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Introdução – os Mundos Fantásticos Virtuais
Antes de tudo, é necessário se fazer uma definição do que pode ser considerado um “Mundo Fantástico Virtual” (MFV). Existem vários aspectos em comum partilhados por esses mundos, estes são os principais: “1) O mundo deve ter regras automatizadas intrínsecas que permitam aos jogadores exercerem mudanças no ambiente. Essas regras são a física do mundo. 2) Os jogadores representam indivíduos no mundo. Eles podem exercer influência total ou parcial sobre exércitos, tripulações, guildas ou grupos, mas existe apenas uma entidade que os representa no jogo e com a qual eles se identificam. Essas entidades são os seus personagens. Toda a interação com o mundo e com os outros jogadores é canalizada através do personagem. 3) A interação com o mundo acontece em tempo real. Quando se faz algo no mundo, pode-se esperar retorno quase imediato. 4) O mundo é compartilhado com outros jogadores. 5) O mundo é, ao menos em parte, consistente.” (Richard Bartle, em Designing Virtual Worlds).
Esses aspectos distinguem os MFVs de outros ambientes virtuais como salas chat, jogos de estratégicos de guerra web-based (como o Planetarium), jogos play-by-email, jogos single-player e de tiro em primeira pessoa (first-person shooter, FPS). As salas de bate-papo não possuem física, nos jogos estratégicos de guerra os jogadores não encarnam um personagem, ao invés disso administram um reino/facção/país ou outra coletividade, um play-by-email não é em tempo real, um single-player não é compartilhado e um FPS não é consistente. A internet desenvolveu uma enorme gama de mundos fantásticos virtuais desde sua criação. O virtual oferece a opção de deixar com que se imagine os ambientes por onde se vaga. Ferramentas como videogames já haviam oferecido a possibilidade de interação com ambientes virtuais, mas o ciberespaço vai além: mais que uma interação superficial, o ciberespaço se mostrava capaz de permitir uma "imersão" dentro desses ambientes virtuais, e também de possibilitar o encontro com outras pessoas também "imersas" nele. Os mundos fantásticos virtuais não são apenas diversão, existe uma enorme rede de pessoas que vivem e interagem a partir dos mundos criados em rede. Não há uma limitação entre o que é fantástico e o que é real. Como em qualquer grande comunidade, os jogadores se agrupam por afinidades, é um efeito do grande número de pessoas envolvidas e da diversidade de interesses e individualidades nos jogos. A identidade comum a todos é o interesse pelos mundos fantásticos virtuais, mas existem significados que formam identidades múltiplas em cada jogo. As relações de confiança, parceria e amizade podem transcender o mundo virtual e serem parte da vida dos usuários em todos os aspectos.
A História dos Mundos Fantásticos Virtuais
A evolução dos MFVs é dividida em cinco gerações. A primeira geração é a dos MUDs (Multi-User Dungeons). Ela começou com a produção de MUD (o titulo original do primeiro MFV, que foi posteriormente alterado para MUD1, para diferenciá-lo dos outros do gênero) por Roy Trubshaw, em 1978 na Universidade de Essex, Inglaterra. O jogo possuía uma interface composta puramente de texto e possuía suporte para um máximo de 36 jogadores. Os jogadores interagiam com o mundo através de comandos escritos e caminhavam pelo mundo virtual procurando missões para cumprir e inimigos para matar. A grande diferença com outros jogos semelhantes da época era justamente a possibilidade de fazer isso acompanhado de um grupo formado por outros jogadores e de encontrar outros grupos espalhados pelo ambiente do jogo.
Na época, a Universidade de Essex servia como piloto para o projeto EPSS, que possibilitava comunicação com os computadores da ARPAnet (rede da qual nasceu a Internet). Essa interligação abriu caminho para que o MUD chegasse a algumas universidades americanas. Porém, ao contrário do que aconteceu nos EUA, na Inglaterra a experiência do MUD não se limitou ao interior das universidades. Onde antes os jogadores eram somente os que tinham acesso aos computadores da universidade, as comunidades das bulletin board system (BBS) espalharam o jogo por todo o Reino Unido. A Universidade de Essex liberou o uso dos modems de seus computadores para o MUD, contanto que fossem usados somente em horários não-úteis à academia (ou seja, durante as madrugadas).
A segunda era dos MFVs é marcada pela pluralização dos MUDs e começa em 1985, com a criação de Shades, Gods, AMP e MirrorWord. Essas variantes foram as primeiras de muitas outras que se seguiram. Jogos de aventura baseados em texto eram um grande sucesso comercial na época, o que fazia com que os jogadores entendessem os conceitos de criação de um MUD. Bastava usar um código fonte já construído para os protocolos de comunicação e até mesmo um programador pouco experiente poderia desenvolver o seu próprio MUD.
Os provedores de serviço online dominantes da época, a CompuServe nos EUA e a CompuNet na Inglaterra, adotaram o MUD1 como parte de seu conteúdo online. A CompuNet desenvolveu até o seu MFV exclusivo, o Federation II, o primeiro MUD a usar uma ambientação não-medieval.
A terceira era começou em 1989 e é marcada por uma grande expansão. Um estudo do tráfego de dados da NSFnet mostrou que em 1993 10% das informações trocadas pertenciam aos MUDs, ou seja, 10% do tráfego da internet, antes da invenção da World Wide Web (WWW), pertenciam aos mundos fantásticos virtuais. O AberMUD foi o que abriu o caminho para essa expansão; ao contrário dos jogos anteriores, produzidos em MACRO-10 Assembler, ele foi estruturado na linguagem C, ganhando compatibilidade com o sistema operacional Unix. Essa abertura fez proliferar não somente outras ambientações de jogo, mas também variações no próprio conceito, nasceram aí os LPMUDs, DikuMUDs, MOOs, MUSHs, e MUCKs. Não cabe aqui citar todas as peculiaridades de cada uma dessas variações, basta dizer que algumas delas passaram a orientar os ambientes através de objetos, outras eliminaram o aspecto de “jogo” em favor da interação entre os jogadores e outras arriscaram o uso de gráficos gerados através de códigos ASCII.
