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Artigos-->XU XING: de bicicleta pela China -- 02/06/2004 - 05:16 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Com seu romance de estréia, "E tudo o que resta é para ti", o escritor Xu Xing mostra como a liberdade, hoje, se permite existir na China



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Por Georg Blume (Die Zeit online, 23/2004)

Trad.: ZPA

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Em Pequim, maio começa com sete feriados, e a vida então floresce nas antigas colônias de trabalhadores. Entre acácias perfumadas, os homens jogam xadrês, enquanto as mulheres transferem o trabalho da cozinha para o ar livre e os jovens jogam peteca.



Em meio à alegre azáfama, no porão de uma construção comum de tijolos, do tempo de Mao, vive o escritor Xu Xing.



"Hoje é uma data feliz, o 6 de maio. Em todos os restaurantes festejam-se casamentos", esclarece Xu enquanto nos saúda. Assim, eles próprios, o escritor e sua parceira, prepararam a comida: ele, a carne de vaca cozida ao molho de soja e vinho de arroz; ela, uma iguaria de ovos e tomates, reluzente nas cores nacionais, o vermelho e o amarelo. Para acompanhar a comida, um chá verde, forte, que sai de cabaças de cerâmica marrom. Tudo isso, para acompanhar um bate-papo, que vai, da pergunta sobre como comprar legumes ilegalmente em Pequim, até a Dialética de Hegel.



Facilmente se tem a impressão de que Xu se deleita com sua existência pequinesa.

Ledo engano. "Para um escritor", diz Xu, tênis brancos, camisa Polo vermelha, a bicicleta na frente da porta da casa, "o mundo só pode ser horrível".



Assim, depois que as cascas e pauzinhos foram tirados da mesa, ele fala de Thomas Mann e Franz Kafka. Mas por que também na China os escritores têm de ser infelizes? Neste ponto, Xu assume uma expressão de seriedade: Foram três anos de exílio na Alemanha, apenas para reconhecer que lá não domina o paraíso, e que a China não pode esperar que o Ocidente lhe ofereça soluções fáceis.



Desde então, ele acredita que a China precisa dar continuidade às suas próprias tradições. Sem continuidade, não há futuro. Mas o que acontece? "O carro é um exemplo típico", ele explica, "todos alertam para as catástrofes no trânsito e no meio ambiente, mas as firmas automobilísticas do ocidente vão chegando e cada chinês compra um carro ocidental. Há que manter sob controle o demônio que está embutido nesse desenvolvimento".



São opiniões pelas quais Xu, até aqui, não é conhecido. Pois dele se diz ser um autor sem opiniões – homem sem raízes, escritor sem mensagem, revolucionário sem objetivos. Mas nisso repousa também seu considerável prestígio literário na República Popular.



Xu carrega o mito de ter sido o primeiro pós-moderno da China: associal, cínico, insultado pelo Partido Comunista como "pessoa inútil". Para tal, contribuiu o fato de que, desde o seu primeiro festejado volume de prosa ("Variações sem tema"; Pequim, 1985), Xu não escreveu mais nada. Agora, sem ter tido uma edição em chinês, este seu romance de estréia surge em alemão, depois de ter sido lançado em francês.



Assim, para o leitor chinês, Xu continua sendo quem era em 1985: aquele que interrompeu os estudos, tendo preferido sacrificar seu amor, por uma violinista que dele exigia a carreira em sacrifício; ou o jovem aventureiro que parte de bicicleta em busca de aventura. Em todo caso, alguém que não se deixa aprisionar por nada e por ninguém.



"Pequenas pancadarias, furtos, histórias de garotas – eram as nossas experiências de vida que tornávamos a reencontrar em Xu Xing", diz Wang Shuo, autor de inúmeros irreverentes romances sobre o cotidiano, ele que é, hoje, o autor mais lido na China. Wang não esconde sua admiração por Xu: "Sua influência não pode ser subestimada. Muitos jovens autores escrevem, hoje, no mesmo estilo que ele inventou", acredita Wang.



O novo romance de Xu também começa na juventude. Dois amigos estão em viagem de bicicleta pela China. Eles são da opinião de que, neles, se reúnem "a incapacidade, a ignorância e a inutilidade da humanidade inteira", mas logo se percebe que ambos mantêm os sentidos livres e abertos para o país e para as pessoas ao redor.



Ora trapaceiam o prefeito comunista de uma aldeia, ora ajudam uma mulher que é molestada sexualmente numa viagem de ônibus, ora aparecem como figurantes na filmagem de uma película, para se regozijar por detrás de um estupro.



