Gueixas
O universo das gueixas confunde-se com o universo das artes - seja a arte do canto, da dança, da conversa ou da sedução; a própria palavra "gueixa", aliás, pode ser traduzida como "pessoa que vive da arte".
A imagem dessas mulheres, maquiadas de branco e vestidas em belos quimonos, sempre fascinou o Ocidente. E exemplos desse deslumbramento não faltam, tanto no cinema como na literatura: um dos projetos de Steven Spielberg é transformar em filme "Memórias de uma Gueixa", livro do também norte-americano Arthur Golden.
Mas essa visão cheia de glamour não ajuda a revelar quem realmente são e o que fazem as gueixas. Fora do Japão é comum que elas sejam vistas como prostitutas de luxo, equívoco que explica ao mesmo tempo o preconceito e o romantismo que as cercam.
Ao contrário do que muitos imaginam, um cliente que paga pelos serviços de uma gueixa muitas vezes não recebe sexo em troca.
E quando isso acontece, é uma decisão que cabe quase sempre à própria gueixa. Hoje, a maior parte desses clientes são homens mais velhos, que sabem apreciar as artes tradicionais do Japão (que incluem canto e dança), além do jogo teatral que envolve esse universo. "As gueixas são como atrizes", diz a escritora e editora britânica Lucy Moss, que viveu no Japão entre 1994 e 1999. "Elas vendem aos seus clientes o sonho de uma mulher perfeita, e fazem com que eles se sintam atraentes e importantes".
Para se tornar uma gueixa, são necessários vários anos de um rigoroso aprendizado que começa na adolescência, geralmente entre 13 e 15 anos - antigamente, esse treinamento se iniciava já na infância.
Até a 2ª Guerra Mundial, não era raro que as famílias pobres do Japão vendessem suas filhas para prostíbulos, para reduzir o número de bocas a alimentar em meio à miséria em que viviam.
Mas se essas meninas fossem consideradas bonitas ou inteligentes, poderiam ter a chance de se tornarem gueixas. "Elas são fundamentais na história cultural do Japão", afirma Lucy Moss. "As gueixas mantêm vivas as artes tradicionais do país, que não existem mais no dia-a-dia", concorda a socióloga japonesa Miho Naganuma, que trabalha no Museu de Imigração Japonesa de São Paulo.
Entretenimento para a elite.
Conhecer uma gueixa, porém, é privilégio para poucos.
Em geral, seus clientes são formados por grandes empresários, políticos de peso, membros da yakuza (a máfia japonesa) e artistas famosos.
E não basta ter muito dinheiro; para entrar nesse círculo seleto, é preciso ser apresentado por outro cliente mais antigo. "As gueixas oferecem entretenimento e arte para a elite japonesa.
Quando presidentes e diretores de grandes corporações desejam receber bem seus convidados, seus parceiros de negócios, é comum levá-los às casas de chá (ocha-ya)", conta Luiz Massahiro Hanada, ex-secretário-geral da Aliança Cultural Brasil-Japão.
Mas esse universo, que ainda hoje é cercado de mistério, pode estar em extinção.
No início do século, havia cerca de 80 mil gueixas no Japão.
Hoje, estima-se que sejam apenas dois mil. Ironicamente, a influência do Ocidente (que tanto fascínio tem pelas gueixas) é apontada como uma das causas do crescente desinteresse dos japoneses pelas suas antigas tradições.
As gueixas surgiram durante a Era Tokugawa (1600-1868), na qual o Japão conheceu um período de estabilidade política, crescimento econômico e florescimento cultural.
Essa era, também conhecida como Período Edo, tornou-se possível após o fim de mais de quatro séculos de guerras internas e com a ascensão do xogunato.
Em 1600, o general Ieyasu Tokugawa derrotou o último de seus oponentes e se autodeclarou soberano de todo o país. "As diferentes províncias que compunham o Japão, e que antes guerreavam entre si, foram unificadas, permitindo que as pessoas concentrassem seus esforços em se tornar prósperas e em desenvolver as artes da paz", conta o livro "Women of the pleasure quarters - the secret history of the geisha", da jornalista inglesa Lesley Downer.
Para ela, isso foi o começo de um extraordinário "Renascimento Japonês". "É nesse ambiente de refinamento cultural, em que artes como o Ikebana e a Cerimônia do Chá se consolidam e o entretenimento se torna mais sofisticado, que surgem as gueixas", explica Luís Massahiro Hanada, que foi secretário-geral da Aliança Cultural Brasil-Japão até 1997.
Arte do entretenimento.
No início, "gueixa" se referia aos homens que exerciam a atividade do entretenimento (eles também eram chamados de hokan ou taikomochi).
Só com o passar do tempo é que a atividade se transformou em uma ocupação feminina.
De acordo com a enciclopédia japonesa Kodansha, os primeiros registros do uso da palavra "gueixa" datam de 1751, em Kyoto, e de 1762, em Edo (atual Tokyo).
Entre seus precursores estão as shirabyoshi, que no século 12 eram dançarinas e, eventualmente, amantes de nobres e guerreiros. No século 18, a atividade de boa parte das gueixas esteve circunscrita aos chamados "quarteirões do prazer" (yoshiwara), locais onde havia prostitutas e cortesãs, e que eram permitidos pelo governo.
Mas as gueixas não eram prostitutas, e faziam parte de um grupo à parte cuja função era oferecer entretenimento, por meio da dança e da música, às cortesãs e aos seus convidados.
As gueixas eram claramente orientadas por lei a não oferecer serviços sexuais. Porém, o fato de o governo ter publicado várias leis com a mesma proibição, em intervalos de aproximadamente 20 anos, pode ser um indício de que essa proibição nem sempre era respeitada.
Cultura urbana.
Além das gueixas que trabalhavam nos yoshiwara, havia as que atuavam em outras áreas das cidades de Kyoto e Tokyo.
Essas áreas acabaram se tornando centros de uma cultura urbana sofisticada, com destaque especial para as gueixas (o atual bairro de Gion, em Kyoto, foi uma dessas primeiras áreas). Como conseqüência dessa sofisticação, as gueixas serviram de inspiração para a literatura, a música e a pintura do início do século 19.
Confidentes do poder .
Desde o final do Era Tokugawa, as gueixas estiveram ligadas aos poderosos. Os samurais precursores da Restauração Meiji (que se iniciou em 1868), por exemplo, acharam nas casas de chá (ocha-ya) de Kyoto um local apropriado e insuspeito para suas discussões e planos políticos.
Hoje, é comum que líderes do Partido Liberal Democrata (PLD, a principal agremiação política do Japão), promovam reuniões e negociações protegidos pela discrição das casas de chá ou de sofisticados restaurantes (ryotei) de Tokyo, em meio a um ambiente descontraído e, eventualmente, regado a goles de saquê
(font/NET)
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CARLOS CUNHA/o poeta sem limites
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