A prática metodológica é inerente à semiótica, ciência que se dedica a estudar a produção de sentido. Evidentemente, não é a semiótica o único sistema organizado de conhecimentos interessado nos sentidos. Porém, talvez seja um dos poucos que têm nas linguagens seu objeto privilegiado de análise.
De alguma forma, todas as ciências positivas estão compromissadas e comprometidas em buscar aquilo que aspiram por “verdade”. Cada qual, segundo seus paradigmas e montagens teóricas, persegue sistematicamente trilhas racionais capazes de não só revelar verdades como também de comprovar essas verdades na prática do compartilhamento e da disseminação do conhecimento.
Entretanto, nenhuma ciência – seja ela do núcleo mole (as ciências humanas e sociais, por exemplo), seja do núcleo duro (as ciências antes ditas exatas) – seria praticável se não se ancorasse em instrumentos e modos de proceder relativamente estáveis e padronizados.
Talvez porque a demonstração da verdade lógica se torne menos complicada quando se é fiel a padrões metodológicos ou talvez porque haja esperança de que o método assegure um percurso possível de investigação dessa verdade, sem grandes tentações de fuga ou desvio, o certo é que nenhuma ciência prescinde da organização que o método(seja ele qual for) proporciona. E tal dependência é inegável mesmo quando o cientista abole todos os métodos ou propõe transgressões que inviabilizam, no cerne, o espírito da organização sistemática da investigação científica, como faz, por exemplo, Paul Feyerabend em seu conturbado e paradoxalmente disciplinado “Contra o Método” (Ed. Francisco Alves).
Referimo-nos ao método como instrumento, padrão de comportamento para pesquisa e investigação. Talvez ele seja mesmo dispensável para quem está voltado unicamente para as práticas rotineiras do cotidiano, embora não seja difícil encontrar pessoas que pautam suas vidas por métodos rígidos e rigorosos que as levam a emborcar-se na cegueira da rotina. Nesses casos, o que chamamos de método não é senão uma camisa de força que restringe ao mínimo de possibilidades e ao máximo de redundância a percepção e a reação do sujeito “metódico”.
Na contramão dos métodos que escravizam, há métodos que libertam. A semiótica é uma ciência que propõe metodologias para pesquisa em todas as ciências, sem agredir ou contestar os paradigmas de cada qual. Uma das características mais marcantes dessa parceria é o respeito e a inclusão produtiva de sistemas de organização e sistematização do conhecimento em formatos por vezes imprevistos porque multiplaneares e multidirecionais. O resultado costuma ser uma ampliação das possibilidades exploratórias do objeto.
O princípio da semiótica
Essa exploração implica numa expropriação do objeto, o que somente é possível quando relativizamos os conceitos de realidade e verdade. Por isso, a semiótica não se refere diretamente à realidade. Ela o prefere fazer por meio do signo e do texto.
O signo – conceito base da semiótica do norte-americano Charles Peirce – é tudo aquilo que nos chega da realidade, que nos é dado perceber e que, portanto, não é a realidade inteira, mas uma parcela dela, uma parte ou uma dimensão que representa o todo, na impossibilidade de que ele apareça em sua plenitude. Traduzindo em miúdos, o signo é todo sinal de realidade, toda marca que representa algo que está fora dele, mas que, em alguns casos, ele é parte. Assim, os nomes não são as coisas nem as pessoas, mas as representam na ausência; os símbolos representam outros sentimentos, fenômenos e objetos que jamais caberiam inteiramente naquele sinal/símbolo; alguns signos são marcas de seus objetos (como as nuvens negras que prenunciam chuva, as pegadas que sinalizam a presença física de alguém). Todos nós conhecemos os signos e nos referimos sempre a eles quando falamos de significado ou significação. Ou seja, tudo o que é signo quer dizer algo, tem um significado. Temos de admitir que tudo tem significado, mesmo quando não sabemos dizer qual é. Portanto, tudo é signo.
