Já se fala tanto em desigualdades raciais, sociais, econômicas. Decidi observar, então, as desigualdades no mundo artístico-cultural. A vítima: nós mesmos.
Resolvi lembrar de acontecimentos olvidados em minha memória. Na festa do Rock in Rio, no início do ano, houve atos deploráveis. Por estar no lugar e na hora errada, Carlinhos Brow foi humilhado por um bando de revoltosos. Esses mesmos jovens, patrocinadores de uma mediocridade cega, são os que pregam a liberdade de expressão, respeito ao próximo e se acham a "cara do Brasil". Vale lembrar que a juventude brasileira não se resume ao nicho Rio-São Paulo. Nem todo garoto gosta de guitarra ou piercing.
Lendo uma conceituada revista - edição esta do mês de março - testemunhei o cantor Gilberto Gil referindo-se aos blocos afro e afoxés como "blocos negros e pobres". Ele queria justificar a discrepância fazendo analogia ao darwinismo, em que ocorre a seleção das espécies. Com os bolsos fartos, o artista ignorou o valor de outras manifestações culturais carnavalescas. Como disse, em recente artigo, o articulista do Jornal O Povo, Alexandre Barbalho, é "A lei do mercado".
Na guerra travada entre emissoras de televisão e os cherifones do cinema nacional, a grandiosidade das cifras empolga. Editada pelo Governo Federal, a Medida Provisória n.º 2 219 tinha pretensão de conseguir 250 milhões de reais por ano e destiná-los ao cinema. Emburricadas, as redes de TV baniram do projeto os 4% que incidiriam sobre seus faturamentos. Também, é de tirar o chapéu para o dinheiro embolsado pela diretora de cinema e atriz Norma Bengell. Em 1996, ela conseguiu nada menos do que R$ 3 milhões para torrar no filme "O guarani", baseado no romance de José de Alencar. O próprio escritor Joaquim Nabuco disse: "Nós somos brasileiros, não somos guaranis (...)". Crítica, esta, formulada há mais de um século. Resultado: não perdurou um mês em exibição. Com todo esse dinheiro, daria para bancar inúmeros projetos culturais de pequeno porte.
Nunca passou por minhas interpretações as dificuldades para adquirir recursos para um longa-metragem. O cineasta Ugo Giorgette precisou humilhar-se a várias empresas a fim de captar recursos para seu novo filme, "O príncipe". Constrangido pela burocracia das leis de incentivo à cultura no Brasil, sua declaração é interessante e merece reflexão: "Salvo horonsas exceções, nenhum empresário se interessa por cultura. Eles se interessam por não pagar impostos". De uma certa maneira, é aceitável o pensamento de Giorgette. O governo passa à iniciativa privada a responsabilidade de financiamentos na área da cultura. Na grande maioria, os executivos nada entendem de cultura ou, se compreendem, ignoram projetos culturais importantes.
Aqui no país, ou se paga canais a cabo, ou somos obrigados a engolir lixo cultural. O acesso à informação de qualidade é restrito e acaba chegando a uma pequena fatia da população. Quase sempre tenho a ousadia de ligar a TV. Sintonizado em uma novela, vi a cara do Brasil. De agora em diante, pescador vira político e patricinhas lutam por causas sociais. Até a dançarina Carla Perez virou apresentadora de programa. Sempre escolhemos o caminho mais difícil, e tornamo-nos cada vez mais desiguais.
Pior foi eu ter sido cúmplice do ponto de vista de uma amiga. Ela afirmou que a rainha dos duendes, Xuxa Meneguel, era personagem intelectual. Isso é a nossa cultura. Desse jeito, vou deixar o Brasil.