A quarta era data de 1995, quando Alan Klietz escreveu Sceptre of Goth. A empresa GamBits, sentindo o apelo comercial dos MUDs, transpôs o jogo para PC, permitindo o seu uso através de uma conexão dial-up, e o lançou comercialmente atingindo grande sucesso. Outras empresas seguiram o exemplo, mas, tanto na Inglaterra quanto no restante da Europa, o sucesso não durou muito. As pesadas taxas telefônicas cobradas impediram o crescimento desse filão comercial.
Nos EUA, por outro lado, as tarifas telefônicas eram bem mais acessíveis. O nascimento da WWW e a guerra de preços entre os provedores de acesso americano fomentaram a popularização da Internet. A grande rede, antes restrita às universidades, agora estava facilmente disponível à população comum, ansiosa por conteúdos online, jogos entre eles.
Todos os maiores provedores de então, CompuServe, Prodigy, QuantumLink (que se tornou a AOL) e GEnie, fecharam contratos com os produtores de MUDs. Os jogos seriam fornecidos como parte do conteúdo exclusivo do provedor, na tentativa de atrair mais usuários e, mais especificamente, de mantê-los online por mais tempo: a política comercial que eles usavam taxava os usuários por hora conectada. Para os criadores dos jogos isso significava que quanto mais tempo os usuários passassem nos seus jogos, mais royalties receberiam dos provedores de internet. Os MFVs mais populares da época, Gemstone III e Dragon s Gate, chegaram a render cerca de um milhão de dólares por mês aos seus criadores.
Quando as redes de BBS passaram a funcionar como provedores menores de acesso à internet, a AOL (e os três outros grandes provedores, em conseqüência) se viu forçada a mudar sua política comercial, cobrando de seus assinantes uma taxa fixa mensal para obter acesso ao conteúdo. Essa mudança impossibilitava os grandes provedores de levarem adiante os contratos que haviam sido assinados com os criadores dos jogos, que por outro lado não aceitaram a mudança. A solução foi criar o “conteúdo premium”. O usuário pagaria a taxa mensal fixa para ter acesso ao conteúdo normal, sendo conteúdo premium (onde se incluíam os jogos) pago por hora. Os usuários se recusaram a pagar extra por um conteúdo que antes eles consideravam ser gratuito, o que resultou na perda de 90% dos jogadores de MUD.
1997 demarca o fim da era dos MUDs, que sobreviveram apenas amadoristicamente e com poucas evoluções desde então. Com o nascimento dos MMORPGs (m assive multiplayer online role playing game), os MFVs alcançam a sua quinta era.
Em 1996 The Kingdom of the Winds, considerado o primeiro MMORPG, foi lançado na Coréia do Sul. Ao contrário dos países ocidentais, a população jovem coreana prefere fazer uso da internet não em computadores individuais caseiros, mas sim nos cibercafés, que servem de pontos de encontro social e ainda oferecem conexões de banda larga. Esse panorama deu margem ao nascimento de um modelo de negócios que ainda não funcionou no ocidente: vender a licença de acesso a um jogo não para o jogador, mas sim para os cibercafés. Logo em seguida foi lançado, também na Coréia do Sul, o Lineage, que atingiu uma renda de pouco mais de cinco milhões de dólares em três meses.
Os MMORPGs se mostraram um lucrativo filão na indústria de jogos eletrônicos que o ocidente não quis ignorar. Em 1997 a empresa OSI faz o lançamento do Ultima Online (UO), que atingiu um pouco mais de cem mil assinantes em um ano, rendendo aproximadamente 12 milhões de dólares no mesmo período.
A diferenças entre um MUD e um MMORPG são várias, assim como suas semelhanças, mas o principal fator que os distingue é que, enquanto o primeiro faz uso de interface textual, o outro oferece uma interface gráfica. Os ambientes não seriam mais descritos em forma textual ou simulados através de desenhos ASCII, mas sim exibidos diretamente na tela através de gráficos. Ao invés de escrever “vá para o norte”, o jogador usaria o seu teclado (ou mouse) para exercer comando direto ao seu personagem: bastava clicar o mouse em um ponto da tela para fazer o personagem andar até lá, bastava apertar a seta direita do teclado para fazer com que ele andasse para a direita.
Os MUDs obtiveram sucesso anteriormente em parte por serem semelhantes aos jogos de interface textual ao qual os jogadores da década de 80 estavam acostumados, era uma tarefa difícil atrair jogadores que não tinham contato prévio com aquele tipo de jogabilidade. Por usarem interface gráfica, os MMORPGs se aproximavam dos outros jogos não-MFVs de então, quebrando a barreira da interface “alienígena” dos MUDs e atraindo um mercado de novos jogadores.
Para saber mais
-- Cultura da Interface, de Steven Johnson. Editora: Jorge Zahar Editor, 2001
-- Designing Virtual Worlds, de Richard Bartle. Editora: New Riders, 2003
-- Game On: The History and Culture of Videogames, de Lucien King, Steven Poole e vários autores. Editora: Laurece King, 2002.
-- Uma História do Espaço de Dante à Internet, de Margaret Wertheim. Edirora: Jorge Zahar Editor, 2001