O texto é também um conceito básico da semiótica na medida em que traduz aquilo que poderíamos chamar de o ambiente do signo. O texto é uma descoberta da semiótica russa do início do século passado e corresponde a um conjunto que Charles Peirce (que não conheceu os semioticistas russos) configurava como sendo um conjunto composto do fundamento do signo, das marcas que ele carrega do objeto que representa e dos demais signos o acompanham, que o interpretam. Assim, quando nos referimos a uma cidade como São Paulo ou Coromandel, não há apenas uma marca a representar a realidade desses “objetos-cidades”, mas um conjunto de marcas que já vêm junto com o nome da cidade. Esse conjunto pode ser um misto de sentimentos, lembranças, paisagens, notícias e símbolos que não aparecem de maneira diferenciada, mas, com certeza, estão contidos na representação quando se utiliza o nome dessas cidades. Isso nos leva a concluir que todo sinal (signo) contém de forma condensada uma série de outros sinais (também signos) capazes de dar consistência à representação da realidade. Essa consistência pode aparecer de forma ubíqua ou ambígua, o que não desmerece nem descaracteriza a autenticidade representativa do signo.
Há também outras vertentes dos estudos semióticos que partem do signo ou do texto e trabalham o discurso, a narratividade, a intertextualidade, etc. Todas elas constituem, cada uma a sua maneira, formas de abordagem do fenômeno semiótico e, portanto, também compatíveis com os demais métodos de pesquisas utilizados por diversas ciências.
Entendido o ponto de partida, vejamos agora como o que genericamente chamamos de método semiótico pode fundamentar, apoiar e balizar a pesquisa científica no mundo acadêmico.
O projeto semiótico
Não há pesquisa que possa prescindir de um projeto. O projeto é o lugar no qual vamos delimitar o objeto da pesquisa, formular problemas em torno desse objeto, lançar hipóteses, organizar objetivos e, sobretudo estabelecer as melhores metodologias de aporte. Fazem também parte do projeto, as intenções de cumprimento de prazo na realização da pesquisa e as formas de acesso analítico ao objeto, tais como as leituras e os pontos de observação. Um projeto completo nos dá a ilusão de termos agarrado e aprisionado o objeto para, posteriormente, o digerirmos com algum prazer ... o que nem sempre acontece. É lamentável constatar como alguns bons projetos se tornam pesado fardo para o pesquisador, depois de algum tempo.
É no ambiente do projeto que a metodologia semiótica pode instaurar-se. Porém, ela não pode ficar confinada à base de aporte, uma vez que contamina a percepção do objeto, complexiza as hipóteses e dilui objetivos, permitindo que o pesquisador movimente-se com maior liberdade e vigor na exploração do objeto. E esse movimento não é privilégio apenas do investigador; o objeto também não se imobiliza, não se congela, não estaciona para ser observado e decomposto. Ele continua no mundo como dado de realidade, atuando e transformando-se enquanto a pesquisa se realiza e o pesquisador vai ganhando ou perdendo paciência. Portanto, um projeto que elege a semiótica por fundamentação tende a ser um projeto dinâmico, autotransformável a cada aplicação, a cada fase do processo investigativo.
A abordagem semiótica
Quanto às formas de abordagem do objeto, a semiótica contempla, além dos métodos de raciocínio já conhecidos (da indução e da dedução), o método abdutivo, relacionado às evidências que se dão como insight no período da pesquisa, mesmo quando parecem descabidas ou impossíveis de serem alocadas em algum lugar lógico da sistematização do conhecimento. A semiótica organiza as descobertas abdutivas de forma estimuladora, pois as reconhece como pontos de partida, novas hipóteses, novas “sensações de verdade” que reorientam a direção da pesquisa ou ensejam recortes e redesenhos no projeto original.
E se estiver errado? A teoria do falibilismo (de Charles Peirce), segundo a qual todo conhecimento está sujeito ao erro, conforta o pesquisador ao mesmo tempo em que o leva a assumir a responsabilidade pela precariedade de suas conclusões, reduzindo a tendência à arrogância e a prepotência, sentimentos bastante comuns que acometem o pesquisador iniciante.
