Com seu jeito folgazão e seu hábito de pilheriar com todos à volta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez bastante graça na semana passada. Na segunda-feira, ao aparecer no saguão do hotel onde estava hospedado em Santo Domingo, capital da República Dominicana, Lula dirigiu-se aos jornalistas que o aguardavam e lascou: "Vocês são um bando de covardes mesmo, hein?". Em seguida, explicou que a covardia resultava do fato de que não haviam defendido a criação do Conselho Federal de Jornalismo, autarquia que o governo quer inventar para fiscalizar os jornalistas e o jornalismo. No dia seguinte, em nova investida no campo do humor, o presidente disse, durante uma conversa com seu colega da Costa Rica, que fizera uma visita ao Gabão com o objetivo de "aprender como um presidente consegue ficar 37 anos no poder e ainda se candidatar à reeleição". O presidente do Gabão, Omar Bongo, com quem Lula desfilou em carro aberto pelas ruas de Libreville, assumiu o governo com a morte do titular, em 1967, e nunca mais saiu. Está entre os ditadores mais longevos do planeta.
Quando um presidente faz piada, acólitos costumam esborrachar-se em gargalhadas, menos pela graça, é claro, e mais pelo servilismo. Mas não é nada engraçado que Lula tenha expressado, mesmo que em tom de brincadeira, sua admiração pela longevidade de um ditador africano. Também não é engraçado que tenha chamado jornalistas de "bando de covardes". Primeiro porque sem os "covardes" ele jamais teria sido eleito. Segundo porque o presidente sabia que seus interlocutores não poderiam responder na mesma altura sem turvar o ambiente. Terceiro porque a questão em tela está longe de ser um problema de bravura ou intrepidez. Quarto, e mais importante, porque um presidente da República, em especial num país como o Brasil, não é só símbolo do Estado – é símbolo de um gigante. O Estado brasileiro é excessivamente forte e praticamente tem o comando da economia. Somando as estatais e os níveis federal, estadual e municipal de administração pública, o Estado brasileiro é o maior empregador do país e ainda amarra a atividade econômica privada com um ímpeto de país socialista.
Walter Firmo
Cena da campanha pelo petróleo há meio século: os petistas mostram ignorância em sociologia e geologia. "É assustador que o comandante de um Estado com tais dimensões tente ampliar ainda mais seus tentáculos sobre a vida nacional. O autoritarismo é ainda mais preocupante quando se sabe que no Brasil há uma dissociação histórica entre atividade econômica forte e liberdades civil e política", afirma o filósofo Denis Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. É preocupante constatar que o Estado brasileiro, além de tudo, da riqueza, do emprego, do imposto, da força, ainda queira esparramar seu domínio sobre a imprensa, por meio da tal autarquia da imprensa, e sobre a cultura, através da proposta de criar uma agência nacional de cinema e audiovisual. Na semana passada, estrelas petistas pensaram em lançar uma campanha para defender a cultura nacional nas telas de cinema e televisão e bolaram o slogan "A tela é nossa", paródia da campanha "O petróleo é nosso", de meio século atrás. Ou seja: as estrelas petistas acham que petróleo e cultura merecem tratamento semelhante por parte do governo. Acham que uma dádiva da natureza, matéria que se cria à revelia da mão do homem, é mais ou menos igual à produção cultural de um povo, sua criatividade, seu intelecto. Os petistas mostraram ignorar, a um só tempo, os rudimentos da sociologia e da geologia.
A sátira do presidente sobre ditadura de um país africano também é uma brincadeira inadequada. "Tratar as declarações do presidente como brincadeira é uma maneira de não encarar o problema a sério. Não podemos esquecer que a democracia brasileira, a despeito de seus vinte anos, ainda é uma planta frágil", diz o filósofo Roberto Romano, da Unicamp. Afinal, nestas duas décadas, com uma taxa medíocre de crescimento econômico, o país não conseguiu superar a chaga da desigualdade social ou dar vida digna a todos os brasileiros, nem à maioria. Com um saldo precário, a realidade brasileira pode acabar contribuindo para semear a descrença quanto à democracia e, por extensão, a crença em algum novo tipo de populismo autoritário. Em nome do futuro, é bom zelar, e o presidente deve ser o primeiro a fazê-lo, para que nada parecido aconteça.