c00000>Uma das coisas que mais me perturbam a existência é a insidiosa mania de se meterem na minha vida, intentando inpor-me regras que só a mim exclusivamente dizem respeito. Um dos exemplos mais acabados de tão sinistra atitude é a onda de proíbições que se desencadeiam sobre o esplêndido vício do fumo. Tendo o pessoal da minha geração vivido feliz e contente a enrolar seu cigarrito, enviando para o firmamento umas deliciosas fumaradas, logo tinha de aparecer uma cambada de marmanjos amaricados, incapazes de conviver com o despreocupado prazer da felicidade alheia, para proíbir o uso do tabaco em restaurantes, cafés, hospitais, combóios, aviões e mais um ror de sítios onde uma cigarrada cai bem a valer.
c00000>O desplante chegou a tal ponto, que a sacanice logrou impedir que os desgraçados fumem no local de trabalho. Ora, isto é de uma violência atroz e afecta em aguda percentagem o produto do labor. Sabendo que é no escritório que se debatem com emoção os grandes acontecimentos da vida, não é justo que o calor da discussão que necessariamente se gera não seja devidamente enquadrado com umas valentes fumaças, o que contribui para a optimização do ambiente adequado à dialéctica quotidiana.
c00000>É claro que um homem tem de crescer em face das dificuldades e adaptar-se às circunstâncias harmoniosamente, e isto para afirmar que me tornei rapidamente num fervoroso adepto de algumas medidas, chegando mesmo a recomendar a sua adopção aos fumadores mais inveterados como eu. Passo a explicar.
c00000>Por qualquer estranha razão, os fumadores passaram a gozar de um estatuto simpático e carinhoso por parte dos opositores. Com tantos anúncios contra os cigarros, tantos avisos de que o tabaco mata, tantas campanhas contra o fumo, criou-se a conviccão de que os fumadores são uns doentes, simples vítimas da sociedade que estão em estado de dependência exclusivamente por causa da indústria tabaqueira e dos malandros sacaninhas antepassados que iniciaram o nefasto vício. A responsabilidade própria considera-se nula, devendo pois ser acarinhados e protegidos pela colectividade. Ora, isto abre um enorme manancial de oportunidades que muitos desde já se apressam a aproveitar. Um dos maiores benefícios foi a institucionalização de intervalos para fumar. Até há pouco só se conseguia que o chefe contemporizasse e autorizasse o levantamento do rabiosque para ir à casa de banho ou, quando muito, para tomar rapidamente um cafezinho. Agora tudo mudou deveras. Toda a gente aceita na maior que que se façam uns piranços para a ir a qualquer parte fumar. Assim, à porta da rua gera-se de imediato um convívio alegre que faz prolongar os interlúdios por uma boa meia horita, hábito tácito que permite dois ou três excelentes convívios durante a jornada de trabalho, e isto com o beneplácito de chefes e colegas, condoídos com a pobre condição dos viciados dependentes.
c00000>Estou pois esfusiante com a adopção das medidas que entrelaçam os indivíduos amigável e compreensivamente, o que desde logo constituirá exemplo, praza, para se ramificar na diversidade de oposições que conturbam a vida das pessoas.
c00000>Bem... Comigo, que fumo seguidinho há 55 anos... Os obstáculos ao fumo não conseguem que eu pelo menos diminua o deleite tabágico: fumo quarenta cigarrinhos por dia e alturas há que vão mesmo sessenta... Tenho decerto já pulmões fumados e curados como se fossem de apetitoso presunto pata-negra!...
c00000>Viver e morrer tão só é uma sorte
Que a ninguém escolhe por igual
Porque o que felizmente é mortal
Nada conhece ou sente após morte...
c00000>Torre da Guia = Portus Calle