Um projeto semiótico não tem pretensões a conclusões gerais ou a fechamentos contundentes. Normalmente busca o alargamento de possibilidades, fator estritamente ligado à proliferação dos sentidos. Assim, escancarar a complexidade que se esconde por detrás da aparente simplicidade das manifestações do objeto de pesquisa é uma atitude semiótica tão autêntica quanto mapear tal complexidade de forma a manter sob algum controle ou organização seus efeitos e repercussões. Esse controle, entretanto, não circunscreve ou encarcera o objeto: antes, admite que ele possa circular independentemente de eventual controle, sendo, portanto, passível de sofrer efeitos imprevisíveis, daqueles que jamais poderiam ser imaginados quando do projeto inicial.
Quando um projeto de pesquisa com fundamentação semiótica tem como foco objetos tão distantes entre si, tais como a linguagem artística e o fazer administrativo, por exemplo, a metodologia tanto pode contribuir para aproximá-los quanto para dispersar eventuais e óbvios pontos de contato, a depender dos objetivos do pesquisador, sem agredir paradigmas que norteiam e sistematizam o conhecimento nessas duas áreas do saber.
A semiótica e a Interdisciplinaridade
Não é de hoje que o mundo científico reconhece que não é mais possível a quem quer que seja o domínio de todas as ciências desenvolvidas no mundo. Houve, porém, um tempo em que isso era possível. Certamente, até os finais do século XIX alguém ainda poderia aspirar a dominar todo o conhecimento sistematizado da humanidade ( ainda que isso fosse uma tarefa hercúlea), desde que se disciplinasse a aprender com humildade e intensidade os paradigmas que regiam as diversas ciências positivas. Até então, não passavam de uma dúzia, talvez um pouco mais.
Peirce foi um desses teimosos e obstinados estudiosos. Estudou geologia, física, matemática, filosofia, lingüística, psicologia, química e até enologia, no que, com certeza, tinha muito prazer. Talvez por estudar tanto ele não encontrasse tempo para relacionamentos estáveis. Teve uma vida conturbada e repleta de desentendimentos. Escreveu 20 mil páginas, foi expulso de várias universidades nas quais lecionou, enfim, não tem bons referenciais para jovens de boas famílias.
Entretanto, virou o século e foi até o fim da vida (ele morreu em 1914) desenvolvendo uma ciência que, pretendia, fosse a ciência de todas as ciências. O que ele queria era descobrir um método comum a todas as ciências positivas. Acreditava que quanto mais racional fosse o método, mais econômica seria a investigação. Para ele, ciência é basicamente método e método é algo que somente pode estar lastreado na lógica. E para chegar a afirmar que seu método semiótico lógico era capaz de colaborar com todas as demais ciências, Peirce testou suas descobertas. Aliás, o que o celebrizou para o mundo atual foi a idéia de que tudo o que se conclui como verdade deve ser posto à prova. O nome desse princípio ele o denominou pragmatismo. Em grego, pragma quer dizer experiência. Portanto, toda conclusão – seja ela acerca de uma idéia, de um conceito, de um objeto ou de um acontecimento – deve ser submetida à experiência, deve ser checada em todas as suas possibilidades para que possamos nos convencer de sua veracidade.
Hoje o senso comum chama de pragmático a pessoa que se disciplina a só crer numa teoria que seja prática, que se converta em algo testável. Peirce é o pai do pragmatismo (que, por razões complexas de uma intensa discussão com Willian James, ele preferiu denominar pragmaticismo). A semiótica é, pois, uma ciência que vai ajudar as outras ciências a descobrir caminhos e prová-los, principalmente de forma inusitada. Talvez por esse motivo ela ainda encontre tantas resistências no meio acadêmico: é comum que semioticistas da comunicação fujam ou transgridam códigos instaurados no meio para dar conta de aparentes sutilezas de seus objetos de estudo, particularidades que depois se revelam essenciais à compreensão da dinâmica desses objetos.
O método semiótico, portanto, tem muita utilidade para promover o diálogo entre paradigmas distantes e até mesmo estranhos. Assim, com fundamentação semiótica, o pesquisador pode (desde que entenda necessário) ir buscar na antropologia, na sociologia, na física ou na psicanálise conceitos familiares a essas ciências e associá-los (de maneira organizada e sistemática) na articulação argumental em torno de peculiaridades de seu objeto de estudo. Dessa forma, é possível que o investigador não perca de vista seu objeto em meio a tantas e tantas teorias; afinal, o trabalho acadêmico (seja ele uma tese, uma monografia ou uma dissertação) não precisa provar novamente o que os teóricos já provaram. O que ele precisa é servir-se dessas teorias para entender seu objeto, ampliar as possibilidades de compreensão em torno dele, solucionando problemas ou amplificando complexidades.
