, lembrando-se a que veio e por que veio. Há males que vêm para o bem. Esperamos que esse escândalo seja uma ducha fria, após a deliciosa sauna. E que fique sabendo que é apenas um presidente com um grande compromisso assumido com uma população que já começa a desacreditar nele e em seu partido. Há tempo de ele próprio se salvar, salvando o povo brasileiro, conforme o prometido, da tragédia do desemprego. Caso contrário, o sonho dele, juntamento com o tão propalado sonho do partido, será um sonho partido, ou um "coração partido", como bem disse o poeta Cazuza. Pessoalmente, tenho a certeza de que o sonho de Lula e seu partido não acabou. O que acabou foi o nosso sonho. O sonho do povo. Depois que este mesmo povo assistiu e assiste incrédulo ao mesmo filme de corrupções, trambiques, velhacarias e maracutaias, quando se acreditou não existirem essas coisas dentro do PT.
(Jeovah de Moura Nunes)
(texto publicado no "Jornal Comércio do Jahu" em Jaú SP e região e "Total Informativo" em Picos - Piauí).