Como míope que perde os óculos e o rumo de casa na confusão de tumulto na rua, o governo do presidente Lula desandou de vez e não sabe mais a quantas anda na barafunda em que se meteu com os truques, espertezas e jogadas na azarada campanha municipal. Especialmente no segundo turno, contaminado pela lepra de todos os vícios e deformações, muitos que pareciam extirpados e todos condenados nos saudosos tempos em que o PT nadava de braçada nas águas da oposição.
Não há como esconder a decepção e o pasmo com a degringolada moral e ética em que chafurda a caça ao voto em todas, ou quase todas a capitais e municípios que não conseguiram eleger ou reeleger os prefeitos na primeira rodada de urnas. O espetáculo descamba para a escandalosa e despudorada demagogia, envolvendo a máquina oficial e o PT, com sobras para a oposição. E como o caiporismo adora companhia, a bagunça corrói o governo como traça em ambiente umedecido pela corrupção e o mais descarado populismo.
A governadora Rosinha Garotinho não é do PT nem apóia o governo. Não importa. Saiu com a promessa, com ares de deboche, de venda de casas populares a R$ 1, na apoteose da revolucionária linha de solução de todas as mazelas sociais, como refeições, remédios, passagens, hotéis, pelo mesmo preço da demagogia.
O bloco desfila com muitos ilustres figurantes. A prefeita de São Paulo, Marta Suplicy, candidata à reeleição com jeito de perdedora, segundo todas as pesquisas, promete congelar as tarifas de ônibus nos atuais R$ 1,70 até 2005 e fez apelos à baixaria, que foi proibida pela Justiça Eleitoral de continuar nos ataques ao governador Geraldo Alckmin, de discreta atuação no apoio ao candidato do seu partido, José Serra. Cobrado pelos petistas maltratados por baixos índices nas pesquisas, o presidente Lula entrou na campanha, com o desembaraço que o obriga a constrangimentos, como a inauguração de reformas no Laboratório Central de Saúde Pública em São José dos Pinhais, na Região Metropolitana de Curitiba e que só estarão prontas no ano que vem, quando não haverá eleição.
Não é necessário repetir que eleição só se decide com a apuração do último voto. Mas, a tendência do eleitorado, com a mania das pesquisas, antecipa probabilidades que orientam a campanha. Candidato certo e insubstituível à reeleição, o presidente Lula caiu em si, no tombo do alto da euforia, com as perspectivas de derrotas em São Paulo e Porto Alegre, a capital dos dengues do PT, completando 16 anos de administração. A virada na capital gaúcha, com o candidato do PPS, José Fogaça, liderando as pesquisas com 12% de vantagem sobre o prefeito Raul Point, petista candidato à reeleição - e que desatinou, atribuindo ao desgaste do governo Lula - completa a dupla das angústias federais. Claro que eleger prefeitos e vereadores é fundamental para a montagem da estrutura partidária. Mas, se as urnas confirmarem as derrotas petistas em São Paulo e Porto Alegre, estará carimbada a crise federal.
O presidente deve ter passado debaixo de escada, pisou na cauda de bichano preto ou tropeçou em despacho nas esquinas de Brasília, desafiando a sorte que o sustenta com altos índices de aprovação e popularidade. Mas seu governo está perdido em erros primários, incompetência e omissão de desastradas escolhas do seu mastodôntico ministério e a leviana precipitação no lançamento de planos para ganhar na notícia.
Os apregoados cinco milhões de Bolsas-Família para acudir à extrema pobreza dos milhões de indigentes das estatísticas contestadas por especialistas, estão na vitrine, expostas nas suas calamitosas distorções na série de reportagens da TV-Globo, num triste flagrante do baixo nível de boa parte dos 5 562 prefeitos. O que não desculpa a fragilidade do cadastramento, em última instância, da responsabilidade federal.
Na área econômica, as coisas se complicam. O Brasil cai três pontos no índice de Competividade Global do Fórum Econômico Mundial. O ministro Tarso Genro, descobre que é um escândalo o percentual de vagas ociosas nas universidades; o governo arria a trouxa, desmoraliza a ministra Marina Silva e autoriza, por Medida Provisória, o plantio da soja transgênica.
Com seus novos aliados Paulo Maluf, Orestes Quércia, Newton Cardoso, Jader Barbalho, embaraçado no cipó das contradições, o PT e o governo Lula mudaram tanto que ficaram irreconhecíveis. Parecem caricaturas de traços ridículos, imagens refletidas em espelhos deformantes, a negação de todo um passado de coerência na orgia da falência múltipla dos três poderes.