Complicando e Descomplicando
A escolha do objeto é, pois, o primeiro passo para que possamos projetar (é bom lembrar que essa é a origem do projeto) o modo de abordagem e os caminhos da pesquisa até as soluções ou até a obtenção das metas a que nos propomos com o trabalho.
Não é demais lembrar que esse objeto deve proporcionar ao pesquisador um certo prazer, deve estar relacionado com suas buscas particulares, deve estar no rol das questões que o ocupam seguidamente. Isso porque não é nada agradável ter de debruçar-se durante anos sobre um objeto com o qual não temos muitas afinidades nem simpatias.
Escolhido o objeto, comecemos por problematizá-lo, caso os problemas já não estejam intrinsecamente ligados a ele. Alguns estudantes se questionam sobre a necessidade de criar problemas, como se tal inquietação fosse maquiar um panorama estável ou forçar a eclosão de falsas questões.
Evidentemente, não há o que pesquisar se não houver alguma questão a ser respondida. Descartes já nos lembrava que o conhecimento começa com a dúvida. Quem não duvida, quem aceita o mundo tal como ele lhe acomete, não tem muito mais o que fazer senão contemplá-lo e fruí-lo em intenso prazer. Mas isso não resulta numa dissertação ou numa tese, embora seja muito mais agradável.
Se não temos um problema, temos de criá-lo. Criar caso é a primeira competência de quem quer aprender a pesquisar. Criamos os casos para resolvê-los ou para chegarmos à conclusão de que eles são mais complexos do que imaginávamos no início. Por isso, o problema inicial é o ponto de partida dessa excursão pelo objeto.
Somente a partir do problema podemos aventar possibilidades de resolução ou de satisfação das necessidades que o objeto gerou. Por isso, elaboramos hipóteses. Peirce nos diz que toda hipótese é uma sensação de verdade, ou seja, nós só levantamos hipóteses sobre aquilo que vislumbramos – com muita insegurança e sem qualquer garantia que não seja uma tênue sensação – como solução ou como encaminhamento de solução.
Por sua vez, toda solução tende a ser um novo problema. Por isso, não podemos esgotar nossa pesquisa apenas numa hipótese. Podemos desmembrá-la em várias hipóteses auxiliares, menores ou subseqüentes, imaginando tanto os problemas que cada uma traz dentro de si quanto aqueles que elas podem desencadear se forem confirmadas ou se forem negadas.
É interessante observar, como Peirce, que normalmente – na maioria dos casos – as hipóteses tendem a ser confirmadas. O que, então, levaria o pesquisador a concluir quase sempre pelo acerto de suas próprias intuições? Alguém poderia dizer que quando partimos para a demonstração de nossas hipóteses tendemos a buscar argumentos que as justifiquem, dentre tantos outros que poderiam desautorizá-las. Porém, não estaríamos agindo com ética científica se assim o fizéssemos. Temos de buscar, de forma transparente e diversificada, todos – ou o maior número possível – de fatores que interagem com o nosso objeto de pesquisa, para depois discriminá-los e organizá-los em torno das questões que levantamento inicialmente.
De três em três e de dois em dois
Tais articulações requerem um tipo de raciocínio por vezes diagramático. Peirce organiza-se de forma triádica: a partir de uma categorização dos níveis e dimensões de ocorrências fenomênicas – e que também se processam na mente humana – ele organiza o conhecimento de três em três, formando diagramas que dão conta da complexidade ao tempo em que colaboram para o entendimento.
As teorias semióticas da cultura de origem eslava e as desenvolvidas na Europa (notadamente na Alemanha, na atual República Tcheca e na Espanha) trabalham com esquematas baseados no binarismo. Considerado o método mais econômico de relacionar idéias e conceitos diferentes, o mais natural e o mais imediato de todos, o binarismo está atrelado à conformação biológica do cérebro, de todos os órgãos corpo humano e parece estar também na natureza: dia e noite, céu e terra, ontem e hoje, certo e errado, antes e depois, seco e molhado, enfim, parece-nos bastante familiar e afim pensarmos por oposições binárias, ainda que nossas verdades não caminhem por esses extremos, mas nos meandros desses meios, de forma assimétrica.
