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Artigos-->Eles vieram do Velho Mundo -- 13/09/2004 - 16:21 (Luiz Carlos Assis Iasbeck) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Eles vieram do Velho Mundo ... para morrer na praia do Futuro

(aliás, como há 500 anos atrás)



(29/08/2001)

Luiz Carlos IASBECK





O espantoso e trágico episódio da morte dos seis portugueses numa praia em Fortaleza emocionou a todos os que tiveram o despudorado prazer de ler, em detalhes, as narrações jornalísticas da morte lenta e cruel, da “morte ao vivo”, como poderia dizer uma TV lusitana numa piada de humor negro ( aliás, humor trágico, para ser etnologicamente correto).



Eles vieram de terras longínquas, atraídos não pela riqueza do pau brasil ou pelos mistérios do além mar. Agora, numa sociedade internética, televizinha e globalizada (em Portugal, a Globo também tem tudo a ver como você), em apenas algumas horas é possível embarcar num vôo da TAP e chegar a salvo em terras brasileiras. A salvo, eles chegaram ao aeroporto Pinto Martins, um nome português, com certeza, bastante familiar aos Joaquins e Manueis que aqui vieram em férias ... também conjugais.



Esperava-os o amigo desbravador, ex-presidiário e ladrão apenado, tal como aqueles gajos que toparam a empreitada de Cabral. Aqui ele já estava acasalado e, como grande parte dos brasileiros, falido e endividado. Um fenômeno de aculturação em curto espaço de tempo: foram apenas seis meses entre chegada, estada, aninhada e o trágico desfecho da semana passada.



Os seis amigos portugueses, exaustos mas ansiosos por saborear as belezas prometidas pelo anfitrião, mal chegaram e já estavam energizados para a noitada na boite Vela Latina, um nome, uma marca, que com certeza jamais surgiria na cabeça de algum brasileiro. Nunca fomos latinos, mesmo ocupando vasta área da América de baixo. Não nos vemos latinos, não gostamos de Mercedes Sosa, não compartilhamos a melancólica patriotada de nossos vizinhos andinos nem as desmesuradas arremetidas de nossos arqui-rivais argentinos. Só mesmo alguém de fora é capaz de contemplar as praias nordestinas e ter a luminosa idéia de plantar uma Vela Latina em plena praia do Futuro.



Pois bem, o anfitrião era também um empresário, um homem que tocava negócios de prostituição, agenciando garotas bronzeadas e mal nutridas. Brasileiras. O resto, todo mundo já sabe.



Fico imaginando, mesmo sem querer, a alegria dos “seis empresários portugueses da construção civil” ( assim foram caracterizados pelos jornalistas locais, que pautaram o acontecimento com exclusividade para todos os demais mídias do País). Não tiveram tempo de arrumar as malas, tampouco de repousar e esticar as pernas para restaurar as forças de uma noite mal dormida na caravela da TAP, setor econômico.



E alegres deviam estar enquanto aguardavam no miserável barraco de Militão a chegada das prometidas raparigas. Seria uma noite de orgia, de prazer e fantasia. Seria ... até a chegada dos capangas, brasileiros mal pagos, desempregados e sem futuro, que fazem qualquer coisa por mil reais. Afinal, o que é um assalto no Brasil senão uma rotina, ainda que desagradável? Os portugueses não resistiram, talvez não estivessem acreditando naquela piada de mau gosto.



Os nativos, entretanto, estavam enfurecidos. Aqueles corpos que ansiavam carinhos púteos foram cobertos de porradas, sacaneados, amarrados, amordaçados, antes da decisão final sobre seus destinos. Os cartões de crédito, os dólares e escudos que os protegeriam naquela noite memorável foram sacados de suas roupas com violência e selvageria. Mas os nativos queriam mais, estavam loucos e não mediam consequências.



Abandonados à sorte nas mãos daqueles bárbaros pagãos, rezaram e pediram bençãos a D. Sebastião. Pediram clemência, imploraram pela vida que, instantes depois, foi-lhes tirada por uma tele-decisão. E esses não eram mais os portugueses de quem nós, brasileiros, nos divertimos nas piadas. Eles entenderam a cilada. Foi fatal!



De seu celular, Militão ouvia seu “amigo” prometer sigilo e esquecimento. Frio, distante de tudo, como estava de sua terra e do mundo dos homens, o algoz ordena a execução.



