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Artigos-->O que é Semiótica? -- 13/09/2004 - 18:17 (Luiz Carlos Assis Iasbeck) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O que é Semiótica?



Luiz Iasbeck



Este não é um texto acadêmico. Poderia até sê-lo, não fosse o rigor do gênero que, não raras vezes impede ou inibe o rigor do pensamento e a vivacidade das dialéticas.



Com certeza muita gente já ouviu falar em Semiótica; mas também, com certeza, muita gente não sabe o que é Semiótica. O mais interessante é que dentre os que não sabem, muitos fingem saber, outros não se interessam em conhecer e uns poucos se aventuram a desvendar o mistério. Desses últimos, alguns são bem sucedidos, mas não sem antes passar por algumas desventuras.



No meio acadêmico, especialmente entre os cultivadores daquela área do saber que é denominada “humanas”, a Semiótica soa às vezes como um desafio ou como algo contra a qual se deva resistir. Recentemente, professores responsáveis por órgãos de regulação de cursos superiores decidiram que Semiótica não é comunicação, desconhecendo as milhares de produções acadêmicas da área como realizações da área da comunicação. Um dos mais antigos programas de estudos pós-graduados em Comunicação desse País tem o singelo nome de Comunicação e Semiótica, tendo recebido durante mais de 15 anos consecutivos nota máxima da CAPES. Até cair na desgraça de um grupo político de estudiosos da comunicação que precisam fechar o cerco para manter emprego e salário. Na última avaliação do Programa, a CAPES deixou de fora toda uma farta produção relacionada com Semiótica, considerada “não-comunicação”.



Para vocês terem uma idéia do que significa isso no micro universo de um programa micro, o mestrado em Comunicação da UnB, na sua última edição, rejeitou nove projetos que se fundamentavam na Semiótica. Coincidência ou não, tais projetos não encontrariam, segundo o coordenador da linha de pesquisa, professores para orientá-los. O quadro docente recebeu reforço, porém as professoras que recém chegaram com o doutorado concluído ou não se interessam ou não podem/sabem orientar trabalhos em Semiótica. E elas precisam ter orientandos para se manterem vinculadas ao Programa e asseguram seus postos/cargos públicos. Como resultado, projetos de qualidade não tiveram sequer a possibilidade de concorrerem, eliminados que foram numa primeira e sumária olhadela por parte das examinadoras.



Há cinco anos venho trabalhando na qualidade de “pesquisador associado” junto ao mestrado de comunicação da UnB trabalhando exclusivamente com projetos em Semiótica e ministrando seguidamente disciplinas que se alternam entre Semiótica norte-americana e Semiótica da cultura (russa). A categoria “pesquisador associado” é uma forma encontrada pela Universidade para vincular aos seus minguados quadros docentes professores-doutores e orientadores que nada recebem para trabalhar, mas que o fazem por interesses outros, sabe Deus quais. No meu caso, há cinco anos sem qualquer remuneração, consegui formar praticamente meia dúzia de mestres em Semiótica num ambiente totalmente hostil.



Mas afinal, o que é essa tal Semiótica e por que tanta gente a rejeita e outros tantos se entusiasmam com a possibilidade de estudá-la?



Semiótica é uma ciência que estuda a produção do sentido nas diversas linguagens que possibilitam a comunicação.



É uma ciência, porque está estrutura como tal, possui uma epistemologia própria e arcabouços teóricos bastante complexos que sustentam algumas verdades e suscitam muitas dúvidas.



A produção de sentido é um fenômeno que se dá na mente e na natureza. Não é exclusiva do homem que dá sentido às coisas. O sentido não está nas coisas tomadas isoladamente, mas surge na relação entre existentes singulares e independe de alguém que o interprete ou o pense como tal. Toda relação que evoca e provoca sentido é uma relação comunicativa porque supõe estimulo e resposta. Portanto, o sentido surge da interação comunicativa. É por isso que entendemos a Semiótica como a ciência que estuda em profundidade a comunicação ... humana e não humana.



O objeto de estudo da Semiótica são as linguagens. Por linguagens, entendemos o conjunto dos sistemas estruturados de sinais (signos). As linguagens são instrumentos que possibilitam a expressão e impressão. São, portanto, instrumentos dos quais a comunicação não pode prescindir. Não há comunicação sem linguagem. E são linguagens, por exemplo, os sinais utilizados no trânsito, a gestualidade, as coreografias, as palavras lidas, escritas, ouvidas e faladas, a música, a culinária, as trocas biológicas (como as da fotossíntese), as convenções sociais, o cinema, a TV, etc....



Tudo o que comunica alguma coisa a alguém ou a alguma coisa, só o faz porque está estruturado em linguagem. Somente na linguagem o sentido “faz sentido”.



Como toda ciência, a Semiótica tem algumas vertentes.



Há uma vertente muito forte, de origem norte-americana, inaugurada pelo filósofo, matemático e psicólogo experimental Charles Sanders Peirce (1839 –1914). Peirce, considerado o fundador da Semiótica, considera-a uma ciência dedicada estudo da ação do signo na mente e na natureza. Há muitos estudioso que se debruçam sobre os escritos de Peirce. ainda em fase de organização. Em Bloomington, Indiana (USA), reúnem-se numerosos interessados na obra de Peirce.