De dois em dois pensamos também em organizações diagramáticas que associam um grupo de dois a outro grupo de dois, formando quatro elementos/conceitos que se opõem e se complementam de forma contrária ou até mesmo contraditória. O denominado carré semiotique ou quadrado semiótico é o diagrama eleito como fundamental numa das vertentes dos estudos semióticos que se desenvolveu na França a partir dos trabalhos de Ferdinand de Saussure, continuado por Louis Hjmeslev e organizado posteriormente por Algirdas Greimas.
Há quem afirme que o pensamento humano tende à dicotomia, uma tentação binária. Há até mesmo quem não admita o pensamento ternário, afirmando que não pensamos em três, mas em três grupos de dois (A e B, B e C, A e C). É possível e até mesmo plausível. Entretanto, há semioticistas peirceanos que não admitem o binarismo, demonstrando que a explicação aparentemente binária sobre o signo em Saussure é ternária, uma vez que há apenas significante e significado; há também o signo, que resulta dessa relação. Como o signo não está apenas em um dos seus aspectos, o esquema não seria binário.
Dois, três ou quatro, seja qual for a base de estudos escolhida, o que não varia em nenhuma delas é o fato de que o sentido surge da relação. Diante dessa constatação básica de todas as semióticas, nada tem sentido em si mesmo senão na relação que mantém com o outro. A importância desse outro não se resume, portanto, a constituir uma contrapartida de algo ou de alguém, mas é determinante para a produção de sentido. No centro dessa formulação está o conceito de alteridade, tão caro às ciências, notadamente àquelas voltadas à subjetividade humana.
O outro como presença semiótica
Quando estudamos as teorias da comunicação, invariavelmente somos levados a exacerbar a importância do emissor no processo de trocas informacionais. Afinal, é o emissor que toma a iniciativa, é ele que tem as intenções, estabelece as estratégias, avalia, ouve o outro e responde.
Temos de considerar, por outro lado, que é ao receptor que o emissor, suas intenções e estratégias se dirigem. É para o outro e com o outro que o processo faz sentido. Cabe ao emissor marcar o encontro, provocar a relação. O sentido da comunicação não pode estar, pois, atrelado apenas às competências do emissor, da mesma forma que não pode ficar circunscrito às mazelas da recepção. Só há sentido na comunicação – e também só há comunicação, uma vez que o processo existe em função da produção do sentido – quando surge a relação. Nessa situação, o receptor chega a ser decisivo: se ele não responde, sequer acontece a comunicação. Todos sabemos que num processo interativo, não basta que exista o estímulo. A resposta é essencial para configurar a qualidade da relação e, conseqüentemente, as peculiaridades de sentido aí produzidas, ainda que a ausência de resposta possa também significar uma resposta .
Não é nova essa preocupação. Aristóteles já definia o ser a partir da existência do não-ser. Não é exagerado afirmarmos que algo singular e peculiar só tem existência porque todo o resto é diferente. Hoje podemos constatar que o outro tem assumido importância crescente na sociedade: o consumidor ganhou mais força e uma lei que o protege contra os descuidos do fornecedor, o telespectador define a seqüência da novela na televisão, o povo fiscaliza o poder público e exige respostas, enfim, o mundo está muito mais voltado para o adverso, ainda que essa relação não seja, necessariamente, belicosa.
Tudo isso é também uma realidade semiótica, porque não se admite que apenas uma decisão unilateral seja responsável pela produção de sentido que gera e explica a realidade. Todos os métodos que recomendam incisão semiótica em objetos de pesquisa realçam sobremaneira a presença e a referência do outro.
Semiótica: modo de usar
A essa altura, o pesquisador pode estar se perguntando sobre os caminhos que deve tomar caso venha a optar pela abordagem semiótica em seu percurso acadêmico. E para começarmos a responder tal inquietação temos de ser bastante francos e diretos, ainda que o conselho pareça lateral: não é possível uma abordagem semiótica sem uma orientação que a inclua no rol das possibilidades teóricas de seu trabalho. Como afirmamos anteriormente, nem todas as ciências vêem com simpatia e de bom grado as configurações semióticas no rol dos fundamentos teóricos num projeto.