Os porcos assassinos não sabiam matar. Machucavam, apunhalavam, erravam tiros que resvalavam pelos corpos, batiam-lhes com porretes, numa cena inimaginável de barbárie, crueldade e incompetência.



Os pobres seis empresários portugueses da construção civil foram atiradas em uma grande vala aberta pelos capangas de Militão no fundo do barraco. Seus corpos foram amontoados e cobertos de areia. Não estavam mortos, soube-se depois pelo laudo do IML. Seus pulmões estavam cheios de areia. Ainda respiravam.



Poucas chacinas são capazes de nos chocar tanto. Afinal são tantas chacinas ... que já as admitimos conhecer em números estatísticos. Quem nunca ouviu um locutor de TV ou leu num jornal algo como: a maior chacina já registrada este ano na região ... etc e tal ?





Os portugueses descobriram o Brasil, dizem os livros de história. Hoje sabemos que o Brasil já existia antes de Portugal aqui aportar. Hoje somos capazes de entender que há 500 anos a Europa tomou conhecimento de que o Brasil existia ... o que é bem diferente de assumirmos a arrogância eurocentrista que até hoje nos coloniza, ainda que eufemizada pela prepotência dos americanos lá de cima.



Portugal fez muita festa no Brasil. Mandou-nos os primeiros brasileiros, deportados, ex-presidiários, loucos e estupradores. Inseminou-nos, assim, o germe da brasilidade. As índias gostaram da idéia, mas não se renderam às suas cuecas de renda. Dominaram-lhes com o sexo e os filhos resultantes das loucas orgias que rolavam na ilha de Vera Cruz. Eles, os dominadores, se apaixonaram, fincaram âncoras, abriram lojinhas, padarias, bancas de jornais e hoje estão de volta, atraídos pelas prometidas benesses que lhes trará a globalização no Mercado Comum Europeu. Tudo a ver.



Estão lá, com sua simpatia e mal humorada receptividade, ávidos a consumir o progresso que o resto da Europa lhes trará. Desenvolveram boas e comedidas relações com os brasileiros. Expulsaram nossos dentistas, é verdade, mas aquilo foi apenas um caso mal contado de gente que deu com a língua nos dentes.



Somos povos amigos. Temos a mesma língua, quase as mesmas regras gramaticais, eles pegam a Globo e nós captamos imagens da RTP nas redes a cabo. O sibilado do carioca, do catarinense e do maranhense não nos deixa esquecer que temos nossa origem naqueles comedores de silabadas de além-mar.



Somos povos diferentes. Não choramos o fado, temos o samba, o pagode e o rock nacional. Até apreciamos o pastel de Belém, mas preferimos o sarapatel. Temos o Drummond de Andrade; eles, o Fernando Pessoa em suas várias pessoas. Temos igrejas coloniais. Eles só tem igrejas e congregações colonizadoras. Enfim, eles são Portugal, nós somos o Brasil.



Os seis portugueses empresários da construção civil talvez acreditassem que o Brasil é o País das putas, das mulheres que dão fácil, dos amores fugazes e do sexo barato. Vieram ser – quem sabe - mais felizes do que conseguiam ser por lá. Quem sabe tivessem disposição para deixar por aqui um pouco mais que suas energias sexuais, como antigamente fizeram seus patrícios? Ninguém saberá.



O conterrâneo que os mandou assassinar está em evidência. Os nativos que cometeram a brutal, imperdoável e abominável carnificina estão presos. Parecem-se com todos os outros acusados de assassínio. Têm a cara que a mídia lhes dá e o discurso que todos esperam: fizeram por dinheiro. Todo mundo parece entender.



O Velho Mundo está horrorizado. Nós, o terceiro mundo, que nunca conseguimos entender os horrores das guerras européias, experimentamos um pouco desse terror numa de nossas mais belas praias, agora indelevelmente tingida com o sangue ingênuo dos seis empresários portugueses da construção civil.



Esse é o triste fim de uma história portuguesa em terras brasileiras .. de mais uma triste história portuguesa em terra s brasileiras. Eles apenas queriam ser felizes ... e acreditavam na amizade. Nós também éramos felizes outrora e ... acreditamos na amizade que os espelhinhos pareciam selar para sempre.



Um triste fim que nos faz recordar um remoto passado, toscamente revivido ... na praia do futuro.



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