Uma outra vertente, de origem centro-européia, provém dos estudos de fonética e lingüística e tem no franco-austríaco Ferdinand de Sausurre (1857-1913) seu inaugurador. Na verdade, Saussure sequer escreveu um tratado de Semiótica. Foram seus alunos que, baseados nas anotações de sala de aula, publicaram após sua morte, publicaram o seu Curso de Lingüística Geral. A primeira edição é de 1916. Num dos trechos desse Curso, Saussure teria anuncia o advento de uma nova e abrangente ciência, da qual a Lingüística viria a fazer parte e que teria o nome de Semiótica ou Semiologia. Só depois, Louis Hjmeslv desenvolveu as sementes lançadas por ele e as organizou de tal forma que pode ser desenvolvido posteriormente por outros estudiosos como, por exemplo, Algirdas Greimas.



Há ainda uma outra vertente que vem do Leste europeu. Originalmente dedicada aos estudos culturais literários, essa corrente é hoje denominada pelos seus apreciadores como “Semiótica da cultura”. Ela nasceu nas escolas de Tartu e Moscou, na Rússia, e seus maiores representantes são Yuri Lotman e V.V. Ivanov. Eles descendem dos “formalistas” russos, uma “escola” que, embora bastante perseguida, se frutificou e ramificou por várias partes do mundo (M. Bakthin, por exemplo, vem de lá).



Se vocês me perguntarem onde fica o italiano Umberto Eco – mais conhecido como autor de O Nome da Rosa e de Kant e o Ornitorrinco – nesse panorama, eu diria que ele começou propagando ou reverberando (eco) a doutrina dos Signos de Charles Peirce dos Signos, levando-a para a Europa e, posteriormente, disseminando-a por todo o mundo. Antes de ser um ficcionista, ele escreveu muitos livros e ensaios de Semiótica. Depois, montou um panorama com cara própria, utilizando-se de alguns conceitos muito propalados pela Semiótica de Hjmeslv. Numa fase mais recente, ele parece ter-se dedicado a rir das tendências que os estudos semióticos tomaram, fugindo ao seu “controle”. Não obstante, continua a ser o emérito convidado de todos os congressos semióticos pelo mundo afora.



Hoje, no mundo inteiro o campo da Semiótica encontra-se bastante ampliado. Segundo o pesquisador alemão Winfried Nöth, além dessas três Semiótica, temos a Semiótica da Comunicação Multimídia, a Semiótica Antropológica, a Psicosemiótica (ou Semiótica Psicanalítica), a Semiótica Médica (nascida antes mesmo de Charles Peirce), a Sóciosemiótica, a Semiótica do Folclore, a Semiótica das Organizações, a Semiótica da Publicidade, a Semiótica da Dança e do Ballet, a Semiótica Jurídica (com muitos pesquisadores e estudiosos no Brasil), a Zoosemiótica (cujo inaugurador foi Thomas Sebeok, recém falecido, o maior editor de livros em Semiótica no mundo todo). E, pelo visto, só não podemos mesmo ter semiótica no Brasil, nos estudos pós-graduados de comunicação.



Alguns expoentes da semiótica brasileira, tais como Lúcia Santaella, Norval Baittelo Júnior, Eduardo Penuella Canizal, Arlindo e Irene Machado, Fernando Segolim, Ana Claúdia Mei de Oliveira, Diana Domingues, José Luiz Fiorin, Ione Bentz, dentre outros, contam com inúmeras publicações do gênero, todas elas valorizando a ciência da comunicação e levando-a a uma profundidade de relações e a um alastramento intertextual de dimensões gigantescas. Só Lúcia Santaella já publicou mais de 30 obras em Semiótica, muitas delas com mais de 10 edições.



Não obstante, alguns profissionais da área preferem manter a “comunicação” naqueles domínios primários e primeiros nos quais se firmou como área política do saber, contemplando o jornalismo, a propaganda, as atividades de relações públicas e de assessoria de imprensa. Fora disso não há comunicação ... e para os pesquisadores ... não há salvação. Talvez devêssemos começar a pensar em criar uma nova área, a da Comunicação Cultural ... para resolver o problema daqueles estudiosos que não querem apenas estudar Comunicação “Social”.



Porém, no mundo inteiro existem centenas de centros de pesquisa de comunicação que se debruçam sobre as diversas semióticas. Para quem pode estudar fora, esse é um bom caminho para não sucumbir às obviedades dos estudos da comunicação na pátria amada, Brasil. Bloomington (USA), Bologna (ITA), Paris (FR), Kassel (DE), Helsink (FIN), Barcelona e Sevilha (ES), possuem universidades nas quais projetos de estudos pós-graduados em Comunicação e Semiótica são muito bem aceitos e estimulados. Para quem não pode estudar fora, a PUC de São Paulo e a Unisinos, em São Leopoldo, são excelentes opções para quem quer estudar Semiótica. Com um pouco de sorte e esforço, pode-se conseguir bolsas de estudos ... do CNPq e da CAPES.



_____________________



Para saber mais sobre Semiótica:



Nöth, Winfried. Panorama da Semiótica - De Platão a Peirce - São Paulo: Annablume, 1995.

Nöth, Winfried. A Semiótica no Século XX. São Paulo: Annablume. 1996

Santaella, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo: Brasiliense, 1994.

Pinto, Júlio. 1,2,3 da Semiótica. Belo Horizonte: Editora da UFMG, 1995

Baitello Jr. Norval. O Animal que Parou os Relógios. São Paulo: Annablume.1997.

Carontini, E. Peraya, D. O Projeto Semiótico - elementos de semiótica geral. São Paulo:Cultrix/USP, 1975.

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