Não era isto que eu ia dizer... Ia falar da riqueza das imagens de "Os Sertões ".
Já me inspiraram alguns poemas, inclusive um que alguns amigos elogiam gosta , sobre um caminhante... etc... de "Do Lado De lá"
Mas, dando seriedade ao assunto, fui pesquisar e li o texto abaixo. Encantei-me com mais uma visão de Os Sertões, foi um insigth , na razão direta, terra- mar- mundo.
Algumas obras transcendem o motivo específico pelo qual são criadas, o mote inicial e aprofundam-se com tamanha sensibilidade descritiva na questão ontológica, homem, & mundo, que tornam-se obras universais.
O enredo torna-se menor.
Bem diferente da leitura, que adoro, de um romance de Agatha Christie, ou o excelente Dashiell Hammett.
Eis o texto que me permitiu ver, o que eu também sentia n "Os Sertões", e ao ter me faltado esta face da percepção, por não saber não via.
De Gina Maria Gomes, Historiadora , da UFRGS:
"...A imagem do "mar" é recorrente em Os sertões, cujo espaço é constantemente sobredeterminado com atribuições relativas a ela. Entre os recursos utilizados para a representação dessa imagem destaca-se o processo metafórico!: o olhar que vê, na busca de apreensão do objeto, transpõe as qualidades específicas do mar para aquilo que tenta descrever. Com isso, lhe confere novos sentidos, o que contribui para destacar o caráter plástico do que é visto.
Na primeira parte - "A Terra" -, a narrativa já está impregnada de expressões cujo eixo semântico está centralizado na imagem do mar: "onda", "ondear" e "ondular" são as que estão em destaque. Semanticamente, vem do latim "unda"2: "água (em movimento); água em geral, água (do mar), mar". A raiz semântica aponta para a presença do mar nesses termos. Assim, o olhar que vê impregna o objeto com qualidades que não estão nele: na terra excitada, nos morros crestados, no espaço dominado pelo sol, ele divisa o movimento das águas, o que indicia a constante utilização de "onda", "ondear" e "ondular".
Concordo, com a historiadora.. A metáfora da mar sempre presente. Sinto isto em Minas, como uma espécie de fetiche.
Interessante é que vejo os sertões em todo Brasil que vive a terra, da terra, ancestrais da terra, até nos pampas, mesmo quando a fabulosa narrativa de Euclides da Cunha faz a antítese do gaúcho frente o sertanejo. Aí, vejo uma síntese de brasilidade.
Se a leitura de "Os Sertões" for feita como se lêssemos uma novela, decerto não há como ser apreciada. É o anti -enredo e seria uma linda descrição antropológica , não fossem as impressões do autor, que , uma vez postas, parecem estar ele próprio, intrigado, a pensar nos mistérios que suas palavras escondem. Há um toque de filosofia
Mas , é exatamente na riqueza de imagens que a literatura se afirma, que nos leva a uma viagem sem fim, pois que de sertão é o coração do Brasil., sendo a gente do litoral, aquele que está perto do mundo, Aqui juntei, sem querer, literatura e filosofia, dentro dos meus parcos limites
Estava, agora em Porto Seguro, quando, sem mais nada para ler , caiu-me nas mãos, "Inocência" de Visconde de Taunay.
Como lembra "Os Sertões". A lenta e mágica narrativa, engole a história, o romance, que passa a ter menos importância. O início do livro, com as descrições da natureza e dos tipos humanos, as imagens rigorosas na delicadeza da descrição do rude, é de um encanto, que lembra o começo d Os Sertões, livro, que pode ser aberto em qualquer página, como o"Cântico dos Cânticos de Salomão".
Eis pequenas partes da descrição de Taunay, em "Inocência":
"...Correm as horas; vem o sol descambando; refresca a brisa e sopra o rijo vento. Não ciciam mais os boritis; gemem e convulsivamente agitam as flabeladas palmas.
Quanta melancolia baixa à terra com o cair da tarde!
Parece que a solidão alarga os seus limites para tornar-se acabrunhadora.Enegrece o solo; formam os matagais sombrios maciços e ao longe se desdobra tênue véu de um roxo uniforme e desmaiado, no qual, como linhas a meio apagadas, ressaltam os troncos de uma ou outra palmeira mais alterosa.
É a hora em que se aperta de inexplicável receio o coração.Qualquer ruído nos causa sobressalto...
...Freqüente é também amiudarem-se os pios angustiosos de alguma perdiz, chamando ao ninho o companheiro extraviado, antes que a escuridão de todo lhe impossibilite a volta.
Quem viaja atento ás impressões íntimas estremece mau grado seu ao ouvir nesse momento , o tanger de saudades...
....São insetos ocultos na macega que trazem em essa ilusão, que por tal modo viva e perfeita que a imaginação, embora desabusada e prevenida e prevenida , ergue vôo e vai por estes mundos a forjar fantasias.
...O sertanejo que de nada cuidou, que não ouviu as harmonias da tarde, nem reparou nos resplendores do céu, que não viu a tristeza a pairar sobre a terra, que de nada se arreceia, consusbstanciado que está com a solidão... Raros são seus pensamentos; ou rememora léguas que andou.... etc"
Em E. da Cunha e em Taunay, o sertanejo faz parte da paisagem, mais elemento que gente, mais alma aprendiz que corpo, pois este consubstancia-se com a solidão da ausência do outro e se auto define como chão e tempo do que fazer.
E repito o que escrevi anteriormente:... enquanto o sertanejo está dentro de uma natureza parda, tão inóspita quanto o pardo do seu coração, da sua roupa, da sua pele, da névoa que encobre o horizonte, cor de terra onde a lágrima, sendo lama, melhor não chorar.