Assim, Xu narra uma viagem de descoberta, tão despreocupada quanto aventureira, por uma China, nesse meio tempo, marcada tanto pelo Partido Comunista como pelo Capitalismo.



Com isso, o autor na verdade não faz justiça a seu próprio mito, de ser indiferente às grandes questões sociais. Xu conserta de bom grado: "Meus personagens enxergam os problemas com serenidade, mas possuem um sentimento de justiça e seus próprios valores".



Nisso repousa um mal-entendido freqüente na recepção de sua obra pelos ocidentais. Seus textos seriam "infiltrações de uma razão iluminista", neles não havendo nada que possua constância, como quer a tradutora alemã em seu posfácio.



É assim que se tenta instrumentalizar para o debate filosófico do ocidente alguém que escreve sob as condições da ditadura do Partido Comunista. Na realidade, em sua vagabundagem, os heróis de Xu fogem ao cinismo da razão do Partido, não ao Esclarecimento pura e simplesmente.



No caso, uma grande constância une os dois amigos: eles empreendem tudo o que se lhes oferece ao pensamento, para não negar a si mesmos. Que eles o consigam, e que ao longo da viagem até mesmo "humanidade e prostitutas honestas" lhes venham ao encontro, são fatos que dão testemunho do olhar cuidadoso do autor. Ele descreve não apenas mundos cotidianos discriminatórios, mas também a liberdade de seus contemporâneos no sentido de escapar a eles.



É uma mistura de atrevida ingenuidade, à Huckleberry, e desrespeito político, à Simplicissimus, que Xu não apenas confere a suas personagens romanescas, mas também procura preservar em sua própria vida.



Com firmeza, ele se volta contra isolamentos: "Eu não quero cair na armadilha dos intelectuais chineses exilados, que criticam a falta de democracia na China. Pois trata-se de um discurso ideológico que beira a deslealdade, porque, apesar de tudo, a China se desenvolve", diz Xu.



Mas, ao mesmo tempo, é obrigado a admitir que, na China, o seu romance foi vítima de auto-censura do funcionamento editorial: "Sugeriram-me que reescrevesse o capítulo sobre o Tibet".



Mas a isso ele não se presta. Do contrário, de que lhe valeria manter o antigo apartamento, no subsolo de um bairro operário chinês, por um aluguel de aproximadamente nove euros, em vez de se mudar para um moderno apartamento numa torre, com banheira e serviço de bar?



De passagem, Xu observa que um de seus amigos – no romance, ele aparece sob o nome de Gorilla –, vive hoje com a mulher e os filhos em Nova Iorque, na condição de artista bem-sucedido. Enquanto isso, neste porão onde Xu se instala, tudo tem a mesma aparência de antes: Sobre as estantes, abarrotadas de livros de literatura clássica, repousam uma mala azul de viagem e um boné militar cinza com a estrela vermelha. O boné dá testemunho de seu tempo de soldado, quando passou dois anos, que foram tudo menos infelizes, trabalhando numa aldeia de camponeses.



Ele até poderia fazer também, como tantos chineses, o relato de um passado horrível. Seus pais, dos quais ele hoje se ocupa, durante anos foram dele separados. Em 1957, como vítimas do movimento anti-direitista; mais tarde, pela contra-revolução. Mas Xu não é de se lamentar.



Existe em Pequim um "mistério Xu Xing", escreveu Pierre Haski no Libération não faz muito tempo, fazendo referência ao duradouro status cult de "único autêntico marginal da China".



Uma coisa Haski observou, no caso, com correção: a ascese e a renúncia ao consumo fazem de Xu um marginal misterioso, numa cidade que tende ao enriquecimento rápido.



Em contrapartida, ele vê coisas que ninguém vê:

"Por toda parte, com sua aparência extravagante, máquinas de construção estendem seus braços e garras grotescos, e engolem Pequim, acompanhadas de um estrondo insuportável". É esse o cenário da Pequim de hoje, que Xu descreve ao final do seu romance.



Finalmente a China tem uma voz literária, que pode ser crítica sem, no caso, se esquecer de que ela própria é uma expressão da nova liberdade.





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Xu Xing: Und alles, was bleibt, ist für dich. Roman; aus dem Chinesischen von Rupprecht Mayer und Irmy Schweiger; Schirmer Graf Verlag, München 2004; 273 S., 19,80 ¤

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