Vencida essa etapa, é preciso muita leitura, começando das obras introdutórias àquelas que fornecem uma cartografia do pensamento semiótico. Duas obras são fundamentais: a primeira, calcada na semiótica peirceana, faz parte da coleção Primeiros Passos da Editora Brasiliense (O que é Semiótica), de autoria de Lúcia Santaella. Há, posteriormente, uma série de outras publicações dessa mesma autora, considerada a maior especialista brasileira em Charles Peirce. Porém, recomendamos como de fundamental importância a leitura de “A Teoria Geral do Signo”, publicado inicialmente pela Editora Ática, mas já reeditado pela Pioneira Thomsom Learning. A teoria peirceana só é acessível na íntegra (Collected Papers, publicado pela Indiana University Press) em obra de 20 volumes, ainda não traduzidos para a língua portuguesa. Mas é possível encontrar textos escolhidos de Peirce em duas publicações em língua nacional: “Semiótica”, pela Brasiliense e “Semiótica e Filosofia” pela Cultrix.
Por fim, recomendamos aos interessados que invistam algum tempo em um curso de semiótica, preferencialmente no modo presencial, no qual poderão dialogar com os estudiosos da semiótica peirceana. É possível encontrá-los na internet, utilizando-se dos sites de procura.
Para entender a semiótica da cultura de extração russa, é recomendável ler o interessante e instigante livro de Norval Baitello Jr., editado pela Annablume, de São Paulo, “O Animal que parou os Relógios”. Caso o pesquisador queira aprofundar-se nas teorias desenvolvidas por Iuri Lotman, que explicitam e categorizam o texto semiótico, ou conhecer como os russos das escolas de Tartu e Moscou evoluíram dos estudos literários aos estudos da cultura, recomendamos a leitura de “Semiótica Russa”, um livro organizado por Bóris Schnaidermann e publicado pela Editora Perspectiva. Ao mesmo tempo, ou consecutivamente, seria bastante produtiva a leitura do livro de Irene Machado, “Escola de Semiótica” (Ateliê Editorial, São Paulo), do qual constam as conhecidas e fundamentais “teses eslavas para um estudo semiótico da cultura”, elaborada por um grupo de estudiosos liderados por Lotman e Ivanov.
Acreditamos que para iniciantes em semiótica as recomendações acima são o bastante. Quem quiser verificar como é possível desenvolver um trabalho de semiótica aplicada a objetos e fenômenos do cotidiano, recomendamos o livro de Lúcia Santaella “Semiótica Aplicada” (ed. Pioneira Thomson Learning).
Por fim, lembramos que seu orientador deverá sempre ser consultado sobre a pertinência do uso de metodologia semiótica em seu trabalho de investigação científica. Essa providência preliminar poderá evitar futuras conseqüências indesejáveis, além de efeitos colaterais que fatalmente comprometerão o indispensável prazer de que todo trabalho de pesquisa jamais deveria abrir mão.
Referências e Recomendações Bibliográficas
BAITELLO Júnior, Norval. O Animal que Parou os Relógios. Annablume. São Paulo: 1997.
FEYERABEND, P. Contra o Método. Francisco Alves.Rio de Janeiro: 1977.
LEACH, Edmund. Cultura e Comunicação. Zahar. Rio de Janeiro: 1978
MACHADO, Irene. Escola de Semiótica. A Experiência de Tartu-Moscou p ra o Estudo da Cultura. Ateliê Editorial/Fapesp. São Paulo:2003
PEIRCE, C. S. Semiótica e Filosofia. Ed. Cultrix. São Paulo: 1989
PEIRCE, C. S. Semiótica. Ed Perspectiva. São Paulo: 1997
SANTAELLA, Lúcia. A Teoria Geral dos Signos. Ed. Ática, São Paulo: 1999.
SANTAELLA, Lúcia. Semiótica aplicada. Pioneira Thomson Learning. São Paulo:2002.
SCHNAIDERMAN, Boris (org.). Semiótica Russa. Perspectiva.São Paulo:1979.